EDUCAÇÃO

Justiça na Educação

Jimi Joe / Publicado em 21 de outubro de 2001

 

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Lugar de criança e adolescente é na escola, de preferência numa escola sem violência. Para cerca de 5.500 magistrados e promotores de Justiça que atuam nas Varas da Infância e Adolescência em todo o país, esse compromisso vai muito além da conotação por vezes demagógica e eleitoreira que a proposta contém. Na verdade, há muito trabalho consistente por trás do Movimento Pela Justiça na Educação. A base são os encontros programados para todos os estados brasileiros. Com duração de três dias e meio, destinam-se a grupos com uma média de 150 participantes. Além de magistrados e promotores, há vagas reservadas a parceiros estratégicos. A idéia da Associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e da Adolescência – ABMP – é de buscar a maior abrangência possível com o projeto, por isso o interesse em parcerias com os mais diversos setores organizados da sociedade brasileira. No Rio Grande do Sul, o movimento espera viver um momento especial entre os dias 4 e 6 de outubro com a realizaão do II Seminário Nacional de Educação sobre Valores Humanos, em Caxias do Sul.

Esse encontro dará continuidade a uma série de eventos similares que já aconteceram este ano em várias cidades do interior do Brasil como Teresópolis (RJ), Beberibe (CE), Garanhuns (PE), Mossoró (RN), Águas de Lindóia (SP), Salinópolis (PA) e Poços de Caldas (MG), e também em capitais como Salvador, Cuiabá, Teresina, Aracaju e João Pessoa. A descentralização do debate sobre a necessidade de permanência de crianças e adolescentes na escola é parte do projeto. Simone Mariano da Rocha, coordenadora da ABMP no Rio Grande do Sul, diz que a função básica do movimento liderado pela associação é promover a integração e engajamento de juízes e promotores e buscar a qualificação desses profissionais do Direito para atuar na área da infância e educação. “Ao reunirmos o maior número possível de juízes e promotores nesses encontros, esperamos como resultado um novo olhar sobre a educação como um direito inerente a todos”, diz ela.

O encontro de Caxias do Sul será um dos maiores e tem a previsão de participação de mil inscritos. A violência nas escolas estará na pauta do dia. Simone Mariano da Rocha diz que um dia do encontro foi reservado especialmente para debate sobre o tema. “A questão da violência na escola sempre aparece nos encontros realizados. Desta vez resolvemos dar uma atenção especial ao tema.” Estratégias éticas, políticas e pedagógicas de prevenção da violência no meio escolar estarão na pauta do dia 6 de outubro no campus da Universidade de Caxias do Sul. Simone Mariano da Rocha lembra que, pela importância do assunto, o evento será aberto a toda comunidade e não restrito apenas aos inscritos para o seminário.

“Nenhuma criança pode estar fora da escola. O papel da escola é justamente propiciar a inclusão do criança e do adolescente. A instituição de ensino tem o dever de saber onde está o aluno.”
Simone Mariano da Rocha
Coordenadora da ABMP no RS

 

 

“Estamos convidando representantes de escolas particulares e públicas, professores e a comunidade em geral, pois o problema da violência na escola afeta a todos esses segmentos. Além do painel introdutório e debate, o dia será marcado por relatos de experiências bem-sucedidas contra a violência na escola como a campanha Educação Para a Paz, praticada em Porto Alegre, e a experiência de Canela.” O juiz Leoberto Brancher, presidente da ABMP, o psicanalista Mário Fleig e a educadora e advogada Regina de Fátima Migliori, consultora da Unesco em Cultura da Paz, participarão do painel. Nos relatos de experiências, haverá as participações do secretário municipal de Educação de Porto Alegre, Eliezer Pacheco, da secretária municipal de Educação de Santa Cruz do Sul, Jane Kuhn, representando o Fórum da Não-Violência, e serão apresentadas propostas da Secretaria Estadual de Educação e do Programa Escolas de Paz/Unesco com participação da representante da Unesco, Vera Lúcia Deboni.

O trabalho realizado pela ABMP e seus chamados parceiros estratégicos vem se desenvolvendo desde 1998. “No Rio Grande do Sul, já vínhamos fazendo um trabalho na área de permanência na escola, desenvolvemos uma ficha de comunicação do aluno infreqüente. A mobilização, que se estendeu por todo o estado, visava conscientizar a comunidade para o fato de que nenhuma criança pode estar fora da escola. O papel da escola é justamente propiciar a inclusão do criança e do adolescente. A instituição de ensino tem o dever de saber onde está o aluno,” diz Simone Mariano da Rocha. A experiência gaúcha, levada por representantes do Rio Grande do Sul aos diversos encontros promovidos ao longo de 2001, tem se disseminado pelo demais estados da federação. “É um momento extremamente rico de troca de experiências no qual se revela um trabalho realmente integrado,” observa Simone Mariano da Rocha.

Em Goiás, como resultado do movimento, houve a aprovação pelo Ministério Público da defesa do direito à educação não só de crianças e adolescentes, mas também daqueles que não a tiveram em idade adequada. Saulo de Castro Bezerra, 1º vice-presidente da ABMP, que coordenou o encontro de Goiás, diz que a preocupação dos profissionais do sistema de justiça da infância e da juventude estão agora empenhados, principalmente, no combate à evasão escolar e na adequação do transporte escolar em todas as comarcas. Em Alagoas, o Projeto Ficai, baseado em fichas que avaliam as razões da evasão, conquistou 450 novos educadores capacitados. O projeto foi inspirado pelos debates dos Encontros pela Justiça na Educação. Em Santa Catarina, o Programa Apóia dá continuidade à articulação de redes de apoio ao aluno do ensino fundamental e à sua família. Para isso foram estabelecidos termos de ajustamento entre o estado e os municípios catarinenses. Em Tocantins, durante um dos Encontros pela Justiça na Educação, realizado em Palmas, foi lançado o Projeto Evasão Escolar: Nota Zero. O projeto começou a ser implantado em escolas de ensino fundamental estaduais e municipais visando reduzir a taxa de evasão que até este ano ficava em 19,8% na rede estadual e 18,6% na rede municipal.

Permanência e inclusão na escola requerem integração com órgãos educacionais

Ela diz que a possibilidade de um trabalho conjunto entre promotores e juízes serve para minimizar os efeitos de uma balança por vezes desequilibrada, em que uns não têm a noção exata da dimensão do trabalho dos outros. “Há uma expectativa grande de se conseguir bons resultados nesse encontro de Caxias do Sul como já ficou constatado em outros encontros.”

A coordenadora da ABMP no Rio Grande do Sul lembra que essa cruzada pela permanência e pela inclusão da criança e do adolescente na escola passa pela integração com instituições da área educacional e o comprometimento de todos os promotores e juízes da área da infância e adolescência. “É preciso que todos formem esse novo olhar sobre a educação como um direito e numa forma integrada de criar compromissos, sobretudo com o foco na escola.”

O trabalho realizado pela ABMP, por sua vez, conforme Simone, joga todo o enfoque na criança e na adolescência. “O acesso à escola é um direito universal. A exclusão é um problema que deve ser combatido no dia-a-dia. Há crianças e adolescentes que acabam sendo excluídos pelos mais diversos motivos”, diz ela. Entre esses motivos estão problemas familiares e sócioeconômicos, o que já confere uma dimensão maior à situação e exige a participação da sociedade como um todo na busca de soluções. A garantia de acesso à escola não é suficiente. É preciso, sobretudo, cuidar da permanência. O problema da exclusão muitas vezes surge porque a criança ou o adolescente não tem nem dinheiro para pagar um ônibus que os leve à escola.

Uma Lei de Diretrizes Sócioeducativas

O movimento deflagrado pela ABMP não se limita aos encontros e debates promovidos constantemente. Este ano, a entidade tornou pública sua proposta de uma lei de diretizes sócioeducativas. “Desde 1998, a ABMP vem sinalizando a importância de propor-se a discussão do sistema de execução de medidas sócioeducativas como alternativa prática e propositiva aos movimentos em favor da redução da menoridade penal,” argumenta o juiz Leoberto Brancher, na apresentação da proposta. O texto proposto por um grupo de promotores, procuradores e juízes, após um longo período de pesquisas e estudos, visa sobretudo procurar uma solução menos drástica na aplicação de punições aos menores infratores. “Como atividade estatal coercitiva, muitas vezes mais rigorosa, e no mais das vezes mais rigorosa com adolescentes do que com adultos, é inadmissível que a execução de medidas sócioeducativa se proceda sem as garantias da legalidade expressas pela norma prévia, escrita, estrita e certa,” observa Leoberto Brancher.

A promoção dos valores humanos norteia o texto proposto que prevê que órgãos e entidades encarregadas da execução das medidas sócioeducativas deverão especificar, em seus programas de atendimento, as respectivas propostas pedagógicas. Tais propostas devem conter os princípios de conduta e ações destinados a proporcionar ao adolescente e sua família a superação de conflitos pessoais e sociais com base em valores humanos e promoção da cidadania.

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