Verás
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Em 1986, mais de dez anos depois de concluída, a tese foi publicada pelas Edições Afrontamento com o título Educação e Mudança Social em Portugal: 1970-80, uma década de transição, dando início a uma série de publicações de livros e artigos (veja anexo). Atualmente professor da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação na Universidade do Porto, Stoer é o diretor e pesquisador responsável do Centro de Investigação e Intervenção Educativas (CIIE), da mesma Universidade. O Centro é uma unidade de investigação financiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia do Ministério de Ciência. Criado em 1989, as atividades do CIIE estruturam-se em torno de linhas de investigação que identificam questões centrais no desenvolvimento e produção de conhecimento em educação.
Phd em Sociologia da Educação, Stephen Stoer é também diretor, desde a sua criação em 1994, da revista Educação, Sociedade & Cultura. A revista, segundo Stoer tem, entre outros objetivos, a divulgação do conhecimento produzido por todos os que trabalham nas Ciências Sociais (com destaque para a Sociologia, a Antropologia e a História), e que tomem como campo de estudo e/ou investigação o campo da Educação/Formação; é, também, entre outras coisas, um espaço para promover, quer nas suas páginas, quer através da organização de outras atividades, uma “vigilância sociológica” das políticas e das práticas realizadas, formal e informalmente no campo da Educação/Formação. Leia a seguir a entrevista realizada com o pesquisador.
Extra Classe – De que forma pode ser evitado o desvio da escola “para todos” e de que forma o Estado pode intervir nessa distorção?
Stephen Stoer – Tem que haver um desenvolvimento da comunidade educativa (que não pode ser reduzida aos agentes do mercado e das empresas) num sentido que possa aproveitar um profissional de ensino que é cada vez mais relocalizado e globalizado. Isto é, as alianças e as redes de cooperação e desenvolvimento integrado já não passam sobretudo pelo nível nacional, passam pelos níveis local, regional e global. O Estado tem que defender os agentes educativos perante o poder empresarial e do mercado ajudando a criar os espaços necessários para o desenvolvimento de tais redes e alianças. O Estado também está a reconfigurar-se no que diz respeito à cidadania, passando de uma concepção de cidadania pensada a partir daquilo que é comum (mesma língua, mesmo território, mesma religião), para uma concepção de cidadania pensada a partir das diferenças (locais, pertenças étnicas, sexuais, etc.).
EC – O senhor falou em sua conferência no Brasil sobre a passagem da educação de uma gestão controlada da desigualdade, que é gerada socioeconomicamente, para uma gestão controlada da exclusão social, que tem raízes socioculturais. O senhor poderia falar um pouco mais sobre essa questão?
Stoer – A gestão controlada da desigualdade implica para a educação escolar o desenvolvimento de uma educação compensatória que é, no fundo, mais da mesma coisa (aulas de recuperação, etc.). A gestão controlada da exclusão social implica para a educação escolar um investimento na educação inter/multicultural que é, sobretudo, um olhar sobre as diferenças para mais as controlar. Isto é, não se fala com a diferença mas com os discurso sobre a diferença (que já estão contaminados pelo poder vigente).
EC – Como o ensino português tenta resolver os problemas da desigualdade na escola e simultaneamente garantir a transição escola-mercado de trabalho? E qual seria a forma de a escola criar indivíduos capacitados para enfrentar o mercado mundializado e em vias de reconfiguração?
Stoer – O ensino português tenta resolver os problemas da desigualdade na escola e garantir a transição escola/mercado de trabalho através de programas de formação profissional (incluindo a criação das Escolas Profissionais – 10º ano até 12º ano); através da revisão curricular (que se apresenta como a “gestão flexível do currículo”), que pretende dar mais acompanhamento pelo professor ao aluno e tornar a escola mais capaz de lidar com a constante atualização dos saberes; através da organização de “territórios educativos” na forma de agrupamento de escolas; e através de mecanismos que têm como fim responsabilizar os pais dos alunos e os próprios professores. A forma da escola capaz de criar indivíduos capacitados para enfrentar o mercado mundializado e em vias de reconfiguração será um mandato renovado para a escola pública, enquanto parceira da comunidade, como lugar privilegiado de comunicações interculturais e que defende que um princípio ético e político de justiça social deve orientar não só as práticas pedagógicas dos agentes educativos como também a própria seleção do saber para o currículo.
EC – Como se desenvolve a educação escolar em Portugal? Na sua opinião, quais as semelhanças entre os dois países?
Stoer – Há algumas semelhanças entre a educação escolar portuguesa e a do Brasil. Em ambos os países a educação escolar (para todos) encontra-se num processo de simultânea crise e consolidação. Isto é, por um lado, esses países estão envolvidos na consolidação dos seus sistemas escolares públicos (a criação de uma cultura de escolarização; a fiscalização do direito de estar na escola e de ter sucesso acadêmico), por outro, já estão a sofrer uma crise, que também abala os sistemas escolares dos países centrais, que ameaça pôr em causa a escola pública, privatizando-a e/ou reduzindo a sua influência entre a classe média, classe essa fundamental para o bom desenvolvimento da escola pública.