EDUCAÇÃO

A juventude fragmentada

César Fraga / Publicado em 17 de maio de 2002

Pesquisa aponta que jovem brasileiro médio é individualista, não têm consciência do quanto seus atos afetam o meio onde vive e têm no consumo seu principal elo com a sociedade.

Para se ter uma idéia, 24% dos jovens (entre 18 e 25 anos) acham que suas ações não tem impacto sequer em suas próprias vidas, e, em geral, acham que essas mesmas ações não impactam na sociedade, no ambiente ou na economia. Com este perfil aproximado do jovem brasileiro os pesquisadores apontam a escola, mais uma vez, como principal agente de mudanças. Porém, existe um outro dado preocupante, a esmagadora maioria dos pesquisados vêem essa mesma educação apenas como uma possibilidade de ascensão profissional e proporcionadora de benefícios para suas carreiras. O estudo foi realizado em 11 capitais metropolitanas brasileiras (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Belém, Recife, Salvador, Fortaleza, Recife e Goiânia) pelo Instituto Akatu, em conjunto com o instituto de pesquisas Indicator, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e Organização das Nações Unidas para a Educação (Unesco), com base em pesquisa similares feitas pelas duas organizações em outros países.

A comparação dos dados brasileiros com os resultados da Pnuma/Unesco nos outros países é, no mínimo, cruel. Os jovens brasileiros se interessam por compras mais do que todos os outros países pesquisados (França, Japão, Argentina, Austrália, Itália, Índia, EUA e México, respectivamente). Os norte-americanos, por exemplo, estão em penúltimo lugar na lista com apenas 12% de sua juventude muito interessada no assunto e outros 21% com algum interesse. O Brasil, no topo tem 70%, sendo 33% com muito interessada pelo tema. Em contrapartida, a simpatia por política deixa o Brasil em último lugar. O nível é pequeno. Apenas 10% dão muita importância para assunto e outros 16% de forma mais genérica.

Quando se vai atrás dos motivos, alguns deles podem ser encontrados em outros ítens pesquisados, como por exemplo o percentual de leitura que é bastante baixo. A principal fonte de informação da juventude brasileira é a televisão. “A TV apresenta uma visão fragamentada das coisas. O fenômeno que encontramos também é resultado da forma como a informação é apresentada a esses jovens. A informação chega de forma desorganizada e certamente isso traz reflexos na formação das estruturas de pensamento das novas gerações”, teoriza o coordenador do Instituto Akatu, Délcio Rodrigues. Segundo Délcio, o jornal clássico, em papel, já trabalha com um certo nível de fragmentação, mesmo que consiga aprofundar um pouco mais cada questão. Depois vem a televisão e a própria estrutura dos telejornais cujas características propiciam este fenômeno. Na seqüência vem a internet, fragmentando ainda mais. “De acordo com as pesquisas, o tempo média de permanência em uma tela é de nove segundos. O que cabe de informação nesse tempo? É tudo muito rápido. Na escola, o livro didático acaba tendo de se fragmentar para acompanhar a linguagem dos veículos a que estes jovens e crianças já estão habituados”, argumenta.

“Embora já tenha se tornado comum jogar toda a responsabilidade sobre a escola, quem melhor pode lidar com essa questão realmente é ela, porque mais do que lidar com a informação, ela trabalha com algo que vem antes, que é a formação. Só a escola pode ajudar a construir o filtro que os jovens precisam para que possam organizar toda a informação que recebem e estabelecer os nexos entre elas, além é claro, de ajudar a criar noções de cidadania , de atitude diante das coisas”, justifica. Para ele, não adianta somente a escola fazer a sua parte. Outros setores da sociedade também precisam agir, como as empresas por exemplo, revendo suas formas de produzir, não fazer propaganda enganosa, questionar seus métodos. “Essa atmosfera de responsabilidade social precisa estar presente nos diversos segmentos da sociedade”, completa. Em contraponto ao saldo negativo dos resultados, a pesquisa aponta certo grau de consciência ecológica, pois a maioria dos entrevistados mostrou preocupação com itens como coleta seletiva, por exemplo.

Ausência de perspectivas – Mas o cenário não é totalmente árido. Um outro estudo, não estatístico, realizado entre adolescentes de classes baixas em São Paulo pelo mestre em psicologia social pela USP, Tiago Curbisier Matheus diz que, pelo menos neste extrato social, a juventude não é tão alienada. “Esses jovens restringem seus ideais ao que é possível. Eles lutam por transformações, mas de forma mais realista. Ao invés de tentarem mudar o mundo, procuram influir mudanças no seu bairro, por exemplo”. Em sua pesquisa, a preocupação com a ascendência profissional também é evidenciada. Para Matheus, a violência crescente, o desemprego, o clima de cada um por si, a atmosfera de desencanto e um universo refratário que oferece poucas possibilidades de inserção são os principais causadores da ausência de perspectivas mais amplas. “Não é o jovem que é individualista ele apenas reflete o ambiente em que vive”, explica. E conclui: “apostar na alienação dos jovens, pode ser excessivamente simplista. Afinal, as pequenas transformações também influenciam no todo, daí a grande proliferação de ONGs com participação de jovens”.

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