Estudo do Departamento Intersindical de Economia e Estatística (Dieese/Regional Sul), solicitado pelo Sinpro/RS, divulgado em março, revelou crescimento no número de escolas e de cursos oferecidos na rede privada do Rio Grande do Sul. De 1997 a 2002, foram criadas 252 novas instituições de ensino privado (Educação Básica) e 768 novas ofertas de ensino com ampliação de séries do ensino fundamental, médio, educação infantil, autorização de cursos técnicos e educação de jovens e adultos. O levantamento também apontou crescimento na Educação Superior com a expansão das instituições já existentes (novos campi) e surgimento de novas faculdades e universidades. A evolução no número de alunos mais do que dobrou de 1994 a 2001, por exemplo, pulando de 105.828 para 214.383 alunos matriculados, totalizando 102%. O número de instituições privadas de ensino superior também subiu 7,30% em apenas um ano (entre 2000 e 2001).
“O mercado da educação cresceu. O setor contribui atualmente com cerca de 9% do PIB e está a frente, inclusive, do setor energético, alavancando a economia por conseqüência”, explica a técnica do Dieese, Daniela Sandri, responsável pelo estudo. Ela considera a performance do setor positiva e classifica como excelente o seu desempenho, o que pode ser verificado em diversos pontos como a evolução do número de matrículas, do número de cursos e do número de instituições. Segundo Sandri, a expansão na educação superior, por exemplo, está ligada a três fatores principais: a própria expansão do Ensino Médio; a competitividade no mercado de trabalho, com a necessidade cada vez maior de qualificação profissional; e a capacidade limitada de investimentos do setor público. Esses dados reforçam o dinamismo do segmento de ensino, e mostram um mercado que não era visto enquanto tal, mas que está se revelando crescente, lucrativo e competitivo e a que, a cada ano, vem ampliando as opções para os diversos perfis de alunos.
Por outro lado, registra-se a evasão de 56, 2 mil alunos nos ensinos fundamental e médio nos últimos sete anos o que implica obrigatoriamente em queda de receita e readequação a um mercado que cresce, porém, também resulta em uma disputa maior pela clientela. A concorrência acaba causando uma certa pulverização de um público que se ampliou abaixo da quantidade de oferta, principalmente se levarmos em consideração o grande número de alunos absorvidos pela rede pública de ensino.
Os vilões da crise do ensino fundamental e médio são vários e não existe uma visão única dos motivos. A queda dos recursos financeiros das famílias devido à conjuntura econômica do país é um dos principais fatores apontados pelos dirigentes das escolas. “A perda do poder aquisitivo do trabalhador brasileiro é certamente um fator importante. Há famílias tendo de rever seus investimentos e que acabam apertando o orçamento justamente no item educação”, afirma Flávio D´Almeida Reis – Vice-presidente do Sinepe-RS, no exercício da presidência. Mas os dados da pesquisa mostram também que os próprios reajustes das mensalidades, que vêm sendo realizados anualmente pelas escolas têm registrado índices muito acima da inflação, acumulando durante os últimos anos 30,31% acima do Índice de Preços ao Consumidor (INPC). A diferença de reajuste das mensalidades do ensino básico em comparação aos reajustes de salários dos professores (que têm obtido a reposição da inflação nos últimos anos), por exemplo, no período de 96 a 2002 é na ordem de 24,31%. Com relação às mensalidades da educação superior a diferença é ainda maior, ficando o reajuste das mensalidades em 31,18% acima do reajuste salarial e 35,05% acima da inflação do período. É preciso considerar que diversas outras categorias não tiveram a reposição integral da inflação e o impacto dos reajustes pode apresentar diferenças ainda maiores.
Concorrência acirrada
As escolas que mais sofrem com a crise são as tradicionais, estabelecidas no mercado há mais tempo, perdendo terreno para novas instituições que surgem com estruturas mais enxutas e marketing agressivo junto ao público. “Sabemos que muitas escolas que abrem não têm muito investimento na formação de professores, nem custo com qualificação, pois já contratam profissionais que estão no mercado, o que torna seu produto mais barato. E é fato que ensino básico e fundamental, com uma estrutura mais enxuta abate os custos. Algumas trabalham no limite do que exigido pela legislação trabalhista e acordos coletivos, ao contrário de escolas mais tradicionais, que geralmente remuneram melhor os professores e possuem uma estrutura mais complexa”, explica a técnica do Dieese.
“A redução do número de alunos na educação básica privada se deve também à questão demográfica (famílias com número menor de filhos) associada à redução da capacidade de pagamento da classe média. O Sinpro/RS tem consciência desta redução do número absoluto de alunos, diferente do que acontece na educação superior em que houve um crescimento vertiginoso no número de alunos”, diz Marcos Fuhr”, diretor do Sinpro/RS. “Outra variável que vem sendo monitorada desde de 1996 é o custo do ensino privado, para isso feito um monitoramento anual. Trata-se de um dado que passa a ter uma importância mais significativa na medida em que se tem um histórico dessa evolução dos preços. Nós temos condições, com base nesse trabalho, de dizer que, certamente os aumentos das mensalidades acima da inflação contribuem para a fuga de alunos do ensino privado”, argumenta.
O diretor do Sindicato, que é ex-conselheiro do CEEd, também levanta um outro fator, que causa alguma polêmica: o da concorrência desleal praticada por algumas das instituições que estão emergindo no setor. Para ele, há realmente uma redução do número absoluto de alunos da rede privada de ensino, por outro lado, mais significativo que a perda de alunos seria a redistribuição dentro do próprio ensino privado. “Uma boa parte dessa concorrência que está aí colocada no mercado, é desleal. Nós temos a certeza de que muitas vezes tem faltado rigor por parte do poder público na análise de algumas propostas de ofertas de ensino apresentadas pela iniciativa privada. Inclusive temos apontado nossa preocupação ao Sinepe sobre a necessidade de uma regulação do mercado, porém nunca conseguimos sensibilizar os dirigentes das escolas sobre o assunto”, conclui Fuhr.
Sobre o tema o representante do Sinepe/RS afirma: “Somos contra qualquer espécie de deslealdade. Especialmente no Rio Grande do Sul, sabe-se da qualidade, da solidez e da tradição do ensino privado, que preza por um ensino sério e em permanente evolução. Desta forma, o Sinepe/RS tem se empenhado em qualificar o setor, promovendo cursos e encontros que pretendem mobilizar gestores, professores e o quadro técnico-administrativo”.
Já o superintendente estadual da Campanha Nacional de Escolas da Comunidade (CNEC-RS) Júlio César Lindemann acredita que a situação é preocupante, considerando o fechamento anual de unidades Cenecistas. “Os motivos predominantes para isso são o reduzido número de alunos e as dificuldades financeiras da comunidade escolar. Uma saída é a inovação constante das escolas particulares, formando parcerias, intercâmbios, trocas, capacitação do corpo docente. Mas concordamos, no entanto, com todas as iniciativas e procedimentos que visem à regularidade, bem como à legalidade do processo educacional. O Sinpro/RS é um grande parceiro quando se preocupa em coibir essas práticas irregulares”, afirma.
Saídas para a crise
Para Flávio Reis, do Sinepe/RS,a recuperação econômica do país é primordial, sobretudo para que as famílias possam voltar a investir em educação. Segundo ele, as instituições têm feito esforços para buscar alternativas administrativas que não permitam cair a qualidade do ensino. “Especialmente no ensino superior, sabemos que o fomento de bolsas de estudos é forte aliado para as instituições particulares. Nas escolas de ensino fundamental e médio, a manutenção de bolsas é crucial para conter a evasão de alunos. Há escolas com 40% dos alunos não pagando a integralidade da mensalidade. Porém, mesmo fazendo todos os ajustes, há um mínimo de custos necessários para manter as instituições. Em muitas escolas, a perspectiva é fechar as portas ou recomeçar de outra forma, com novos parâmetros”, justifica.
Para Júlio Lindemann, do CNEC, só a inovação constante das escolas particulares, formando parcerias, intercâmbios, trocas, capacitação do corpo docente, implementando estratégias, pode enfrentar as dificuldades do momento.
Marcos Fuhr, do Sinpro/RS, por sua vez, entende que deve-se fazer da Convenção Coletiva de Trabalho um instrumento regulador do mercado, pois com garantias de remuneração justa para os professores e a regulamentação de algumas questões em aberto na Convenção criar-se-iam obstáculos naturais ao surgimento de aventureiros no setor. Para ele, é preciso evitar que a crise seja exportada para os professores e alunos devido a um possível inchaço do mercado. Isso afetaria não só os salários dos professores, como também a qualidade do ensino, por conseqüência.