Desvios de recursos do Fundef são investigados
O governo federal, em trabalho conjunto com o Ministério Público, está promovendo uma devassa nas contas do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef) de diversas prefeituras brasileiras, em razão do crescente número de denúncias de irregularidades, desvios de recursos e finalidades na aplicação dos recursos voltados à manutenção e ao desenvolvimento do ensino fundamental e à valorização do magistério. Desde 1999, o Ministério da Educação (MEC) já recebeu mais de 1.900 denúncias de irregularidades envolvendo recursos do Fundef. Promotores de três Estados – São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul – estão investigando outro tipo de uso indevido de recursos do Fundo: empresas supostamente “sem fins lucrativos” são contratadas por prefeituras, muitas vezes sem licitação, e seus cursos e consultorias são pagos com dinheiro do Fundef.
O Fundef foi instituído pela Emenda Constitucional n° 14, de setembro de 1996, e implantado nacionalmente a partir de 1O de janeiro de 1998, quando passou a vigorar a nova sistemática de redistribuição dos recursos destinados ao ensino fundamental. A maior inovação introduzida pelo Fundo consistiu na vinculação ao ensino fundamental de uma parcela dos recursos constitucionalmente destinados à educação. A Constituição de 1998 vinculou a destinação de 25% das receitas dos Estados e Municípios à Educação. A emenda constitucional que criou o Fundef estabeleceu que 60% desses recursos (o que representa cerca de 15% da arrecadação global de Estados e Municípios) fossem reservados para o ensino fundamental. Além disso, introduziu novos critérios de distribuição e utilização desses 15%, promovendo a partilha de recursos entre os governos estaduais e seus municípios, de acordo com o número de alunos atendidos em cada rede de ensino.
Um dos tipos de irregularidade no uso das verbas do Fundo que vem sendo investigado em vários Estados da Federação é a contratação de empresas “sem fins lucrativos” com dispensa de licitação. Segundo o diretor do departamento do Fundef, Francisco das Chagas Fernandes, há uma forte suspeita de que muitas dessas empresas sejam montadas só para disputar esse mercado que movimenta cerca de R$ 24 bilhões por ano. Uma dessas empresas que está tendo seus contratos investigados em vários Estados é o Instituto de Tecnologia Aplicada à Informática (Iteai), com sede em Brasília. No Rio Grande do Sul, os deputados estaduais Dionilso Marcon e Edson Portilho entregaram ao Subprocurador-Geral de Justiça, Antonio Carlos Avelar Bastos, pedido de investigação de contratos entre 10 prefeituras gaúchas e o Iteai.
Contratos sem licitação
Somente no Rio Grande do Sul, a empresa mantém contratos sem licitação com 10 prefeituras para fornecimento de equipamentos e de softwares para implantação de bibliotecas virtuais em escolas públicas. O contrato de maior valor foi firmado em 2001, sem licitação, com a prefeitura de Canoas, no valor de R$ 2 milhões, para a compra de 170 softwares, 400 computadores, 40 impressoras e 440 mesas. A bancada do PT na Câmara de Vereadores de Canoas denunciou a existência de uma série de irregularidades no contrato e pediu a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o caso. O secretário municipal de Educação de Canoas, Marcos Zandonai, defendeu a legalidade do contrato e acusou a oposição de exploração política do caso.
Roberto Tejadas, assessor da bancada do PT na Câmara de Canoas, aponta algumas dessas irregularidades. Segundo ele, a Prefeitura não efetuou a publicação da dispensa de licitação, um requisito fundamental para a contratação de “empresas sem fins lucrativos”. Além disso, o contrato firmado em dezembro de 2001 já teve 91% dos valores devidos pelo município pagos ao Iteai, sendo que somente 40% dos laboratórios foram instalados. Outro problema levantado pela bancada petista de Canoas é a série de notícias publicadas em diversos jornais do país, dando conta de supostas irregularidades em contratos firmados pelo Iteai e outras prefeituras, envolvendo a utilização de recursos do Fundef e do Fundo de Apoio ao Trabalhador (FAT). Em Pirassununga (SP), a prefeitura comprou, sem licitação, do Iteai, softwares educacionais com 170 aplicativos e 50 computadores para laboratórios de informática, a um custo de R$ 275.000,00. A empresa e o prefeito da cidade estão com os bens bloqueados pela Justiça. Promotores vêm investigando por que tantas prefeituras vem dispensando a licitação na contratação de serviços que são oferecidos por dezenas de empresas, com preços, condições de pagamento e qualidade de produtos distintos. Em audiência com o ministro da Educação, Cristovam Buarque, no dia 30 de julho, o deputado federal Henrique Fontana (PT/RS) solicitou uma investigação sobre as relações da empresa com as prefeituras. O ministro qualificou as informações como “consistentes” e encaminhou o caso ao Corregedor-Geral da União, Waldir Pires.
Corrupção, sexo e assassinato
Os problemas envolvendo denúncias de desvios de verbas do Fundef são mais graves ainda em outros Estados. Em Alagoas, a professora Nanci Pimentel, diretora da escola Josefa Costa, foi indiciada como co-autora do assassinato do professor Paulo Bandeira, que havia denunciado desvio de recursos do Fundef no município de Satuba. Bandeira foi queimado vivo dentro de seu carro, há três meses. Segundo a polícia de Alagoas, a diretora da escola planejou e até participou do brutal assassinato, que acabou levando ao Estado uma força-tarefa especial do governo federal para investigar as irregularidades com aplicação do dinheiro na educação. No Pará, professores da rede pública do município de Abel de Figueiredo ficaram dois meses sem receber salário, apesar do Fundef ter repassado os recursos. Também no Pará, foram apurados até mesmo casos de pagamento de contas de motel com dinheiro do Fundef.
Uma subcomissão criada na Câmara dos Deputados em 2001 reuniu extensa documentação sobre essas denúncias, comprovando a existência de corrupção, desvio de recursos e outras irregularidades em 19 Estados da União. Foram identificadas fraudes em 359 municípios. Centenas de prefeitos foram alvo de ações judiciais ou investigações pelo Ministério Público.
O próprio governo descumpre a Lei
Mas os problemas envolvendo o Fundef não se limitam à esfera propriamente criminal. Há vários anos, o próprio governo federal é acusado de desrespeitar a lei que ele mesmo criou, ao não cumprir o valor mínimo por aluno/ano. A lei que criou o Fundef determina que “o valor mínimo anual por aluno será fixado por ato do presidente da República e nunca será inferior à razão entre a previsão da receita total para o fundo e a matrícula total do ensino fundamental no ano anterior, acrescida do total estimado de novas matrículas”. No entanto, as metas de ajuste fiscal firmadas com o Fundo Monetário Internacional (FMI) vêm impedindo o cumprimento dessa cláusula. Calcula-se que o calote da União no Fundef já atinja a soma de R$ 11,1 bilhões de 1998 até hoje. O Procurador Federal Luiz Francisco de Souza chegou a mover uma ação contra o então presidente Fernando Henrique Cardoso e o então ministro da Educação, Paulo Renato Souza, a pedido da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).
Fundo deverá ser substituído
O Fundef tem vigência garantida por lei até o final de 2007, mas o governo federal já estuda a substituição do modelo atual por um outro sistema, o Fundeb (Fundo para o Desenvolvimento do Ensino Básico). O projeto do Fundeb foi elaborado pelo MEC para substituir o atual Fundef, com o objetivo de aumentar o número de crianças na escola. Pelo projeto, municípios e Estados depositarão no fundo os 25% de sua arrecadação, que, de acordo com a Constituição, devem ser vinculados à Educação. Depois, os recursos serão distribuídos igualmente dentro de cada Estado, de acordo com o número de alunos no ensino básico nas redes estadual e municipal. Ainda que um município mais rico deposite mais recursos no fundo do que outro, todos receberão a mesma quantia por aluno. A estrutura do Fundeb está baseada na do Fundef que movimenta atualmente cerca de R$ 24 bilhões. Ele recolhe 15% dos quatro principais impostos de Estados e municípios e redistribui o dinheiro conforme o número de alunos no ensino fundamental. No Fundeb, o volume de recursos envolvido deve chegar a R$ 56 bilhões, segundo informações do Ministério da Educação. O projeto do novo fundo está sendo analisado pela Casa Civil da Presidência da República antes de ser enviado ao Congresso.
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Seminário reúne mais de 150 pessoas
O Sinpro/RS realizou no dia 23 de agosto, o Seminário de Educação a Distância…Qual a distância?, reunindo mais de 150 pessoas que, ao lado de especialistas, ampliaram e aprofundaram o debate sobre EaD. De acordo com a diretora do sindicato, Cecília Bujes, a Educação a distância, como nova modalidade de ensino, deve ser acompanhada de perto pela sociedade, para que seja mais uma alternativa àqueles que não tiveram ainda acesso à escola e não um artifício que simplesmente proporcione a certificação. “O seminário aprofundou, entre outras questões, o conhecimento da legislação da educação a distância que dá bastante autonomia às instituições educacionais e sublinhou a necessidade de que os Conselhos Nacional e Estaduais sejam muito criteriosos ao analisarem os projetos pedagógicos de oferta de EaD”, frisou Cecília.
O primeiro tema a ser debatido foi justamente A legislação na educação a distância, apresentado pelo diretora do Departamento de Políticas de Educação a Distância da Secretaria de Educação a Distância do MEC, Carmem Moreira de Castro Neves. Ela destacou a importância cada vez maior da tecnologia para o processo de aprendizado e apontou algumas das vantagens da EaD. “Ela trabalha com o princípio da autonomia e tem um grande potencial de democratização do ensino”, afirmou. A professora expôs ainda algumas questões polêmicas relativas à legislação, principalmente no que se refere à legalização dos cursos a distância. Segundo ela, ao contrário do que se pensa, essa modalidade de educação não rouba empregos ou desqualifica profissionais. “Trata-se de um meio que permite o amadurecimento dos professores e, cada vez mais, tem sido utilizado para qualificar a educação presencial”.
Em seguida, foi a vez da professora do Pós-graduação da PUC/SP, Maria Cândida Moraes, falar sobre o rompimento da dicotomia entre o virtual e o presencial. “Percebemos que muitos professores ainda têm resistência em lidar com a tecnologia, não estando preparados para trabalhar com a virtualidade. Para passarmos do presencial para o virtual, será preciso não reconstruir, mas integrar os meios, trabalhando com a percepção e os fundamentos de cada um deles”.
No turno da tarde, o seminário se voltou, num primeiro momento, para os relatos de experiência de especialistas que atuam em universidades gaúchas, como a professora Joyce Munarski Pernigotti, da PUC, a diretora de ensino de graduação da Pró-reitoria de Ensino e Pesquisa da Unisinos, Elvira Coelho Hoffmann e o diretor da Secretaria de Educação a Distância da UFRGS, Sérgio Franco.
Depois o foco central foi a palestra da Dra. Luciane Weber Toss, advogada do Sinpro/RS, que abordou os reflexos da educação a distância no contrato de trabalho dos professores de EaD. “O teleprofessor responsável pela preparação do material didático deveria estabelecer uma relação laboral e privada, com um contrato limitando a utilização do material didático, entrando aí a questão da propriedade intelectual”. Para Luciane, no caso dos professores responsáveis pelo acompanhamento e avaliação dos alunos, o contrato deverá prever uma porcentagem de disponibilidade, o chamado sobre-aviso. “No caso da EaD, os professores trabalham muito mais, estando mais disponíveis e sendo mais solicitados pelos alunos”, completou.
O Sinpro/RS continuará debatendo o assunto, inclusive durante o 7º Cepep, com vistas a incluir os professores que trabalham com EaD na próxima Convenção Coletiva de Trabalho.