EDUCAÇÃO

Educação Superior: em busca do tempo perdido

Ana Esteves / Publicado em 17 de dezembro de 2003

Nossa universidade está mais próxima daquela de mil anos atrás. A crítica do ministro da Educação Cristovam Buarque, data de agosto, em um seminário que debateu alternativas para o ensino superior privado brasileiro, mas o tema voltou a merecer destaque na segunda quinze

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Fotos: René Cabrales

Fotos: René Cabrales

na de novembro, no VII Encontro Nacional de Professores da Educação Superior Privada da Contee, realizado em novembro, em São Paulo. A necessidade de mudança justifica a mobilização cada vez mais intensa de vários segmentos da sociedade e do poder público em busca de mecanismos para efetivá-las.

As mudanças direcionam-se prioritariamente para questões relativas à avaliação e à regulamentação das Instituições de Ensino Superior (IES) no país, que não vinham sendo plenamente realizadas durante o governo FHC. “O sistema de regulamentação e avaliação de cursos e de instituições de ensino superior realizado no governo anterior, além de muito deficitário, não tinha por objetivo real uma séria avaliação. O atual governo tem procurado aperfeiçoar esse processo tendo como objetivo avaliar de fato a qualidade das instituições de forma mais abrangente”, declarou a coordenadora geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) e Dra. em Filosofia da Educação, Madalena Guasco Peixoto. Ela foi uma das painelistas do VII Encontro, no qual discorreu a respeito de Elementos sobre a Regulamentação da Educação Superior Privada. O evento, que reuniu diversos especialistas na área de educação, teve como objetivo debater, além dos pontos relativos à regulamentação e avaliação, as políticas governamentais para o setor e diagnosticar a expansão das IES.

Segundo a Coordenadora Geral, a Contee defende que o ensino superior privado seja regulamentado tendo em vista uma política que leve em consideração que tanto as instituições privadas como as públicas tenham determinados níveis de exigência e qualidade devido ao fato de possuírem a mesma responsabilidade social. “Deve-se estabelecer padrões de qualidade e através deles regras para o funcionamento destas instituições; autonomia, credenciamento de cursos, democratização interna. É preciso entender que o ensino particular é um grande sistema que não contempla o mesmo tipo de instituições, este sistema é complexo e deve ser tratado em todas as suas especificidades dentro de um sistema geral do ensino no Brasil”, declarou. De acordo com ela, o processo de regulamentação do ensino superior privado não está sendo realizado de forma efetiva, mas está em processo.

Madalena diz que a Contee se comprometeu a construir até o próximo Consind (a ser realizado no primeiro semestre de 2004) uma proposta de regulamentação, “além disso vamos continuar nos colocando como interlocutores e propositores junto ao Ministério da Educação”.

Conforme o Assessor do MEC, Paulo Sérgio Franco Barbosa, o sistema de regulamentação se tornará mais rigoroso a partir da implementação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes). “O processo de autorização, reconhecimento de cursos e credenciamento de instituições serão mais rigorosos. As informações colhidas nas instituições seriam mais freqüentes, úteis e confiáveis, permitindo conhecer, de fato, a realidade dos cursos e das universidades. A sociedade teria uma visão mais adequada da qualidade dos cursos e receberia mais informações em maior quantidade e melhor qualidade”, declarou Barbosa. De acordo com ele, antes de ser aberta, qualquer instituição de ensino superior passaria por avaliação “in loco” de suas condições. Se aprovada, receberia uma autorização provisória, passando a ter as suas atividades monitoradas e supervisionadas pelo MEC durante os primeiro três anos. O credenciamento do MEC apenas poderia ser concedido após três anos de funcionamento mediante nova avaliação. Esta proposta consta no Sinaes e está sendo analisada pelo MEC. “Atualmente, as instituições são credenciadas quando recebem a autorização, antes mesmo de começarem a funcionar. Pelo novo sistema, a autorização deixaria de ser um ato definitivo, para tornar-se um ato temporário, com acompanhamento do Ministério, podendo ou não culminar no credenciamento da IES e no reconhecimento de seus cursos”. Mesmo tendo esquematizado todo um sistema de avaliação, Barbosa reconhece que o MEC ainda não tem definição sobre como ficará a situação dos alunos caso, após os três anos de avaliação, as instituições não tenham efetivado o seu credenciamento. “Não temos nada definido nesse nível de detalhamento. É claro que haverá um processo de transição e será encontrada uma solução para o problemática dos alunos, que terão seus direitos resguardados. Entretanto, não é possível dizer que não haverá prejuízos”.

A universidade do século XXI

Lançado em agosto deste ano, o Sinaes apresenta as bases para uma nova proposta de avaliação da educação superior brasileira. Barbosa declarou que o documento conhecido também como “propostas para construir a universidade do século XXI”, apresenta uma série de novidades, se comparado ao plano do governo anterior.

Madalena Peixoto frisou alguns pontos do documento, que, segundo ela, representam um avanço em relação ao modelo passado. “A nova proposta que está sendo veiculada pelo Inep é melhor do que o sistema anterior que incluía o provão. Este novo sistema é mais completo, pois avalia muito mais aspectos relativos às instituições. Destacaria os princípios teóricos que o norteiam, a relação entre a avaliação interna e externa, além de previsão de um processo de treinamento mais adequado das equipes de avaliadores. A nova proposta representa um grande avanço”. No entanto, Madalena acredita que o documento ainda apresenta algumas limitações. “Quando pensamos em aplicá-lo com eficácia do ponto de vista de uma real avaliação de qualidade no ensino superior privado, ainda temos uma proposta limitada. É preciso que seja desenvolvido um projeto no sentido de promover o aprimoramento desta proposta do governo”.

Para a deputada federal Iara Bernardi (PT/SP), que participou do encontro com o painel O papel do Poder Legislativo na regulamentação da educação privada, há muito tempo a sociedade espera a implantação de um sistema de regulamentação que trabalhe com clareza, preocupando-se com a questão da qualidade do serviço prestado pelas instituições. “Observamos a movimentação de entidades como OAB e sindicatos dos médicos preocupados com a qualidade do ensino de algumas universidades, em função da formação dos profissionais destas duas áreas”.

Expansão desordenada
A necessidade de aprimorar os sistemas de avaliação e regulamentação do ensino superior se deve também ao processo de expansão das IES durante a década de 90. Nos últimos cinco anos, foram abertos 1.490 cursos por ano e 124 ao mês, em média. Dos quatro cursos que surgem por dia, três pertencem ao ensino privado. Os dados divulgados em outubro pelo MEC fazem parte do Censo da Educação Superior 2002 e demonstram um crescimento do ensino superior: de 6.950 cursos de graduação no Brasil em 1998 para 14.399 em 2002. Madalena Guasco Peixoto, da Contee, acredita que a expansão do ensino superior da década de 90 para cá resulta de um processo desordenado. “Essa expansão não tem sido realizada tendo como referência um projeto político de expansão relacionado a um projeto de desenvolvimento para o país. A expansão privilegiou a abertura de instituições apenas de ensino, sem o comprometimento com a pesquisa, o que põe em risco a qualidade desse processo em instituições isoladas e integradas em cursos de pouco investimento e de grande procura, além dos de curta duração”, declarou a Coordenadora da Contee. Além disso, na opinião de Madalena, esta expansão rebaixou o papel da graduação. “E não tem se responsabilizado com a qualidade dos profissionais que está formando. O controle de qualidade desta expansão não está sendo feita”. De acordo com o presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep), Luiz Araújo, o crescimento da educação superior ocorreu nos últimos anos sem os padrões de qualidade desejáveis. “Foi uma expansão privada que se esgota em si, pois está condicionada à renda da população. Nas regiões mais pobres, que mais precisam, não houve aumento de acesso à educação superior”. Para Sérgio Barbosa, do MEC, o crescimento é preocupante por estar se realizando sem critérios. “Me preocupa principalmente a questão da qualidade e neste ponto o papel do Sinaes é de vital importância, por representar um sistema mais completo de avaliação, que observará também a questão da diversidade deste processo de expansão”. Para ele, a justificativa desse boom seria em primeiro lugar uma resposta a uma demanda reprimida. “Cresceu o número de estudantes egressos do ensino médio e também o interesse destes estudantes em chegar à universidade. Junte-se a isso a exigência cada vez maior do mercado para uma maior qualificação dos jovens”. A deputada Iara Bernardi é contundente ao afirmar que a abertura indiscriminada das universidades se deve à medida adotada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em congelar as verbas para as universidades públicas. “Assim, se abriu espaço para o surgimento de universidades privadas de forma descontrolada e de qualidade duvidosa”, declarou.

OMC entra no debate

Sobre a inclusão da educação superior na pauta da Organização Mundial de Comércio (OMC), Madalena acredita que a medida trará problemas não só no que diz respeito ao compromisso com a educação, mas principalmente a colocará a serviço dos interesses financeiros internacionais. “Será regida pelas regras do comércio internacional e pelas normas da OMC e não mais estará ligada aos interesses nacionais ou regida pelas leis do país. Além disso, trará problemas quanto ao compromisso com a educação”. Para Paulo Sérgio Franco, a educação superior não vai se expandir só com recursos públicos. Segundo o plano de metas do governo para a educação 30% dos alunos elegíveis deverão estar matriculados na educação superior até 2010. “O sistema público não dá conta precisa de capital privado, mas também necessita da educação com qualidade, o que evidencia a necessidade de um sistema de avaliação consistente como o Sinaes e que o Estado cuide muito bem da avaliação, para formar de maneira completa instituições públicas e privadas”.

Muito além do provão

“O sistema de avaliação das instituições de ensino superior privado no Brasil está hoje muito centrado no Provão. O objetivo do governo com a criação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) é ampliar esse foco, com a implementação de instrumentos mais completos e integrados para a realização de uma avaliação mais precisa”. A declaração do Assessor do MEC, Paulo Sérgio Franco Barbosa, resume um dos principais objetivos do Sistema, documento elaborado pela Comissão Especial de Avaliação, vinculada ao MEC. Segundo ele, o aprimoramento dos sistemas de avaliação do ensino superior será realizado tendo como enfoque central a instituição universitária, sem desconsiderar os cursos. “O modelo sugerido leva em conta os pilares que sustentam as IES e que influenciam diretamente na formação do indivíduo, nos cursos ofertados, nos departamentos, nos programas e nas atividades de ensino, pesquisa, extensão e administração”. Para o especialista, só o provão não é suficiente, ele é apenas uma dimensão do processo de avaliação. Além disso, os conceitos que resultam desse método não expressam a real qualidade dos cursos, gerando muitas vezes desinformação. “Tais resultados também dependem da postura do avaliado, o que impede, por exemplo, em caso de boicote ou de premiação, a mesuração da realidade”.

Conforme Barbosa, a grande novidade do documento está no fato de que será feita uma avaliação mais direcionada às questões institucionais. “Pretendemos ver o todo da instituição para depois ver as partes. Em nível macro, será avaliado, por exemplo, o plano de desenvolvimento institucional, junto com as políticas educacionais, os planos e intenções da instituição, o projeto pedagógico de cada curso. É preciso analisar se a instituição tem plano de carreira para os professores, planos de capacitação docente, se está realmente comprometida com a sua função social, que é de educar, ou se apenas existe por modismo, criada na onda do mercado”. A partir dos critérios de qualidade estabelecidos pelo Sinaes, o MEC na sua atividade de supervisão, poderá informar à sociedade como se encontram as instituições, as áreas de formação, as carreiras e os cursos, com a sua respectiva formação. Além disso, o documento traz muitos componentes de caráter informativo sobre como anda a educação no Brasil, as variáveis demográficas, o cadastro das instituições superiores, os aspectos legais para reconhecimento e cadastramento. Segundo Barbosa, o governo pretende articular ainda mais o processo de avaliação com a questão regulatória, com uma articulação maior entre o Inep e a Secretaria de Ensino Superior do MEC, garantindo que os resultados possam ser sólidos e construídos de maneira justa.

Encontro

Foto: René Cabrales

Foto: René Cabrales

Avaliação institucional em duas vias
Os instrumentos de avaliação adotados pelo Sinaes são a Auto-avaliação Institucional, uma etapa preparatória para a avaliação externa, realizada permanentemente. O processo integrará professores, alunos e demais profissionais da instituição com base em um roteiro mínimo, que será elaborado pela Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (Conaes) e que deverá ser seguido por todas as IES. Trata-se de uma avaliação Institucional Externa, que será realizada por uma comissão de avaliadores, com competência técnica em avaliação, especialmente capacitada pela Conaes. O seu objetivo será avaliar a instituição e verificar, in loco, a cada três anos, se a IES fez a auto-avaliação seguindo o roteiro mínimo estabelecido e de acordo com os princípios definidos pela Conaes. Dependendo da natureza ou do tamanho da instituição, a comissão fará a análise e a avaliação tanto da instituição quanto dos cursos. Barbosa cita ainda a Avaliação das Condições de Ensino (ACE), que seria aplicada aos cursos nos casos em que a comissão de avaliação institucional julgar necessária uma verificação in loco. A ACE também subsidiaria os processos de reconhecimento de cursos novos. O reconhecimento aconteceria após três anos da autorização para funcionamento e coincidiria com o credenciamento da nova instituição. Os cursos novos de IES credenciadas deveriam ser avaliados para reconhecimento antes da primeira formatura. O quarto instrumento de avaliação seria o Processo de Avaliação Integrada do Desenvolvimento Educacional e da Inovação da Área (Paideia). Esse instrumento subsidiaria a auto-avaliação e a avaliação externa e teria uma prova aplicada, por amostragem, aos alunos, no meio e no final do curso. Os cursos seriam distribuídos em quatro grandes áreas: ciências humanas, exatas, tecnológicas e biológicas e da saúde.

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