Para onde vai a Unisinos?
Às vésperas do recesso de julho, pelo menos 48 professores da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) foram informados de que a Universidade já não tinha mais interesse em mantê-los no quadro funcional. Essas demissões, não por acaso, ocorrem em um momento de mudanças internas. Quando observadas dentro de um conjunto de ações implementadas pela reitoria nos últimos tempos, são interpretadas por alguns como corajosas e necessárias e por outros como arbitrárias e equivocadas, mas é senso comum que se trata de uma profunda cisão com os modelos adotados anteriormente; ou seja, a Unisinos resolveu mudar o seu foco de atuação, voltando-se cada vez mais para a pós-graduação e para o atendimento de um número menor de alunos, praticamente a metade dos 34 mil estudantes que a universidade já teve. Ao mesmo tempo, pretende redirecionar o setor de pesquisas e seu papel na comunidade.
O que lamento profundamente é ter sido pego de surpresa. Sem entrar no mérito da questão, acho que a Universidade poderia ter preparado melhor as pessoas e inclusive incluído os docentes no debate anterior acerca destas mudanças que estão ocorrendo, até mesmo para que fossem se preparando. Até agora ninguém sabe quais critérios foram utilizados”, desabafa o ex-professor das áreas de Letras e Filosofia da Unisinos, Roque Reinaldo Brand, 63 anos de idade e 35 de casa. Ele foi um dos demitidos e afirma que a atmosfera entre os que permanecem na Universidade é de insegurança e medo, principalmente devido à forma fria como as coisas foram conduzidas. Conforme seu relato, os professores foram reunidos em grupos de 8 a 10 e transportados em uma van até o sindicato para realização das rescisões. “Foi um pouco desumano. Era como ir para um matadouro”, descreve. Ele também registra que colegas seus entraram em colapso nervoso e houve, inclusive, um caso de internação por problemas cardíacos devido ao choque da notícia inesperada. Brand, assim como a grande maioria dos demissionários, cabia em um perfil de docente que atuava há muitos anos na Unisinos e com bastante carga-horária. Ele próprio lecionava lá desde 1970. Faltavam apenas dois anos para ter direito a sua aposentadoria complementar e estava em fase de conclusão de um mestrado no qual ingressou por pedido da própria Universidade, segundo alega.
O Padre Pedro Gilberto Gomes, pró-reitor acadêmico da Unisinos, alega que as mudanças não caíram de pára-quedas sobre a Instituição, mas são fruto de um processo de planejamento implementado há pelo menos 10 anos. A verdade é que desde o início da década de 1990, a Unisinos vem implementando uma série de mudanças internas e na sua relação com a comunidade da região, mudanças que não cessam de surpreender a sua comunidade acadêmica. O Padre Gomes explica a lógica e as necessidades que alimentam o processo de mudanças na universidade. “A Unisinos vem passando por um processo de planejamento estratégico há mais de 10 anos, procurando se adequar a uma nova realidade. Nesse período, obtivemos uma série de conquistas, como a construção de um plano de carreira e de um plano de capacitação de nossos professores que nos levou a saltar de um quadro com cerca de 80% de especialistas e graduados para mais de 80% de professores com mestrado e doutorado nos últimos 12 anos. Saltamos também de quatro cursos de mestrado em 1994 para 13 cursos de pós-graduação em 2004 (entre eles, cinco doutorados).” Esses resultados, segundo o pró-reitor acadêmico da Instituição, são fruto do desenvolvimento de um novo conceito de universidade, baseado em um diagnóstico de que era preciso mudar profundamente a estrutura operacional.
Em reunião com os diretores do Sindicato dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul (Sinpro/RS), no dia 14 de julho, representantes da Reitoria da Unisinos reafirmaram a mudança estratégica da instituição, com vistas a conciliar a sustentabilidade e a excelência acadêmica da Universidade, e asseguraram que o grande número de demissões não vão mais ocorrer no próximo período. Na ocasião, a direção do Sinpro/RS solicitou à reitoria que, em face da proximidade do tempo limite para a aquisição da complementação da aposentadoria, a universidade liberasse integralmente o fundo constituído para todos os professores demitidos.
Estrutura matricial na gestão
Uma das principais mudanças foi a adoção da estrutura matricial na gestão da universidade, prática tomada de empréstimo de técnicas de gestão empresarial. O Padre Gomes explica assim os objetivos da adoção desse método: “chegamos à conclusão de que era preciso superar a estrutura dos centros em função da necessidade de dotar a instituição de uma maior agilidade, com menos estruturas burocráticas e maior autonomia para os diretores dos cursos”. O pró-reitor de Desenvolvimento da Unisinos, Ludger Teodoro Herzog, justifica essa necessidade de mudança, lembrando as profundas alterações no cenário universitário brasileiro. “Há uma série de condicionamentos externos que nos impulsionaram na direção dessas mudanças. O cenário da educação está mudando muito rapidamente no Brasil, e essas transformações exigem de nós respostas rápidas, o que implica, entre outras coisas, quebrar alguns paradigmas para dotar a instituição de uma maior flexibilidade e de uma capacidade de resposta mais ágil às mudanças externas.”
Entre essas mudanças, Herzog enfatiza a proliferação da oferta de ensino superior nos últimos anos, principalmente a partir de 1988, quando se abriu o ensino ao mundo dos negócios. “Entraram em cena novos atores, entre eles pequenas instituições oferecendo uma formação profissional muito específica com um custo muito inferior ao de uma universidade com a estrutura da Unisinos, que vem investindo, por exemplo, na construção de uma das melhores bibliotecas do país. Essas pequenas instituições atendem a demandas muito mais específicas, com uma estrutura muito inferior à nossa. Muitas delas não têm os encargos, estruturas e exigências que universidades como a Unisinos têm, o que acaba se refletindo no custo final. Em função desses fatores, fomos levados a buscar novas formas de fazer, novas formas de gerir a universidade, considerando que não temos recursos adicionais além das matrículas pagas pelos nossos alunos.”
Programas de Aprendizagem
Outra mudança importante, ainda em caráter experimental, consiste na adoção dos chamados Programas de Aprendizagem, método que pretende valorizar a construção transdisciplinar do conhecimento, através do ensino de competências específicas. Os Programas de Aprendizagem substituem o atual modelo de disciplinas e já estão sendo utilizados por quatro cursos da universidade (Comunicação Digital, Administração, Informática e Gastronomia). Eles serão adotados também na graduação tecnológica, lançada neste ano. Cada programa terá inicialmente 60 horas, incluindo também atividades como seminários e oficinas. O novo método pretende tornar o ensino mais dinâmico, com maior interação e atualização de conhecimentos. No próximo semestre, a Unisinos já estará oferecendo mais de 20 PAs. No momento da matrícula, o aluno poderá montar sua grade semestral de aulas, misturando programas de sua área específica com outros compartilhados. O quadro de professores dos PAs será formado por professores vindos dos cursos de pós-graduação da Unisinos.
Demissões causaram mal-estar
A direção da Adunisinos vê como motivo de preocupação as mais de 40 demissões (às vésperas do recesso de julho) anunciadas pela universidade, que provocaram mal-estar e insegurança no corpo de professores. Segundo a Adunisinos, foram demitidos inclusive professores com contratos de tempo contínuo (pesquisadores com mestrado e doutorado), alguns em fase de conclusão de mestrado, que haviam iniciado por solicitação da própria universidade. Sobre essas demissões, a Unisinos alega motivações administrativas e de redirecionamento de pesquisas. Outro ponto de divergência gira em torno da resolução interna da universidade que impõe aposentadoria compulsória aos 65 anos de idade para professores e funcionários, cabendo à reitoria analisar cada caso e, eventualmente, optar pela manutenção do profissional. Essa resolução, na avaliação da Adunisinos, é discriminatória. “Quem pode afirmar que aos 65 anos um professor ou funcionário não está mais em condições de trabalhar?”, indaga o professor Ângelo Dal Cin.
Ludger Teodoro Herzog admite que as mudanças requerem uma mudança de cultura dentro da comunidade acadêmica e que é natural que surjam resistências, dúvidas e críticas. “Ainda estamos vivendo um período em que há alguma ansiedade, rescaldo, um período que exige maior compreensão. Precisamos aperfeiçoar nosso trabalho de comunicação, com o objetivo de clarificar melhor os conceitos e idéias que impulsionam esse processo.”
O diretor Sinpro/RS, Marcos Fuhr, diz que o Sindicato está acompanhando com muita atenção o processo de mudanças na Unisinos e tem especialmente preocupação com a demissão de professores. Para Fuhr, a Unisinos tem uma tradição de inovação na gestão acadêmica, mas alerta que processos radicais de mudança precisam vir acompanhados de um amplo debate interno com a comunidade acadêmica. A profundidade deste debate, defende Führ, deve ser proporcional àquela das mudanças. “Até porque os freqüentes sobressaltos são incompatíveis com a natureza do ambiente universitário – espaço de investigação e busca de novos conhecimentos.”
Adunisinos vê mudanças com preocupação
As mudanças são vistas com preocupação pela direção da Associação dos Docentes da Unisinos (Adunisinos). Segundo o presidente da entidade, Ângelo Dal Cin, a reestruturação está baseada em princípios característicos do liberalismo, retirados de modos de gestão empresarial e que pecam pela falta de transparência e pela valorização excessiva das necessidades do mercado em detrimento da vida acadêmica. “Quando no início da década de 1990, através de uma consultoria externa, inicia o planejamento estratégico, importante instrumento utilizado pelas empresas do final do século XX, na Unisinos já aparecia o primeiro impasse, ou seja, muitos professores e funcionários reunidos em infindáveis horas de trabalho, analisando os cenários existentes, aspectos tanto positivos quanto negativos, e possíveis futuros cenários, apresentaram suas sugestões. Porém, de repente apareceu um documento que substituía quase tudo o que havia sido preconizado pelo grupo de trabalho.”
A Adunisinos sustenta que a entidade mostrou-se interessada em participar do processo de planejamento estratégico, mas a reitoria teria impossibilitado a participação da entidade como tal, abrindo espaço apenas para participações individuais. Ao fazer isso, diz Dal Cin, revelou-se o “caráter ideológico” das mudanças, que não admitiriam “uma organização dos trabalhadores que, por natureza, representa alguns interesses contraditórios aos interesses empresariais”. A partir daí, a Unisinos extinguiu os departamentos, provocando, na avaliação da Adunisnos, um processo de centralização do poder. “O documento da entidade observa que foi extinta a única eleição que havia, embora com lista quíntupla, para chefe de departamento. Mais recentemente, em 2003, ao adotar a forma matricial de gerenciamento, os centros foram extintos e os professores e funcionários ficaram à mercê de uma administração cada vez mais vertical, em que os colaboradores ficaram mais distantes do poder”, acrescenta.
“ A condição de desrespeito aos docentes pode ser exemplificada com uma declaração aberta durante uma reunião com os professores em que o representante da reitoria dizia haver muitos cupins dentro da Universidade”, relata Ângelo. “E pior, tratava-se de uma reunião justamente para explicar as mudanças e comparavam pessoas que contribuíram durante muitos anos para a formação da Unisinos e acabaram sendo descartadas”, lamenta.
O Padre José Ivo Follmann, da Coordenadoria de Ação Social e Filantropia, que, embora não faça parte do grupo administrativo, atua na casa desde 1973, lamenta o prejuízo humano causado pelas demissões, mas vê as medidas como necessárias. “Se essas mudanças não fossem implementadas agora – inclusive as demissões –, enquanto a Universidade possui saúde financeira, certamente teriam de ser feitas no futuro, talvez em situação de precariedade. Não podemos nos dar ao luxo de alimentar uma estrutura que emperra o funcionamento da Instituição”, argumenta. “Agora, é preciso ter em mente que ninguém está livre de cometer erros, e, caso ocorram, devem ser revistos. Infelizmente essas alterações desestabilizam um grande número de pessoas e isso vem desde a extinção dos departamentos, mas isso é inevitável”, diz.