EDUCAÇÃO

Escola atende alunos do ensino fundamental sem autorização

Stela Rosa / Publicado em 15 de outubro de 2004

Denúncias de irregularidades no curso de Educação de Jovens e Adultos (EJA) do Colégio Gandhi, em Santa Maria, franquia da Rede Cipel, foram encaminhadas ao Sinpro/RS e investigadas pelo jornal Extra Classe. Os principais aspectos levantados por professores e pais dizem respeito à inobservância de aspectos legais para a certificação, à falta de qualidade do ensino e ao desrespeito à legislação trabalhista. Destaca-se nos inúmeros relatos que estudantes sem o ensino fundamental concluído eram matriculados em turmas da EJA do ensino médio. O Extra Classe verificou a situação legal da escola junto à 8ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), da Secretaria Estadual de Educação (SEC), onde a supervisora escolar Soelia da Fonseca informou que a escola não tem o ensino fundamental autorizado e pelas normas legais não é permitido que instituições ministrem aulas para séries nas quais não estão credenciadas.

Mesmo sem a autorização do Conselho Estadual de Educação (CEED) para oferta de ensino fundamental, o Colégio Gandhi/Cipel recebeu um grupo de alunos para esse nível. Lúcia Regina Szekut, coordenadora pedagógica da Rede Cipel e do Colégio Gandhi, admite o fato e afirma que a escola agiu legalmente, pois o regimento escolar, aprovado pelo CEED, permite à escola classificar os alunos e encaminhá-los por meio de avaliação do histórico escolar e do processo classificatório.

Originalmente o CEED autorizou o funcionamento de escola de ensino médio para a unidade da rede Cipel, em Bagé, hoje desativada. Posteriormente, sem ter aberto nenhuma turma, mas já tendo passado pelo processo de fiscalização da Secretaria Estadual de Educação (SEC), foi requerida pela mantenedora (Cipel Ltda.) a mudança de sede para Santa Maria, onde mais tarde passou a se chamar Colégio Gandhi, mudando de mantenedora para Associação Educacional Galileu Galilei. Lúcia Szekut alega não haver nenhum vínculo formal entre o Colégio Gandhi e a rede Cipel, além do uso da marca e do projeto pedagógico. Mas, de fato, tanto na fachada da escola como no site www.redecipel.com.br a unidade de Santa Maria consta como franqueada e parte da rede. O que nossa reportagem constatou é que, embora os meandros burocráticos estejam dentro da legalidade, na prática, tanto o CEED como a SEC vistoriaram e credenciaram uma escola, em Bagé – cujos prédios estavam de acordo com o Parecer CEED 580 / 2000 (leia na íntegra no site: www.ceed.rs.gov.br/ceed/dados/usr/html/pareceres
/parecer_2000/pare_580.doc
), que faz, também, exigências de infra-estrutura predial – e a que está em funcionamento é outra, inclusive em cidade diferente, Santa Maria.

Em Santa Maria, ironicamente a escola passou a funcionar em um prédio que já tinha sido supermercado. Na entrada, há um grande hall onde funciona a parte comercial da escola, com mesas para recepcionar os clientes e balcão para informações. Logo após, foram feitas as salas de aula, biblioteca, saleta dos professores, banheiros e laboratório, tudo montado com finas paredes divisórias. No pátio, fica o bar e restos de madeiras jogados num canto. No piso de cima, funciona a parte administrativa. Nara Regina Nunes, professora de didática na UFSM, que ministrou aula de história na escola, denuncia a precariedade das instalações e da biblioteca, que não atendia às necessidades. “Não tinha um mapa para usar. Eu cheguei até mesmo a doar livros. Boa parte das coisas não está correta, a mobília, a acústica, a própria localização da escola”, ela conta. Mesmo assim, a 8ª CRE certificou que as instalações atendem às exigências. Critérios como piso emborrachado, banheiros e salas com bom aspecto foram considerados suficientes para o credenciamento da escola de acordo com Soelia da Fonseca, da 8ª CRE. “Há escolas muito piores”, comenta.

O presidente da Comissão do Ensino Médio do CEED, Renato Raul Moreira, explica que o conselho fiscaliza quando credencia a instituição, mas nos casos de mudança de sede a responsabilidade é da SEC e dos CREs. “São as coordenadorias que dão o termo de permissão.”

Com oito unidades em várias cidades do estado, incluindo o colégio Gandhi, a Cipel também oferece cursos técnicos em diversas áreas, entre eles mamografia e radiologia. A rede também está ofertando grande quantidade de cursos de pós-graduação lato sensu. Professores e alunos que não quiseram se identificar informaram que também há irregularidades nos demais cursos ofertados em Santa Maria e nas outras unidades da rede. Tanto o CEED como a 8ª CRE alegam que, para fiscalizar, é necessário que as denúncias sejam feitas nos órgãos competentes SEC (51 32121688) e CEED (51 3286 2759).

Situações concretas na escola

A professora de história Janete Schirmer, por exemplo, chegou a ter alunos de 5ª série nas turmas da EJA médio nos anos de 2003 e 2004. “Como ensinar as grandes navegações, por exemplo, para quem não sabia o contexto anterior e, ainda, na mesma sala com os que estavam carecas de ouvir o tema?”, questiona. Durante as aulas, os estudantes comentavam que precisavam vir à escola aos sábados para concluir o ensino fundamental e fazer provas. Alguns sequer podiam participar porque trabalhavam, como o caso de um estudante que, além disso, morava em outra cidade. Nem mesmo a freqüência era cobrada, pois independentemente de comparecer ou não a essas aulas, “os alunos eram aprovados”, afirma Schirmer. Um detalhe, muitas das denúncias de professores, que preferiram não se identificar, diziam respeito à pressão exercida pela direção da escola em facilitar a aprovação de alunos, principalmente nos cursos técnicos.

Geci Lopes, professora de língua portuguesa, que ministrou aulas para os alunos do ensino fundamental aos sábados, diz que a heterogeneidade das turmas colocava em risco a viabilidade do trabalho. “Ficava complicado porque o aluno do fundamental não tem os pré-requisitos necessários. O que ainda podia gerar um certo problema psicológico, porque ele não acompanhava e caía no pavor de que não conseguiria aprender”, lamenta Geci.

O aluno Henrique Frota foi um dos que ingressou na Cipel sem ter concluído o ensino fundamental. Aluno de Geci Lopes, enfrentava dificuldades principalmente em português e matemática. A mãe, Cacilda de Freitas Bitencourt, conta que ele se matriculou e já começou a estudar direto no “segundo grau”. Os conteúdos eram retomados com atividades realizadas em casa. “Muitos dos trabalhos eram feitos por colegas. Ele não conseguia, não sabia”, recorda. Ela afirma que a escola teria dado a certificação se ele tivesse feito todos os trabalhos, mas Henrique acabou desistindo.

Demissões e contratos irregulares
Tanto Geci Lopes como Janete Schirmer concluíram turmas da EJA em abril de 2004, quando a direção pediu a disponibilidade dos seus horários. De abril até agosto, quando foi formalizada a rescisão dos contratos, não receberam suas turmas nem salários. Janete Schirmer, pós-graduada pela Unifranca, denuncia que direitos como adicional noturno e aprimoramento acadêmico não eram pagos, além de sofrerem redução de carga-horária diária em uma hora, inclusive dos alunos.

A carteira de Geci Lopes, pós-graduada em língua portuguesa na UFSM, foi assinada depois de cinco meses de trabalho. Lúcia Szekut afirma que o atraso no pagamento das rescisões foi devido a dificuldades financeiras da empresa. Sobre as demissões, alega redução do número de alunos. “Atualmente a escola está com 60 alunos da EJA. Diminuíram as turmas”, informa. Reconhece que há alguns problemas administrativos, mas nega redução de tempo e garante que a Cipel sempre pagou todos os direitos.
De acordo com a diretora do Sinpro/RS Cecília Bujes, chegam muitas denúncias sobre as escolas da Rede Cipel ao Sindicato. Pais, professores e alunos têm lamentado a forma como se desenvolve o trabalho pedagógico e reclamam da falta de profundidade na abordagem dos componentes curriculares e o tipo de avaliação que, segundo informam, desenvolve-se na forma de trabalhos feitos em casa.

“Os professores, por sua vez, têm apontado uma série de irregularidades quanto aos seus contratos de trabalho. Por esse motivo, o Sinpro/RS ajuizou ação coletiva contra a escola da rede em Santa Rosa em que reivindica pagamento do piso salarial da categoria, de multas por atraso de salários, de adicional noturno, de parcelas do 13º salário; prazo para pagamento de salário; anotação do contrato de trabalho na CTPS e intervalo para descanso”, informa Cecília. O julgamento dessa ação será ainda neste mês de outubro. Também em Cachoeira do Sul foi impetrada ação coletiva contra a escola da Rede. Para Marcos Fuhr, dirigente do Sinpro/RS, as escolas Cipel são um caso emblemático, pois fazem parte de um fenômeno que tem sido destacado pelo Sindicato já há algum tempo. “Em geral, as escolas que não cumprem a legislação trabalhista são as mesmas que descumprem a legislação educacional ou apresentam problemas de caráter pedagógico”, conclui.

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