EDUCAÇÃO

Urcamp não será encampada pelo MEC

Paulo César Teixeira / Publicado em 5 de julho de 2005

Motivo de intensa mobilização social na Metade Sul do Estado, desde março, a proposta de federalização da Universidade da Região da Campanha (Urcamp) está imersa num mar de incertezas e questionamentos. Não faltam dúvidas para pautar o debate: qual o formato jurídico da instituição que sucederá a Urcamp? Quem serão seus docentes? Os atuais professores da Universidade manterão seus empregos? Como se dará o processo de transição da Instituição da iniciativa privada para o setor público? Quem ficará responsável pelo pagamento dos salários atrasados e pelos encargos sociais que não foram depositados?

Ao conceder audiência à comissão multicampi, for mada por 20 professores da Urcamp e a direção do Sinpro/RS, em Porto Alegre, no dia 2 de julho, o ministro da Educação, Tarso Genro, esclareceu que não está em cogitação a encampação da Universidade pelo poder público. “Trata-se, isto sim, de expandir as vagas da Educação Superior pública na Metade Sul para atender uma demanda da região, e não de federalização de uma instituição específica”, afirmou Tarso. O ministro adiantou que, a partir de 2006, oito novos cursos universitários serão dis-ponibilizados através de extensões das universidades federais de Pelotas e Santa Maria, na região da Campanha e Fronteira Oeste.

Na reunião realizada na sede estadual do Sinpro/RS, Tarso reiterou a intenção de “incorporar” a Urcamp no processo de expansão de vagas públicas na Metade Sul. Entretanto, para que isso ocorra, observou que a Instituição terá que cumprir pré-requisitos, entre eles, uma mudança estatutária que reflita a alteração de suas relações internas de poder. “O conselho administrativo da Urcamp precisará ter maioria pública, com participação de representantes do poder público local, do MEC, da comunidade e dos professores”, disse Tarso. Segundo ele, a mudança do estatuto deve acontecer no segundo semestre do ano e já conta com o consentimento prévio da direção da Universidade (leia entrevista do ministro).

Conforme Amarildo Cenci, diretor do Sinpro/RS, o papel do Sindicato será o de estimular a organização dos professores para que tenham efetiva participação no processo de transformação da Urcamp. “Por sugestão do próprio ministro da Educação, constituímos um Grupo de Trabalho, formado por docentes da Universidade e a direção do Sinpro/RS, que acompanhará as tratativas entre o MEC e a comissão pró-federalização e discutirá, desde já, a alteração estatutária da instituição”, afirma Cenci.

Professores exigem garantia de seus direitos

Sem receber até agora nenhuma garantia de preservação de seus direitos, os professores da Urcamp estão mobilizados e atentos ao desdobramento da crise da Urcamp. Em 11 de junho, a comissão multicampi indicada por assembléias dos docentes reuniu-se, em São Gabriel, com a diretoria do Sinpro/RS. Na reunião, ficou consolidado o entendimento de que o Sinpro/RS é o legítimo representante dos professores, seja qual for o desdobramento da questão.

No que diz respeito aos atrasos salariais, os professores da Urcamp decidiram intensificar a ação jurídica, através do Sinpro/RS, no sentido de minorar os prejuízos da categoria. Até 15 de junho, os docentes do campus de Bagé não haviam recebido 50% dos salários de março e nem a totalidade dos vencimentos de abril e maio. Em Dom Pedrito, Santana do Livramento e Alegrete, os atrasos variavam entre 50% e 30% dos salários de maio. Na reunião de São Gabriel, os professores decidiram ainda rejeitar a proposta da reitoria da Urcamp, que pretende reduzir em 30% os salários dos docentes de Bagé e, nos demais campi, não aplicar os 5,91% de reajuste da data-base da categoria, recentemente negociado com o sindicato patronal.

Outra preocupação dos professores é ter acesso a informações que possam traduzir com transparência a real situação financeira da Universidade, até mesmo para poder avaliar qualquer proposta que implique a alteração de seus contratos. Na primeira quinzena de maio, a Patrimonial Assessoria Contábil – após solicitação do Sinpro/RS – formulou um roteiro de quesitos, encaminhado à reitoria no dia 17 daquele mês, a fim de apresentar um diagnóstico da Instituição aos professores. Entretanto, a reitoria recusou-se a atender à solicitação, alegando que as informações “pertencem ao âmbito da autonomia e independência de nossa gestão administrativa”, não havendo, assim, razão para serem fornecidas.

Norte do Estado também quer universidade federal

Com o debate público acerca da federalização da Urcamp, outras comunidades passam a reivindicar a implantação de universidades federais. É o caso do noroeste do Estado, onde o movimento é liderado pelo vereador João Pedro Fagundes (PT), de Ijuí. “Não vamos deixar por menos. Há 20 anos reivindicamos a criação de uma universidade pública e gratuita, que possa bloquear a evasão da juventude causada pelo empobrecimento e pela falta de acesso à Educação Superior em nossa região”, afirma ele.

Conforme Fagundes, “a Metade Norte tem 4 milhões de habitantes e nenhuma universidade federal, enquanto a Metade Sul já conta com três instituições federais (em Pelotas, Rio Grande e Santa Maria). Se essa universidade vier, tem que ser para cá”, diz o vereador.

O reitor da Unijuí, Gilmar Antonio Bedin, entende que o tema da federalização é relevante, mas ressalta que “uma proposta como esta, se mal interpretada, pode desorganizar as instituições existentes”. Como alternativa para a ampliação do acesso à Educação Superior, Bedin propõe a federalização de alguns cursos, mediante convênio entre o governo federal e as universidades comunitárias. “Este talvez seja o caminho mais rápido e mais adequado. As comunitárias têm estrutura qualificada e relação estreita com as comunidades. Talvez a grande questão não esteja em mudar sua natureza jurídica, mas sim constituir políticas públicas de educação, garantindo a presença de parceiros estratégicos, a exemplo do governo federal.”

Comunitárias pedem apoio desconcentrado

O presidente do Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung), Alencar Proença, entende que seria “mais justo e mais social” que a União investisse no conjunto das instituições comunitárias, em vez de destinar recursos específicos para a Urcamp. “Dessa forma, atenderia um universo de 300 mil alunos no Estado, em lugar de contemplar apenas 8,3 mil estudantes”, sustenta Proença, que é reitor da Universidade Católica de Pelotas.

Ele destaca que, do ponto de vista geográfico, a Metade Sul não é a mais necessitada de uma universidade federal. “Acima de Porto Alegre, não existe uma só instituição federal no Estado.” Quanto ao argumento de que a região Sul enfrenta grave processo de empobrecimento, ele rebate: “No Brasil, existem regiões extremamente pobres, principalmente no Norte e Nordeste, onde não há universidades federais”. O presidente do Comung adverte que, “se a moda pegar, quem tiver dificuldades financeiras vai querer ser federalizado. Neste caso, vai faltar verba pública”.

Ele ressalta que, até o momento, o Comung não foi chamado para participar do debate acerca do futuro da Urcamp, embora a Universidade faça parte da entidade. “Não fomos consultados, não fomos ouvidos. O tema não chegou até nós, nem por iniciativa do MEC, nem da Urcamp, que não nos pediu apoio.”

Futuro da Instituição está em aberto

Em entrevista ao Extra Classe, o ministro da Educação afirma que a estatização da Urcamp está fora de cogitação e explica as alternativas estudadas pelo MEC para definir o futuro da Universidade.

Extra Classe – Quantas novas vagas a União pretende abrir para a Educação Superior pública?
Tarso Genro – Temos um programa de expansão em pleno andamento, que já garantiu a criação de três novas universidades e mais de dez extensões de campi no país. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva autorizou o início dos trabalhos para que tenhamos mais 21 extensões. Com isso, estaremos criando cerca de 350 mil novas vagas.

Extra Classe – De que forma a Urcamp se vincula ao programa de expansão de vagas?
Tarso – O programa não tem como objetivo resolver o problema da Urcamp, e sim oferecer vagas públicas de Educação Superior para comunidades que delas estão necessitadas, como é o caso da Metade Sul. Entretanto, pode haver vínculo se levarmos em conta que a Urcamp é uma instituição com ativo importante, que tem estrutura material e experiência no Ensino Superior. Então, as coisas podem ser combinadas.

Extra Classe – Quais as condições para que a Urcamp seja incorporada ao programa de aumento de vagas?
Tarso – O requisito que nós temos para que a Urcamp seja aproveitada nesse programa – e que, inclusive, já relatamos à direção da Universidade – é o de que o conselho administrativo tenha maioria pública. Se a Urcamp não fizer a mudança estatutária, não há como a União ajudá-la. Só podemos ajudar com uma engenharia nova, que seja formulada com a colaboração dos trabalhadores, professores e comunidade. Aí, sim, será possível criarmos algo novo.

Extra Classe – Qual é a possibilidade de estatização da Urcamp?
Tarso – Todos nós sabemos que não existe possibilidade jurídica de encampação ou estatização, principalmente sendo uma fundação. Se fosse empresa privada, ainda haveria a hipótese de a União desapropriar as ações, o que não é o caso.

Extra Classe – Então, qual será o futuro da Urcamp?
Tarso – É uma questão em aberto. Estamos trabalhando com três possibilidades. A primeira é a absorção progressiva da Urcamp pela União. A segunda é a criação de uma relação consorciada atípica através de convênios, que não estaria baseada na Lei Federal 11.107 (Lei dos Consórcios Públicos Privados). Neste caso, uma estrutura federal se articularia com a estrutura fundacional, que teria maioria pública, com a presença dos trabalhadores. A União poderia, inclusive, pagar à Urcamp para que ela abrisse cursos gratuitos, como faz a Uergs em relação à Unijuí. Aí haveria o convívio das duas instituições por um período de cinco a dez anos, até que fosse definida a nova engenharia institucional. A terceira possibilidade é a formação efetiva de um consórcio público privado, o que resultaria na criação de uma nova universidade.

Extra Classe – Como fica a situação dos professores após a formação da estrutura conveniada?
Tarso – Aqui, temos um problema, que é a convivência no mesmo âmbito de dois regimes diferentes de relações trabalhistas – a CLT e o regime do servidor público. Para que não haja colisão, uma solução é a lenta expansão dos cursos federais dentro da Urcamp, com a progressiva abertura de concurso público para a contratação de novos professores. Na minha opinião, esta é uma questão que deve ser equacionada através de um processo de diálogo, engenharia política e negociação, no qual os trabalhadores da Urcamp deverão ter um papel decisivo.

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