No dia 29 de julho, o presidente Lula recebeu do já ex-ministro Tarso Genro – acompanhado de seu sucessor, Fernando Haddad – a terceira versão do anteprojeto de lei da Reforma da Educação Superior. Em 69 artigos, o anteprojeto abrange tanto a Educação Superior pública quanto privada. No centro do anteprojeto estão questões como a chamada missão pública da Educação Superior – tema que gerou polêmica por ser uma visão diferenciada daquela liberalizante, defendida no governo anterior –, a autonomia das universidades, a supervisão e regulação pelo poder público e a avaliação da qualidade. Pelo menos nove artigos do anteprojeto tratam da regulação da Educação Superior no sistema federal de ensino, definindo a função regulatória da União e prevendo mecanismos inéditos de articulação entre o processo de avaliação e o credenciamento das instituições das IES, assim como a autorização de cursos. A proposta que será encaminhada pelo governo ao Congresso enfatiza a criação de instrumentos regulatórios do sistema federal, público e privado. O mesmo conjunto de normas, segundo o MEC, pretende assegurar o fortalecimento da atuação do Conselho Nacional de Educação (CNE) e da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (Conaes), todos órgãos vinculados ao Ministério. Outra novidade é a classificação das instituições de ensino superior em públicas, comunitárias e particulares. Mas tudo ainda depende de aprovação do Congresso Nacional, ainda paralisado pela crise do mensalão e mobilizado em torno das diversas CPIs em andamento. Vale lembrar que, apesar do Projeto de Lei que foi assinado pelo presidente ter passado por uma ampla discussão com os diferentes setores interessados e afetados pela reforma, começa uma nova etapa de disputas, agora no Congresso Nacional, onde muito lobby ainda vai acontecer para que sejam feitas emendas para atender interesses diversos.
Uma questão emergiu com mais intensidade e permeou todos os outros assuntos nos debates relativos à Reforma do Ensino Superior: a suposta dicotomia entre a idéia da Educação como “bem público” e a autonomia das Instituições de Ensino Superior (IES) do setor privado. Se durante o governo anterior aconteceu uma grande flexi-bilização, favorecendo a ação das instituições privadas, a política embutida no projeto propõe padrões de exigência um pouco mais rigorosos, com maior controle do Estado, inclusive sobre o setor privado. Essas diferentes abordagens ficaram claras nas declarações públicas dos últimos três ministros da pasta da Educação. Paulo Renato Souza (PSDB) vem criticando a reforma. Para ele, o anteprojeto restringe a expansão do Ensino Superior ao criar esse conceito subjetivo de necessidade social e ao estabelecer regras mais difíceis para a criação de universidades, fazendo cair a qualidade, pois diminui o nível de competição. Para Tarso Genro, enquanto ainda era ministro, defendia a proposta, afirmando que o mercado é importante, mas tem que estar integrado, vinculado e regulamentado pelo Estado. “Onde não há regulação, há ausência de normas, e a regulação se faz apenas pela força dos setores em disputa no mercado.”
Entre os aspectos mais controvertidos está a reclassificação dos cursos lato sensu, a partir da qual as modalidades de especialização e MBA deixam de ser consideradas como pós-graduação, passando a ser denominadas “formação continuada”, tal como outros cursos de extensão e seqüenciais. Para a coordenadora da Secretaria de Educação e Formação do Sinpro/RS e conselheira do Ceed/RS, Cecília Farias, esta é uma mudança positiva, na medida em que promove uma revalori-zação dos cursos de mestrado e doutorado como pós-graduação, e até mesmo aumentará a credibi-lidade dos demais cursos de formação continuada. “Os cursos de especialização continuarão sendo oferecidos, mediante aprovação dos conselhos universitários.”
A oferta de cursos de pós-graduação assume uma dimensão ainda mais evidente diante das novas exigências de titulação do corpo docente, um aspecto bem discriminado já na versão anterior do anteprojeto. Metade dos professores deverão obrigatoriamente ser de pós-graduados, e desta, metade doutores. Sintonizado com essa possível nova demanda, o Comung (Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas) espera que sua ativa participação no processo de elaboração do documento resulte positivamente. Segundo a vice-presidente Mara Regina Rosler, “nossa expectativa é de conseguir subsídios financeiros, respaldo verdadeiro para programas específicos, tal como a formação de doutores. A questão do financiamento das universidades comunitárias, que passam a ser consideradas instituições públicas não-estatais – e a reforma passa a vê-las oficialmente desta forma –, merece ainda mais atenção. É preciso lembrar que as IES comunitárias têm tradicionalmente um compromisso de inclusão social, uma missão junto às comunidades onde estão inseridas, e são pioneiras na constituição de conselhos comunitários”.
Para Amarildo Cenci, da direção do Sinpro/RS, esse projeto de reforma é uma grande oportunidade para se discutir a real qualidade oferecida pelo setor privado no Brasil. Mas ele argumenta que em algumas questões o anteprojeto deixou a desejar. “Os prazos para que as metas sejam atingidas ainda são excessivamente elásticos e as exigências regulatórias para o setor privado ainda são muito tímidas. Mesmo assim, há mais avanços do que retrocessos”, garante. Ele chama a atenção para que os professores se mantenham mobilizados em torno da agenda de aprovação da reforma no Congresso, para que questões como plano de carreira e outras que beneficiam tanto docentes do setor público como privado permaneçam na versão final.
Autonomia e financiamento
Já o presidente da Associação dos Docentes da Ufrgs (Adufrgs), Eduardo Rolim de Oliveira, também pede atenção para a questão do financiamento das IES públicas, e ainda sua autonomia. “Atualmente não temos nem uma coisa nem outra”, afirma o professor. “Autonomia não existe, e o financiamento fica cada vez mais restrito.” Rolim acredita que para atingir a meta proposta de que até 2011 cerca de 40% das vagas de Ensino Superior sejam em instituições públicas – contra os 29% atuais – muito ainda terá que ser feito. Na verdade, o financiamento das IFEs é justamente um dos principais eixos do anteprojeto. Ele está assegurado no artigo 52, que determina que a União deve aplicar, no mínimo, 75% da receita constitucionalmente vinculada à manutenção e desenvolvimento do ensino na Educação Superior. O artigo 53 assegura que cada universidade federal terá seu orçamento global, o que, efetivamente, concretizará a autonomia universitária prevista no artigo 207 da Constituição Federal de 1988. As decorrências destas prerrogativas serão a expansão, a qualificação e a interiorização do Ensino Superior federal.
“Em relação ao que existe hoje em termos de controle sobre o setor privado, o projeto avança. Porém, em relação à primeira versão ele recuou bastante. Todo um capítulo que estabelecia exigências às mantenedoras caiu. Esse capítulo definia a relação entre mantenedora e mantida, dando maior autonomia à mantida. Por outro lado, permaneceu a proibição de franquias e a exigência de gestões democráticas, mesmo que isso ainda esteja vago, o que é positivo”, declarou Madalena Guasco Peixoto, coordenadora geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee). No final de agosto haverá uma reunião nacional dos professores privados para tratar do tema.
Para o presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Oswal-do Baptista Duarte Filho, o resultado da versão final do anteprojeto também é positiva. Ele a considera como “uma iniciativa ousada deste governo, reflexo de uma gestão democrática e participativa. O projeto representa um avanço importante em vários sentidos: na valorização e fortalecimento explícitos do sistema federal público de Ensino Superior, na consolidação da autonomia universitária e na instituição de um marco regulatório fundado na qualidade para todo o sistema de Educação Superior. No entanto, ainda restam alguns pontos a serem aperfeiçoados. A subordinação das procuradorias jurídicas continua pendente, como ponto fundamental da autonomia, bem como a questão do financiamento que garanta a qualidade e a expansão do sistema”.
PRINCIPAIS EIXOS
Educação como bem público – entendimento de que a Educação Superior deve cumprir função social.
Expansão – qualificação, expansão, interiorização das IFEs.
Regulação – maior controle e regulamentação do setor privado.
Democratização – democratização do acesso e da assistência ao estudante; acesso e permanência de alunos egressos do ensino público, especialmente afrodescendentes e indígenas. O anteprojeto fixa a oferta de, no mínimo, um terço das vagas nos cursos e matrículas de graduação noturnos e garante a gratuidade da inscrição nos processos seletivos aos candidatos de baixa renda.
Acesso e permanência – a Educação Superior deve atingir até 2011 40% de vagas públicas, e 50% até 2015.
Financiamento – ampliação da participação da União com descolamento dos recursos no orçamento que são destinados a servidores inativos e hospitais universitários do montante previsto para a Educação Superior.
Autonomia – autonomia didático-científica, de projeto acadêmico, de desenvolvimento institucional, de gestão financeira e patrimonial.
Mais regulamentação
A pró-reitora de Graduação da PUCRS, Solange Medina Ketzer, foi uma das relatoras do Fórum de Pró-Reitores de Graduação das Universidades Brasileiras (Forgrad), realizado em junho, em Brasília, com o objetivo de discutir proposições à Reforma do Ensino Superior. Para ela, também, questões como uma expansão desordenada dos cursos de Educação a Distância (EAD) sem a necessária regulamentação poderiam incorrer nos mesmos problemas gerados, por exemplo, pela proliferação de cursos de graduação caça-níqueis ocorrida na última década. As resoluções a seguir integram o documento produzido pelo encontro, apontando aspectos que, na opinião de representantes de instituições de Ensino Superior públicas e privadas, deveriam ser revisados. Dentre eles destacam-se:
1. A finalidade da Educação Superior, focada principalmente na extensão, como forma de viabilizar a relação transformadora entre universidade e sociedade, distanciando-se da idéia de indissociabilidade entre ensino, pesquisa, extensão, funções que não devem perder sua relação orgânica na universidade, tampouco serem hierarquizadas;
2. A extinção dos Cursos Seqüenciais como categoria autônoma, sem revisão de seus impactos na formação decorrente de demandas sazonais da sociedade;
3. A reiteração da idéia de formação básica nos primeiros anos do curso, desconsiderando a ineficácia de tal iniciativa no passado e contrariando os pressupostos das Diretrizes Curriculares Nacionais, que propõem uma formação teórico-prática desde o início do curso, vindo a diluir conhecimentos gerais ao longo do currículo;
4. A EAD em larga escala como forma privilegiada de atender às necessidades de ampliação do sistema. Embora o ForGRAD reconheça a importância de tal modalidade de educação, chama a atenção para os problemas decorrentes da antecipação de sua implementação, sem a definição prévia e clara de um marco regulatório;
5. Especificamente no âmbito das IES federais, mantém-se o descontentamento em relação à indefinição das formas de financiamento para garantir a manutenção e a ampliação do sistema;
6. No âmbito das IES estaduais, o anteprojeto desconsidera o preceito legal que atribui à União a responsabilidade pela Educação Superior. É frágil a previsão da possibilidade de abatimento da dívida dos Estados que exercem tal função em lugar do governo federal;
7. No âmbito das IES comunitárias, não cabe estabelecer limites em relação ao exercício da sua função social, uma vez que esta é sua própria razão de ser. Sugere-se, portanto, a retirada da expressão “nos limites”, do parágrafo único, do Art. 3º.
8. A autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, embora prevista no corpo do texto, apresenta-se restrita em aspectos como: políticas afirmativas, conselhos sociais de desenvolvimento, ouvidorias, interferência do Conselho Nacional de Saúde na definição das orientações para os cursos da área da Saúde e outros.
NOTAS
Vivendo a inclusão – O curso “Vivendo a inclusão: pensando no educando com dificuldades motoras” buscará dar suporte e ser um espaço ao público relacionado para a troca de experiências vivenciadas com crianças que apresentam dificuldades motoras. As inscrições devem ser feitas na AACD (Av. Professor Cristiano Fischer, 1510 – Jardim do Salso – Porto Alegre/RS).
Psicopedagogos – Nos dias 19 e 20 de agosto acontece o XIV Encontro Estadual de Psicopedagogos – Aprendizagem na Sociedade de Informação – e a I Mostra Estadual de Estudantes de Psicopedagogia do Rio Grande do Sul, em parceria com o Sinpro/RS. O evento acontecerá no Teatro Dante Barrone, da Assembléia Legislativa, na Capital.