Exigência de registro profissional a professores é questionada
Conselhos federais de classe das mais diversas categorias profissionais ignoram a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) ao exigir daqueles que atuam como professores o registro e o pagamento de anuidades. A atividade docente é regida por legislação própria que, hierarquicamente, corresponde à Constituição, à LDBEN e a pareceres dos conselhos federal, estaduais e municipais de Educação.
O Movimento Nacional Contra a Regulamentação do Profissional de Educação Física (MNCR) quer a revogação da Lei Federal 9696/98 que, ao instituir o Conselho Federal de Educação Física (Confef), condicionou o exercício da profissão ao registro no órgão de classe. “Ao determinar que toda e qualquer atividade física deva ser ministrada por um profissional com registro no Confef, essa lei impede até um pai de ensinar o seu filho a andar de bicicleta”, ironiza Giovanni Frizzo, coordenador do núcleo gaúcho do MNCR.
O movimento, sediado no Rio de Janeiro e com núcleos em alguns estados, entre outras ações, aguarda o parecer do relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3428/2005, de autoria da Procuradoria Geral da República, que põe em xeque os artigos 4 e 5 da lei originária do Confef e elege seus membros. O então procurador-geral, Cláudio Fontelles, autor da ADI, argumenta que os conselhos de fiscalização profissional desenvolvem atividades típicas de Estado e que isso caracteriza sua natureza jurídica como de autarquia, ou seja, os conselhos equivalem a órgãos da administração pública. “A iniciativa de proposições que disponham sobre criação, estruturação e atribuições dos órgãos da administração pública é privativa do presidente da República”, sublinha Fontelles no documento.
Em 2005, a Justiça Federal declarou a inexistência jurídica do Conselho Regional de Educação Física da 7ª Região (Distrito Federal) como entidade de fiscalização de profissão e determinou o cancelamento do seu registro jurídico. A sentença do juiz Jamil Rosa de Jesus Oliveira também proibiu o presidente do CREF7-DF de praticar qualquer ato em nome da entidade. A extinção teve origem em uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal a partir da representação feita por uma associação de capoeira que vinha sendo pressionada a registrar seus professores junto à entidade. Durante as investigações, o MPF constatou que outras academias sofriam o mesmo problema, o que motivou a expedição de uma recomendação ao Conselho, para que se abstivesse de fazer tais exigências, “tendo em vista que o CREF7-DF não foi criado por lei, como determina o artigo 37, inciso XI, da Constituição Federal”, disse Oliveira ao assinar o despacho.
Para o presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio de Janeiro (Sinpro-Rio), Francílio Paes Leme, a exigência, por parte do Confef, de filiação dos professores de escolas de Educação Básica ao órgão, é “arbitrária e sem sentido”. “Os professores de Educação Física que trabalham nas escolas de Educação Básica e no Ensino Superior são professores como os demais. Só existe uma exigência legal, estabelecida pela LDBEN, para o exercício da profissão docente: o diploma”, ressaltou Leme na abertura do Fórum de Educação Física, realizado pelo Sinpro-Rio no início deste ano.
A Consultoria Jurídica do Ministério da Educação também se manifestou contra a obrigatoriedade do registro nos conselhos profissionais quando o exercício da atividade for de magistério. O parecer 278/2000 contesta a exigência de registro no CREA-RS para engenheiros e arquitetos que atuam como professores: “Somente aqueles professores que exercem atividades técnicas em razão das suas atividades docentes ou paralelas a estas estão obrigados a se inscrever e se manter em dia com as obrigações de seus respectivos conselhos ou ordens. Aos que exercem somente atividades docentes – mesmo que em disciplinas de determinada formação profissional – deve ser exigido que tenham formação específica, até mesmo por uma exigência legal”, conclui o documento.
SINPRO/RS – “Para a atividade docente não é necessário o registro em conselhos profissionais, nem para engenheiros e arquitetos, nem tampouco para professores de Educação Física. A obrigatoriedade do registro se dá quando, além da docência, o profissional exerce atividade profissional específica, cuja atividade-fim não seja a de instituição de ensino”, afirma a advogada Luciane Webber Toss, consultora jurídica do Sinpro/RS. Os conselhos regionais e federais profissionais, ressalta ela, não podem exigir de professores contratados por instituições de ensino o registro profissional para exercício de magistério.
“A LDBEN é a lei maior da Educação”, enfatiza Sani Cardon, da Direção Colegiada do Sinpro/RS, ao argumentar que a exigência do registro para a função docente não tem respaldo legal. “O Sinpro/RS reafirma sua posição de luta contra a exigência de registro por parte dos conselhos federais de classe para os profissionais que atuam como professores. Quem leciona é professor, portanto, deve estar subordinado unicamente à legislação que rege a Educação”, ressalta. O dirigente lembra que a matéria é tratada de forma inequívoca pela legislação que dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de instituições de educação superior e cursos superiores de graduação e seqüenciais no sistema federal de ensino. O Decreto Federal 5773, de maio de 2006, determina, em seu artigo 69: “O exercício de atividade docente na educação superior não se sujeita à inscrição do professor em órgão de regulamentação profissional”.
O que dizem os conselhos
Os representantes dos órgãos de classe argumentam que o diploma atesta a conclusão do curso, mas não seria uma garantia de comprometimento do profissional com a área de formação.
A subordinação às entidades federais de classe é um pré-requisito para a admissão de aprovados nas seleções públicas municipais, estaduais e privadas para o magistério, afirma Tânia Heinrich, presidente da Fundação Universidade-Empresa de Tecnologia e Ciências (Fundatec), entidade que organiza e executa os concursos. “Os conselhos vigiam o correto exercício da profissão”, afirma.
A presidente do Conselho Regional de Educação Física do RS (CREF2-RS), Jeane Cazelato, diz que o artigo 9º do Decreto 5773, que dispensa o professor de registro no órgão de classe,“é um equívoco”. “Para lecionar tem de ter formação e, para comprovar que é formado, o profissional de Educação Física deve ser registrado, submeter-se ao código de ética profissional que preserva a saúde física da sociedade. Só assim, ele será comprometido com a profissão. Nós sabemos que do professor ninguém cobra uma postura ética”, reage Jeane, que atuou no magistério durante 27 anos.
O engenheiro agrônomo Gustavo Lange, presidente do CREA-RS, diz que, ao exigir o registro, a entidade cumpre o que está determinado na Lei Federal 5194/66, que regula o exercício das profissões de engenheiro, arquiteto e agrônomo. “No artigo 7º da Legislação Federal estão especificadas as atribuições profissionais e a coordenação de suas atividades, entre outras, ensino, pesquisa, experimentação e ensaios.” Dos 9.180 profissionais registrados no Conselho de Farmácia do RS, cerca de 300 estão em sala de aula.
O presidente do CRF-RS, Juliano Sofia da Rocha, argumenta que a exigência de registro para a docência no ensino superior da iniciativa privada em Farmácia faz parte das atribuições conferidas à entidade pela Lei 3820/60. “Seguimos as disposições do Conselho Federal de Farmácia que, no artigo 9º da Resolução 464/2007, determina que os profissionais farmacêuticos que exercem o magistério na área farmacêutica ficam sujeitos à inscrição e pagamento de anuidades”, enfatiza.