Escolas tradicionais investem na expansão
Um movimento de fortalecimento e expansão das escolas tradicionais, a maior parte ligada a ordens religiosas, está chamando atenção de quem observa o atual cenário da educação no Rio Grande do Sul. Ao contrário do que ocorre em outras regiões do país, os estabelecimentos de ensino confessionais, comunitários e filantrópicos estão conseguindo não apenas resistir ao avanço de projetos educacionais de cunho exclusivamente empresarial, mas também aumentar sua participação no mercado. Mais do que isso, eles investem na profissionalização de sua gestão, como vamos mostrar em reportagem que será publicada na próxima edição do Extra Classe.
Quando as escolas tradicionais conseguem se reorganizar, têm um futuro promissor, porque o passado é um quesito forte para a captação de alunos. Aí o mercado começa a selecionar e os mais aventureiros vão desaparecendo”, afirma Roberto Py, diretor do Colégio Farroupilha, de Porto Alegre. As escolas de características marcadamente comerciais, algumas derivadas de cursinhos pré-vestibular, conseguem se expandir em capitais como São Paulo e Curitiba, mas encontram dificuldades para se consolidar no Rio Grande do Sul, anota Belmiro Meine, diretor-geral do Centro de Ensino Pastor Dohms. “Grande parte das nossas escolas nasceu a partir da iniciativa das comunidades e depois foi assumida por ordens religiosas. Até hoje, elas têm forte apoio comunitário. Em função disso, olhamos com certa desconfiança para projetos de educação puramente empresariais ou comerciais”.
O caso do Pastor Dohms é o mais emblemático. Atualmente, o complexo educacional já conta com cinco unidades de Ensino Fundamental e Médio, com 2,6 mil alunos e cerca de 250 professores. Em dois anos, pretende ter algo em torno de 10 mil estudantes e 900 docentes, com a incorporação de seis novas unidades e o ingresso na educação superior. A escola surgiu na década de 30, no bairro Higienópolis, na capital gaúcha, para atender à comunidade germânica da cidade, que solicitava o ensino da língua alemã e a prática de esportes. Durante a 2ª Guerra Mundial, o Pastor Dohms chegou a ficar inativo, por conta da hostilidade aos alemães que tomou conta do país quando Getúlio Vargas aderiu às forças aliadas.
A expansão iniciou em 2002, quando surgiu o Pastor Dohms do bairro Lindóia. “Percebemos que muitos dos nossos estudantes a partir da 5ª série vinham daquela comunidade. Certamente, seriam nossos alunos se abríssemos uma escola ali”, diz Belmiro. Dois anos depois, foi a vez da unidade de Capão da Canoa, no Litoral Norte do estado. “A comunidade luterana estava disposta a se envolver num projeto de educação formal e nos pediu ajuda. Concluímos que a melhor solução era instalar uma nova unidade”. No final de 2006, o Pastor Dohms instalou-se em Camaquã, no Centro-Sul do estado. “Havia uma escola disponível cujos administradores tinham dificuldades de mantê-la”, relata Belmiro. A mais recente aquisição é a Escola Cavalhada, na zona sul de Porto Alegre. Além de prospectar oportunidades na região norte da capital gaúcha, o Pastor Dohms vai transformar a creche Casa da Criança em escola, em Alvorada, na Grande Porto Alegre. Em Taquari, na região Central do e stado, será implantado um curso profissionalizante de agropecuária nos espaços dos asilos Bela e Bethânia.
PLANO DE VÔO – Contudo, o projeto mais ambicioso é o Ensino Superior. A instituição já tem o credenciamento do Conselho Federal de Educação para abrir a Faculdade de Tecnologia Pastor Dohms, que deverá iniciar suas atividades em 2008, em salas locadas no prédio do Colégio Mesquita, na zona norte de Porto Alegre. O plano de vôo inclui a criação da Faculdade Pastor Dohms do Litoral Norte, em parceria com algumas prefeituras que já foram contatadas, além de uma Faculdade de Tecnologia na costa doce, com sedes em Camaquã e Pelotas. Esses projetos deverão se tornar realidade até o final 2009.
Outra escola que surgiu no berço da comunidade alemã também começa a dar novos passos. Mantido pela Associação Beneficente e Educacional de 1858, uma das instituições filantrópicas mais antigas do estado, o Colégio Farroupilha foi fundado há 121 anos. “Surgiu para auxiliar os filhos dos imigrantes, pessoas que chegavam aqui cheias de expectativas e promessas e eram largadas no meio do mato”, conta Roberto Py, diretor da escola há sete anos. Com 2.010 alunos na sede do bairro Três Figueiras, a instituição implantou uma pré-escola dentro do condomínio Terra Ville. Conforme Py, esta é a primeira parceria de um colégio com um empreendimento imobiliário em Porto Alegre. “Em São Paulo, é comum. Existem até faculdades nos condomínios”. Por enquanto, há somente 20 crianças, mas a idéia é montar uma escola regular de Ensino Fundamental até 2009. O Terra Ville deverá ser a porta de entrada do Farroupilha na região sul da capital. “Depois que a gente bota o pé, começa a olhar as redondezas”, brinca o diretor. O Colégio Farroupilha tem ainda 74 estudantes até a 4ª série na unidade localizada dentro do CPOR desde 2006, no morro Santa Teresa, graças a um convênio assinado com o Exército. Havia ali um colégio da rede estadual construído durante o governo de Leonel Brizola, na década de 60, que foi desativado em 2003. O diretor não considera esta unidade fruto de um projeto de expansão, e sim como uma iniciativa de responsabilidade social, uma vez que ela atende a alunos carentes que vivem nas redondezas.
De olho no futuro
Localizado no bairro Jardim Itu, zona norte de Porto Alegre, o Colégio Senhor Bom Jesus pertencia à Associação dos Antigos Alunos Maristas (Ampa). Com a extinção da entidade, foi assumido diretamente pelos maristas e repassado em 2006 para a Mitra da Arquidiocese de Porto Alegre. Hoje, tem 527 alunos de Ensino Fundamental e Médio, com 42 professores. A idéia é aumentar o corpo discente para 800 no próximo ano e ultrapassar a barreira dos mil em 2009. Com temperamento empreendedor, o diretor do Senhor Bom Jesus é o padre Luciano de Souza Oliveira, que já cogita expandir a escola. “Tenho forte raiz familiar na educação. Meus pais eram professores em Minas do Leão, na região Central do Estado“. Ele aguarda quitar a dívida com os maristas para ocupar novos espaços na região sul da capital. “A Igreja tem interesse em aumentar sua participação no ensino. Não podemos privar a população das regiões periféricas da cidade de ter acesso a boas escolas”, justifica.
Da mesma forma, os estabelecimentos de ensino São Francisco, também ligados à Arquidiocese de Porto Alegre, mas mantidos pela Sociedade Beneficente e Educacional São Cristóvão, passaram por uma fase de expansão. A unidade do bairro Rubem Berta foi reestruturada e teve as instalações pedagógicas, administrativas e de informática atualizadas em 1997. Em 2005, a Escola São Francisco-Santa Fé aumentou seu espaço físico com a aquisição do imóvel ao lado e, neste ano, a unidade de Cachoeirinha, na região Metropolitana da capital, começou a funcionar com uma turma de crianças de nove anos de idade. Ainda em 2007, a Escola São Vicente Mártir, na zona sul da cidade, foi incorporada pela mantenedora. “Quanto a outras expansões, não vemos possibilidade nos próximos anos, pois estaremos comprometidos com as novas unidades e o Centro Social São Francisco que se encontra em construção”, informa o gerente administrativo e financeiro Ademar Joenck.
Sinepe relativiza tendência
Apesar destes exemplos, o presidente do Sinepe/RS (Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino Privado), Osvino Toillier, não concorda que haja uma nova realidade do mercado, marcada pela expansão das escolas tradicionais, em contraponto às de caráter exclusivamente empresarial. “Não confirmo essa tendência de crescimento. São casos pontuais”, afirma. Já, para o diretor do Sinpro/RS, Marcos Fuhr, é perceptível este novo ímpeto de crescimento das instituições confessionais. Entretanto, Fuhr ressalta que, na maior parte dos casos, as escolas pagam aos professores das novas unidades salários inferiores aos dos docentes que atuam em suas sedes. O fato tem sido destacado por docentes e está sob análise do Sindicato.