EDUCAÇÃO

Escolas ainda resistem em legalizar situação dos professores

Segundo a SEC são 2.261 escolas que oferecem exclusivamente Educação Infantil no estado, mas isso não quer dizer que todas respeitem a convenção trabalhista
Por Jacira Cabral da Silveira / Publicado em 18 de dezembro de 2008

Em 1979, na obra A epistemologia genética, Jean Piaget, um dos mais célebres pesquisadores do desenvolvimento infantil, classificava o estágio sensório-motor como o primeiro do processo de formação da inteligência, incluindo crianças do nascimento aos dois anos de idade. Na seqüência, ele citava como subestágio aquele que corresponde a crianças de dois a sete anos, das operações lógico-concretas. Suas teorias, acrescidas de contribuições de outros pensadores, têm se constituído em respeitável repositório de conhecimento que faria rir qualquer educador sério ante a expressão: “Cuida-se de crianças”, concepção por muito tempo cultivada na chamadas creches e jardins de infância. Com a LDBEN de 1996, ao incluir a faixa etária de zero a seis anos como a primeira etapa da Educação Básica, tais estabelecimentos ganham status de Escolas Infantis, local de cuidado e ensino.

Para o professor e diretor do Sinpro/RS, João Luiz Steinbach, um dos responsáveis pelo setor de Educação Infantil do Sindicato, o que a LDBEN propõe não é apenas uma mudança de nomenclatura, “houve uma evolução importante, do cuidado para o educar, e as escolas que estão se propondo a fazer essa transição são aquelas que têm uma noção mais organizacional”, mesmo assim, “ainda é um contingente muito pequeno”, lamenta. Na opinião do dirigente, o que falta a esses diretores de escolas é uma cultura patronal. “Falta gerenciamento profissional na gestão. Uma consciência de respeito à legislação”, argumenta, considerando especialmente quando a lei determina que o atendimento de crianças de zero a cinco anos e 11 meses deve ser realizado por profissional docente em nível superior e admitido também a formação mínima de curso Normal (art.62 da Lei 9394/1996).

Desde agosto deste ano, o Sinpro/RS tem realizado um levantamento junto às 1.388 escolas infantis privadas gaúchas, registradas em seu cadastro. O objetivo desse estudo é verificar até que ponto o setor está adaptado à nova legislação, que completou dez anos em 2006, prazo previsto para o cumprimento da lei. De acordo com Norberto Vieira, diretor do Sinpro/RS, embora grande parte das escolas contrate professoras como titulares dos grupos de crianças, ainda registram em suas carteiras funções como técnicos em desenvolvimento infantil, educadores-assistentes ou atendentes. Essas funções correspondem a salários inferiores ao estabelecido pela Convenção Coletiva de Trabalho firmada entre o Sinpro/RS e o Sindicreches. “É fundamental que os pais saibam que o seu filho tem o direito a um professor, pois esta etapa se caracteriza como a primeira fase da educação básica”, reforça o diretor do Sinpro/RS.

“Essa mudança de olhar só veio a nos valorizar,” avalia a vice-presidente do Sindicreches, Berenice Volkmer, referindo-se à mudança de status. Segundo ela, o fato de os estabelecimentos serem reconhecidos como escolas e não mais como creches, pré-escolas ou jardins de infância vem contribuindo para se desfazer a idéia de “depósito de crianças”. “Hoje são escolas infantis”, reforça. Para a dirigente do Sindicreches, cumprir o que determina a LDBEN com relação à formação profissional proporciona segurança para o gestor, tanto no que se refere ao que ele pode exigir do professor, quanto na hora de expor a seriedade do trabalho aos pais. Ela avalia que a resistência de muitas escolas em reconhecer na carteira profissional a função de professor é o custo, pois não querem diminuir seu lucro. Para Berenice, as direções dessas escolas estão esperando que o Sinpro/RS bata nas suas portas para poderem se organizar.

CUMPRINDO NORMAS – Maria de Lourdes Carvalho é assistente técnica do Conselho Estadual de Educação e atua nas comissões de Ensino Fundamental e de Educação Infantil do Conselho. Segundo ela, são mais de 200 os municípios gaúchos que possuem sistema próprio de ensino, isso os torna responsáveis pelo credenciamento de escolas infantis em suas localidades. Nos demais municípios, estas escolas são credenciadas pelo Estado. Cabe a cada uma das instâncias (estadual e municipal) a emissão de normas, prevendo o que é necessário para a criação de um estabelecimento de ensino para a faixa de zero a cinco anos e 11 meses de idade. Tais legislações estão previstas na Portaria estadual 398/2005 e na Resolução 003 do município de Porto Alegre.

Ela não sabe dizer até que ponto os estabelecimentos que trabalham com crianças nesta faixa etária no estado, autorizadas ou não, estão em ordem junto aos sistemas de ensino quer municipais ou estadual no que se refere ao novo enfoque da LDBEN quanto ao caráter educativo dessas escolas e à obrigatoriedade do trabalho a ser desenvolvido por professores. Segundo ela, essa fiscalização fica ao encargo das coordenadorias que “são os olhos e braços do Conselho”. De uma forma geral, ela considera que as escolas municipais e privadas estão preocupadas em se adaptar porque isso representa boa propaganda para o seu trabalho.

Na avaliação da integrante do Conselho Municipal de Educação de Porto Alegre (CMPA), Joice Gonçalves dos Santos, não há possibilidade, neste momento, de pensarmos em tempo para que as escolas de Educação Infantil façam tal adaptação: “Ainda estamos trabalhando a importância do cumprimento da legislação e das exigências mínimas para o atendimento da Educação Infantil, comenta. E quanto aos vínculos empregatícios dos profissionais que atuam nesta área, afirma que o CMPA não tem competência direta para versar sobre o tema. Entretanto, os membros do Conselho reconhecem que a valorização profissional é de grande importância para o bom andamento das propostas pedagógicas das escolas, da auto-estima dos professores e da justa remuneração. “Lembramos que somente teremos profissionais em permanente qualificação se os considerarmos devidamente como agentes do processo educativo”.

A Educação Infantil no estado, assim como no resto do país, nasceu na perspectiva da caridade, da assistência para os desvalidos e desafortunados, “por isto mesmo que as instituições mais antigas de atendimento às crianças pequenas têm sua origem em grupos religiosos,” explica. E foi com o ingresso das mulheres no mercado de trabalho que começa um período onde as famílias passam a buscar alternativas para o atendimento de seus filhos: “Nesta transição, a Educação Infantil começa a se tornar um ‘direito’,” recupera a conselheira baseada na Constituição de 1988, reafirmada pelo ECA e pela LDBEN.
“Vale a pena”
É difícil para a professora Viviane Pinzon lembrar quando a Escola de Educação Infantil Construindo o Saber passou a reconhecer em carteira a função de professora para as funcionárias que desempenhavam essa função. “Faz muito tempo”, comenta. Na verdade, esse ajuste tem quase a idade da escola, criada em 1996, ano da promulgação da LDBEn. Logo que a lei surgiu, Viviane diz que ela e o marido, ambos diretores da escola, decidiram adaptar-se prontamente à nova legislação: “Elas trabalham muito, precisam ser reconhecidas. Também sou professora”, justifica. Embora no início tenha sido difícil, “as finanças ficaram abaladas em prol de melhores salários”, o equilíbrio veio aos poucos com a adoção de estratégias na organização global da escola para ajustar os novos gastos com pessoal às demais despesas. Entretanto, a diretora não demonstra arrependimento. Pelo contrário, avalia que o reconhecimento profissional só trouxe benefícios ao longo do tempo. Ao sentirem-se valorizadas, as professoras passaram a trabalhar com maior comprometimento: “Vestiram a camiseta”. Isso refletiu em planejamentos mais criativos e maior dedicação ao trabalho com a criança. Hoje a escola de Educação Infantil Construindo o Saber tem 14 professoras e 15 auxiliares, que atendem a 148 alunos. Em cada turma trabalham uma titular e uma auxiliar, em apenas uma delas são necessárias duas ajudantes: “Eles são muito pequenos, estão na fase da mordida”, explica a diretora. Há também seis funcionários para desempenhar as tarefas de limpeza e cozinha, além das cinco técnicas: nutricionista, dentista, pedagoga, fonoaudióloga e psicóloga. A equipe de terceirizados é composta por contratados para dar aulas de balé, judô, música, inglês e movimento (educação física). “Vale a pena”, conclui.

ESTATÍSTICAS – De acordo com o departamento de Imprensa da Secretaria Estadual de Educação, são 2.261 escolas que oferecem exclusivamente Educação Infantil no Rio Grande do Sul, incluindo os estabelecimentos públicos (municipais, estaduais e federais) e privados. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de freqüência das crianças na Educação Infantil no Brasil em 2006 mostram que 15%, entre zero e très anos, estão matriculadas em creches ou escolas. Na faixa etária de quatro a cinco anos, o índice sobe para 67,6% e, aos seis anos, é de 91,1%.

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