EDUCAÇÃO

A nova ordem universitária

Ao mesmo tempo em que o Brasil promove a reforma universitária, que prevê a unificação do sistema de ingresso nas universidades públicas, a Europa se prepara para cumprir, a partir de 2010, os pontos estab
Por Flavia Bemfica / Publicado em 17 de junho de 2009

Os movimentos contrários argumentam que a implantação dos pontos previstos na declaração resultarão em queda na qualidade do ensino e em alterações nocivas no que se refere ao acesso ao ensino público. Além disso, teria por objetivo uma mercantilização do ensino (porque passaria a priorizar as necessidades do mercado de trabalho no lugar da qualificação) e traria uma tentativa de padronização inviável em países onde as diferenças culturais falam tão alto, como é o caso da Europa. No Brasil, a maior parte das instituições representativas do Ensino Superior aprova o processo de Bolonha. Entre os estudantes, há divergências. A direção da União Nacional dos Estudantes (UNE), por exemplo, é favorável a sua implantação, enquanto que os grupos que fazem oposição dentro da entidade acreditam que ele tem por principal preocupação o atendimento às demandas do mercado, em detrimento da qualidade.

O processo de Bolonha prevê a implantação de uma Zona Europeia de Educação Superior – ou Espaço Europeu de Ensino Superior – e teve início em 1998, em Paris, quando os ministros da Educação da França, Itália, Alemanha e Grã-Bretanha divulgaram uma Declaração conjunta sobre a harmonização da arquitetura do sistema de educação superior europeu. Em junho do ano seguinte, na Universidade de Bolonha, 26 países da Europa assinaram a declaração, estabelecendo um prazo até 2010 para que suas metas fossem cumpridas. Seu principal objetivo: aumentar a competitividade internacional do sistema europeu de Educação Superior.

Para tanto, a Zona Europeia prevê a adesão dos signatários a um sistema uniforme de formação em dois ciclos, com três níveis: bacharelado ou licenciatura, mestrado e doutorado (o sistema 3+2+3). Com ele, a Europa pretende, além de atrair seus próprios estudantes, chamar ainda mais estudantes estrangeiros. No Espaço Europeu os currículos serão unificados, os alunos terão mobilidade e os créditos ficarão multivalidados. Parece bom. Por que então existem resistências e desconfianças em vários países? Para quem acompanha o assunto, a atenção não deve se voltar apenas para o processo de convergência em si, mas sim para suas razões. Lá na década de 90 os países europeus – alguns deles com taxa de desemprego na casa dos 10% – espremidos em um mercado onde, de um lado estavam os Estados Unidos e do outro a emergência dos asiáticos, se deram conta de que a União Europeia poderia vir, ou voltar a ser, a economia mais competitiva do mundo investindo em conhecimento. Além disso, já tinham informações sobre o envelhecimento da população. Os jovens não preenchem todas as vagas do Ensino Superior e, conforme as estimativas populacionais, na segunda década do século 21 a faixa etária dos 20 aos 29 anos deve apresentar queda de 20%.

Globalização do Ensino Superior

A União Europeia investe pesado na implantação do processo de Bolonha. Desde o lançamento de sua declaração, em 1999, o número de países signatários subiu de 26 para 48. Conferências ministeriais para discutir o andamento do que é chamado “processo de compatibilidade e convergência” ocorrem de dois em dois anos. A última aconteceu em abril passado, em Lovaina, na Bélgica. O Brasil, e também os Estados Unidos, como países convidados, enviaram representantes. “Foram 16 países convidados. Neste momento, o Brasil evidentemente não está incluído no processo, mas mantemos um diálogo”, explica a secretária de Educação Superior do Ministério da Educação (MEC), Maria Paula Dallari Bucci, que participou da conferência na Bélgica.

Apesar disso, segundo a secretária, não há consequências diretas para o Brasil – como o risco da chamada ‘fuga de cérebros’ – da implantação do processo na União Europeia, mesmo porque aqui já haveria um processo semelhante de reestruturação através das sucessivas mudanças que vêm sendo propostas na Educação Superior. “O Brasil está fazendo um movimento paralelo, mas é fato que deve se preparar porque a Europa está muito adiantada. Precisamos desenvolver mais as condições para a mobilidade interna e rever a questão referente aos créditos”, informa. Maria Paula não vê no processo europeu qualquer tentativa de aumentar o domínio da iniciativa privada sobre as instituições públicas. “Temos um pouco essa visão devido ao fato de que no Brasil a presença da iniciativa privada é muito forte, até porque, mesmo com a expansão recente da Educação Superior pública, ela não consegue atender a demanda. Lá a participação da iniciativa privada é ínfima”.

Para o presidente da Comissão de Relações Internacionais da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e reitor da Ufrgs, Carlos Alexandre Netto, a Declaração de Bolonha tem efeito direto sobre as universidades brasileiras que possuem programas de cooperação com instituições europeias, principalmente os referentes à mobilidade de estudantes, já está em curso uma necessidade de adaptação e as trocas entre experiências (leia-se modelos europeu e brasileiro) são inevitáveis. “A Educação Superior está em modificação no mundo inteiro e nossas instituições não ficam alheias. Não é só expansão, mas também a criação de novas modalidades. Isso não significa que vamos adotar o que propõe a Declaração de Bolonha, mas os cursos universitários precisam se reformular”, considera. “Na verdade esse processo beneficia a União Europeia porque atrai os alunos de qualquer país que terão a possibilidade e o interesse pela mobilidade”, resume a presidente do Fórum de Assessorias das Universidades Brasileiras para Assuntos Internacionais (Faubai) e coordenadora de Cooperação Internacional da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Suzana Queiroz de Melo Monteiro.

Apesar de toda a discussão em curso, de o processo de Bolonha estar bastante adiantado em cinco – Portugal, Dinamarca, Suécia, Irlanda e Escócia – dos 48 países e em diversas das grandes universidades europeias, dificilmente estará em condições de passar a vigorar plenamente a partir do próximo ano, como inicialmente previsto. Na reunião ocorrida na Bélgica em abril, o relatório do Grupo de Acompanhamento ao Processo de Bolonha apontou que nem todos os objetivos serão alcançados até 2010 e que existe um grande número de países que ainda não deu início a sua implementação institucional. Entre as causas do atraso estariam, conforme o relatório, a adição de novas ações àquelas inicialmente previstas e o fato de os signatários terem começado sua implementação em datas diferentes, de acordo com a época da adesão. As falhas apontadas dizem respeito à aprendizagem fora do sistema formal de Educação, a pouca participação de estudantes nos relatórios e a falta de implementação do sistema de créditos.

A recomendação feita aos governos dos países constante no relatório é de que disseminem a execução do processo como importante para o emprego e o acesso ao nível de ensino seguinte. Outro ponto abordado diz respeito à adoção de medidas que garantam a transparência das qualificações, com indicadores confiáveis para medir o progresso social da aplicação dos programas. As recomendações para as instituições não deixam dúvida a respeito dos objetivos da declaração. O relatório indica a criação de áreas de Ensino Superior que ajudem as diferentes regiões a se “adaptarem a desafios” e a um ambiente em permanente mudança, seja ele social, político ou econômico.

Principais pontos da Declaração de Bolonha

 Unificação dos ciclos para as carreiras superiores, com a adoção do chamado sistema 3+2+3, dividido em duas fases principais, a pré-licenciatura ou bacharelado e a póslicenciatura ou bacharelado, que prevê graduações com três anos de duração, mestrados com dois anos e doutorados com outros três anos. Pelo novo sistema, o tempo total de formação, que atualmente pode chegar a 12 anos, é reduzido a oito. O grau atribuído após concluída a primeira fase deve ser considerado como de nível apropriado de habilitações para o ingresso no mercado de trabalho europeu.

 Criação de um sistema de créditos que incentive a mobilidade estudantil, o chamado European Credit Accumulation and Transfer System (ECTS), que prevê a transferência e acumulação de créditos entre as instituições, na mesma linha de programas já existentes de mobilidade de estudantes, como o Erasmus. Os créditos deverão ser atribuídos conforme o número de horas de trabalho que os estudantes terão que efetuar para cumprir uma unidade curricular. Ficou definido que poderão ser obtidos também em contextos de Ensino não-Superior, desde que reconhecidos pelas universidades participantes. No cálculo do trabalho do estudante poderão estar incluídos, por exemplo, as horas de aulas teóricas e práticas, seminários, estágios, horas dedicadas aos estudos e à realização de avaliações.

 Adoção de um sistema com graus acadêmicos de fácil equivalência, com o objetivo de promover a empregabilidade dos cidadãos europeus e a competitividade do Sistema Europeu de Ensino Superior.

 Incentivo à mobilidade por etapas, com atenção aos estudantes no acesso a oportunidades de estudo e de estágio e aos professores na valorização de períodos utilizados para ações europeias de investigação, letivas e de formação.

 Cooperação europeia na garantia da qualidade e com o objetivo de desenvolver critérios e metodologias comparáveis de avaliação.

 Promoção do desenvolvimento curricular, cooperação interinstitucional, projetos de circulação de pessoas e programas integrados de estudo, estágio e investigação.

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