EDUCAÇÃO

Empresário admite superfaturamento

Prestador de serviços na área da informática foi convencido a fornecer notas fiscais sem a realização de serviço
Por Naira Hofmeister / Publicado em 12 de novembro de 2009

Contratado em 2006 para prestar serviços de manutenção de redes e instalação de softwares para a Ulbra, um empresário de Porto Alegre com atuação de 15 anos no mercado foi convencido a fornecer notas fiscais frias à Universidade. “Quem não se corrompe às vezes?”, questiona o homem, que pede para manter a identidade sob sigilo.

Empresário admite superfaturamento

Foto: Cláudio Fachel

“Fui iludido, achei que teria lucro, só tive prejuízo”, afirma terceirizado

Foto: Cláudio Fachel

As operações que ele relatou à reportagem do Extra Classe confirmam constatações da auditoria Juenemann, designada pela Justiça Federal para analisar contratos da Ulbra com terceirizadas. O relatório de setembro de 2009 atesta “a existência de indícios de irregularidade na operação e de desvio de recursos da Instituição” através das duas empresas de nosso entrevistado.

O homem conta que foi o seu contador (do qual ele revela apenas o apelido, Jacó) quem o convidou para prestar serviços à Universidade. Ele confirma que o serviço contratado inicialmente foi realizado: a instalação de uma rede integrada de computadores em diversas salas da Ulbra.

Depois de ter finalizado o trabalho ele recebeu uma segunda proposta. Foi durante uma reunião na qual estavam presentes também seu contador e o responsável pela contabilidade da Ulbra, Aérnio Dilkin Penteado Júnior. “Júnior era quem fazia o meio de campo. Foi ele quem me falou que poderia rolar umas notas a mais”, revela.

O acerto previa que a empresa de Porto Alegre fornecesse notas fiscais mesmo sem ter prestado serviços efetivamente. Quando saísse o pagamento, o dinheiro seria dividido entre os participantes da combinação.

Conforme a auditoria Juenemann, durante dois anos essa empresa recebeu mais de R$ 2 milhões por “consultoria em integração de sistemas”, sem que tenham sido encontrados comprovantes da realização do serviço. “Constatamos que nos recibos que dariam quitação ao pagamento consta a assinatura do Sr. Aérnio Dilkin Penteado Junior, bem como do Sr. Yan, que todos conhecem como sendo irmão do ex-responsável pela contabilidade”, indica o documento publicado pelos auditores.

Em 2008, Jacó convenceu o empresário a registrar uma segunda firma, dessa vez para prestar serviços de consultoria e assessoria na área de tecnologia. “Foi uma exigência da Ulbra”, observa. Também esse CNPJ foi identificado pela equipe de auditoria como sendo o destino de mais de R$ 600 mil, sob a rubrica de “captação de recursos em instituições financeiras”. Segundo o empresário, ele sequer recebeu os documentos da nova empresa. Diz que nunca passou nota fiscal, mas admite que o valor foi depositado na conta corrente da pessoa jurídica.

Ele se diz “uma vítima” do esquema e jura que nunca recebeu um tostão pelas notas. O dinheiro que entrou na conta corrente, por exemplo, ele acredita ter sido sacado pelo contador Jacó já que pouco tempo depois ele apareceu de carro zero quilômetro. “Ele que sempre andou a pé”. O contador ainda é acusado de ter sumido com os talões de notas fiscais e contratos de ambas empresas. “Fui iludido: pensei que teria um lucro, mas só tive prejuízo”, lamenta.

O empresário sustenta ainda que não foi o único a aceitar esse tipo de proposta. Ele soube que antes dele, havia outra empresa também de consultoria. “Era de uma guria, mas quando ela viu que a história tava muito enrolada, pediu as notas e foi embora”, revela. O contador Jacó não foi localizado pela reportagem para fazer o contraponto.

Contador da Ulbra tem registro suspenso
Responsável pela contabilidade da Universidade Luterana do Brasil até maio de 2009, Aérnio Dilkin Penteado Júnior está sendo alvo de um processo no Conselho Regional de Contabilidade (CRCRS), que pode resultar em cassação de seu registro. A primeira decisão foi formalizada no dia 23 de julho e determina a suspensão de seu registro até janeiro de 2010. Como a situação pode ser revertida favoravelmente ao contador, as normas do CRC-RS garantem ao profissional a manutenção do sigilo antes que a decisão final seja tomada. A entidade se negou, por meio de sua assessoria de imprensa, a comentar o assunto com nossa reportagem. Por isso, os cadastros do CRC-RS ainda não registram a informação. A reportagem do Extra Classe marcou uma entrevista com Penteado Junior no dia 2 de outubro para que ele pudesse contar a sua versão dos fatos. Apesar da disposição demonstrada durante o telefonema que acertou o encontro, o contador voltou atrás e não quis receber nossa equipe. Na sede da empresa Merconsult, pessoa jurídica que os contadores utilizavam para prestar seus serviços mensais à Ulbra, fomos informados de que Aérnio Júnior e seus sócios estavam viajando.

Caso Ulbra

Foto: Taís Brandão

Ex-reitor (à direita) no dia do depoimento

Foto: Taís Brandão

Ruben Becker confessa irregularidades
Com um aparato especial de segurança que manteve fotógrafos à distância, cinco integrantes da antiga gestão da Ulbra depuseram diante do juiz federal Guilherme Pinho Machado na primeira semana de outubro de 2009. O ex-reitor Ruben Eugen Becker, seu filho e ex-vice-reitor, Leandro Becker, o ex-presidente da Celsp Delmar Sthanke e os contadores Aérnio Dilkin Penteado Jr, Aérnio Dilkin Penteado e Graziela Gracioli de Lima Maria são considerados responsáveis pela dívida da Universidade que já alcançou a cifra de R$ 3,5 bilhões.

A Justiça aponta indícios de má gestão e até desvio de dinheiro dos cofres da Universidade. Ainda que oficialmente os depoentes tenham negado participação nas irregularidades, o exreitor acabou admitindo dois pontos fundamentais para o encaminhamento da execução fiscal. Um deles já havia sido confirmado pelo ex-pró-reitor de administração da Ulbra, Pedro Menegat: de que o Centro de Desenvolvimento Tecnológico (CDT), cujo CNPJ está inscrito no nome de toda a antiga Reitoria, “foi criado para serviços que a Celsp não poderia fazer por falta da Certidão Negativa de Débitos”. A empresa retirou o edital para construir o Centro Popular de Compras, em Porto Alegre, e estava propondo ao governo estadual cursos de qualificação a empregados terceirizados.

O juiz avaliou que a atitude “aparentemente configurava uma fraude de execução, inclusive crime” por usar uma empresa no nome de outra. “Foi uma questão de sobrevivência”, limitou-se a responder Becker. O ex-reitor também reconheceu que nem todos os seus carros foram declarados no Imposto de Renda. Segundo Becker, o equívoco se originou porque havia automóveis registrados em nome de sua pessoa física e outros que eram propriedade de sua empresa, a RME. Sua pretensão, no entanto, era passar a propriedade de todos esses bens para a Ulbra.

– “Porventura existe algum crime nisso?”, questionou Becker ao juiz.

– “Em não declarar bens no Imposto de Renda? Sim, sonegação fiscal”, observou Pinho Machado.

– “Não, não, não… Inclusive eu me prontifico aqui a restituir se for o caso, porque a lei me permite”, emendou o ex-reitor muito sem jeito.

De acordo com seu depoimento, os carros eram consertados na oficina da Ulbra durante as “folgas” dos mecânicos. “Mas o material, grande parte eu mesmo comprava. Estofamento, mão-de-obra. Serviços de madeira, tintas, massas. Só não sei onde estão os documentos que comprovam isso”, lamentou.

Empresa ligadas a contadores receberam R$ 5 milhões
Em suas falas os ex-contadores da Ulbra revelaram que nove empresas prestadoras de serviços à Ulbra possuem ligação com seus nomes. Juntas, as razões sociais receberam mais de R$ 5 milhões desde 2008 segundo registros levantados pela auditoria. Aérnio Júnior confirmou a participação societária em cinco terceirizadas da Ulbra.

Em uma entrevista rápida, exclusiva ao Extra Classe, ele negou ter prestado serviços envolvendo o Conselho Nacional de Assistência Social. E manteve sua resposta mesmo depois de ser informado que nas notas fiscais da Klein – da qual é o único sócio – a descrição pelo pagamento aponta “honorários referentes a quatro diligências no CNAS”. “Não me lembro desse serviço”, encerrou.

Graziela Gracioli de Lima Maria é sócia de quatro firmas que mantiveram negócios com a Ulbra. Uma delas é a Projetcon Engenharia, que contrariando a afirmação de Becker de que a Universidade nunca contratou empresas de construção civil pois tinha um departamento específico para isso, recebeu R$ 700 mil durante a obra do Hospital Universitário. Ela contestou a afirmação da auditoria de que teria recebido mais de R$ 2 milhões através de sua empresa individual. Segundo ela, os valores foram alvo de “um erro grosseiro” de cálculo.

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