Ensino não é recreação
Foto: Laura Hoppe / Divulgação
As irregularidades relativas à contratação de professores em escolas de educação infantil e instituições de ensino básico – contratação de profissionais de outras áreas para o exercício do magistério ou registro de docentes em carteira na condição de recreacionistas, monitores ou auxiliares – foram relatadas no final de setembro e início deste mês, pelo Sinpro/RS, ao judiciário trabalhista.
Às presidências da Associação de Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região e do Tribunal Regional do Trabalho, a direção da entidade entregou uma compilação legal e normativa que atesta a exigência de professores para a correta oferta desta modalidade educacional à sociedade.
A iniciativa visa ampliar, no âmbito da justiça trabalhista, o reconhecimento da condição docente dos profissionais que atuam na educação infantil. “O problema é mais grave nas creches, que atendem crianças até os 3 anos de idade, e atinge um número significativo de instituições da educação infantil. Algumas escolas ignoram ou se recusam a cumprir a legislação educacional, deixando de contratar professores ou registrando esses profissionais como monitores ou recreacionistas”, aponta Celso Stefanoski, diretor do Sinpro/RS e membro do Conselho Estadual de Educação (CEED/RS).
Mesmo instituições de ensino tradicionais, como o Colégio Farroupilha, insistem em descumprir a legislação educacional ao optar pela não contratação de professores para os três primeiros anos da educação infantil. “O professor tem papel decisivo na formação do aluno em todas as etapas do ensino. Essa importância é ainda mais acentuada nos anos iniciais da educação infantil, quando a criança ingressa na sua vida social, começa a estruturar sua personalidade. A escola deve ter o cuidado de qualificar seu corpo docente para proporcionar aprendizado com experiências positivas e afetivamente adequadas”, pondera Elisabeth Mariani, uma das fundadoras e diretora da escola infantil Pato, de Porto Alegre.
A instituição, criada em 1967, pode ser considerada uma referência do setor, já que investe em formação continuada, mantém docentes com pós-graduação em Educação e um professor por sala de aula. “Uma escola de ponta é aquela que tem consciência de que o professor tem de ser tratado como professor”, conclui a diretora.
Novas concepções de criança e infância
Para Cecília Farias, diretora do Sinpro/RS e ex-presidente do CEED/RS, as referências legais e normativas não deixam dúvidas sobre as obrigações das instituições em relação à contratação e registro de professores na oferta dessa modalidade de ensino. “A começar pelas creches e pré-escolas, as instituições de ensino devem entender a educação infantil como etapa da educação, que não pode prescindir do enquadramento de professores”, ressalta a dirigente.
Na opinião do professor e pesquisador em educação infantil da Ufrgs, Gabriel de Andrade Junqueira Filho, a legislação reflete as mais recentes contribuições da Sociologia da Infãncia e da Antropologia da Criança sobre a revisão da tradicional concepção de criança e de infância. “A concepção de criança que fundamenta o trabalho da parcela de escolas que já atende a legislação toma a criança como um sujeito de direitos e produtor de culturas, as culturas infantis”, analisa Junqueira, completando que é necessário rever a organização do trabalho cotidiano da escola de educação infantil, que demanda um professor diferenciado. “A normatização chama a atenção da sociedade para as novas concepções de criança, infância e educação da infância na escola, e exige providências concretas em relação ao trabalho da escola”, conclui Junqueira.
Etapa do processo educacional
Considerada a primeira etapa do ensino básico, a educação infantil tem como finalidade o desenvolvimento integral das crianças até os cinco anos de idade nos aspectos físico, psicológico, intelectual e social, de forma complementar às ações da família e da sociedade. “A formação de docentes para atuar na educação básica deve ser feita em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal”, determina o artigo 62 da LDBEN.
Em 2005, ao normatizar as diretrizes nacionais da Educação Infantil para o sistema de ensino gaúcho, o CEED/RS reiterou que, para atuar nessa modalidade de ensino, “os professores devem estar devidamente habilitados” ao atendimento às crianças desde o nascimento, na perspectiva dos “novos paradigmas para a concepção dos atos de cuidar e educar” e que “nenhuma turma pode funcionar sem a presença de professor habilitado”.