EDUCAÇÃO

Trabalho extraclasse em debate nacional

Evento reuniu em Porto Alegre mais de 200 participantes, entre professores, advogados, estudantes, sindicalistas, magistrados e procuradores para discutir sobre o tema
Por Edimar Blazina, Grazieli Gotardo e Valéria Ochôa / Publicado em 22 de junho de 2013
Foto: Igor Sperotto

Igor Sperotto

I Seminário Profissão Professor – Trabalho Extraclasse x Direito ao Descanso ocorreu no dia 24 de maio

Igor Sperotto

O Sinpro/RS deu um novo passo na luta pela regulamentação e remuneração do trabalho extraclasse. Com a realização do I Seminário Profissão Professor – Trabalho Extraclasse x Direito ao Descanso.

O evento contou com a participação da ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Delaíde Arantes e representantes do Ministério Público do Trabalho (MPT), do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), da Associação dos Magistrados do Rio Grande do Sul (Amatra), da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Federação dos Trabalhadores dos Estabelecimentos de Ensino (FeteeSul) e da Confederação Nacional dos Trabalhadores de Ensino (Contee), o assunto ganhou a agenda nacional de luta dos professores do ensino privado. O evento em Porto Alegre reuniu mais de 200 participantes, entre professores, advogados, estudantes, sindicalistas, magistrados e procuradores, que assistiram a três painéis, já disponíveis na íntegra no site do Sinpro/RS (www.sinprors.org.br).

“Este é um dos principais problemas do ensino privado não só no Rio Grande do Sul, mas em todo o país, responsável pelo adoecimento dos professores”, destacou Marcos Fuhr, diretor do Sinpro/RS.

“A luta do Sinpro/RS pelo reconhecimento e remuneração do trabalho extraclasse já tem 15 anos e tem sido travada em várias frentes: negociação com os sindicatos patronais, ações coletivas e reclamatórias individuais na Justiça do Trabalho, no Plano Nacional de Educação em tramitação no Congresso Nacional e na opinião pública com campanhas de denúncia, como o Domingo de Greve”, afirmou.

Para o Juiz Daniel Souza de Nonohay, presidente da Amatra, “a imposição de limites ao período de labor – ao período no qual aquele que presta serviço coloca sua força de trabalho à disposição do empregador – está na origem e é um dos motivos de existência do próprio direito do trabalho”.

Ao final de cada painel, foram definidos indicativos para novas ações na busca da regulamentação do trabalho extraclasse e da preservação do direito ao descanso dos professores.

Direito e lobby no Congresso Nacional

– A realidade do trabalho dos professores e a legislação trabalhista vigente foram o foco do primeiro painel do seminário, que contou com a participação da assessora jurídica do Sinpro/ RS, Luciane Lourdes Webber Toss, e do professor José de Medeiros Neto, assessor da Comissão de Educação da Câmara Federal.

A advogada Luciane apresentou um panorama histórico das leis. “Há dez anos, o Sinpro/RS desenvolve teses de embasamento jurídico para uma melhor interpretação das leis atuais. Apesar do trabalho específico do professor constar na CLT desde 1943, foi a partir da LDBEN, de 1996, que ele se intensificou. Até hoje não temos uma legislação clara abrangendo os professores do ensino privado, pois a legislação sempre contém o termo educação pública, o que limita as interpretações”, afirmou Luciane.

A aprovação da Lei do Piso Nacional de Salários dos Professores do Ensino Público, de 2008, prevê um terço da carga horária docente para as atividades extraclasse, mas, novamente, o foco é o ensino público. O Tribunal Superior do Trabalho também não reconhece a hora atividade, argumentando ausência legal. “Isso gera uma quebra de isonomia muito grande na categoria, pois já tivemos algumas vitórias de primeiro nível, mas nem todos são contemplados”, destacou Luciane.

O assessor parlamentar José de Medeiros apresentou a realidade no país e a necessidade dos professores se unirem para fazer forte lobby no Congresso Nacional. “O Congresso funciona com o lobby.”

Direito ao descanso dos professores

O segundo painel do Seminário Profissão Professor recebeu o procurador Gilson Azevedo, do Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul (MPT-RS), e o desembargador Luiz Alberto de Vargas, do Tribunal Regional do Trabalho. O desembargador destacou o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST) sobre a pausa para o descanso dos trabalhadores.

Segundo ele, o TST tem esse período como modo de proteção à saúde do profissional, portanto, de grande importância. Entretanto, para Vargas, a casa do trabalhador se tornou um “segundo escritório” pelo volume de trabalho exigido.

“Não podemos encarar que o trabalhador use sua casa desta maneira porque quer. Todo o trabalho feito à distância deve ser remunerado e controlado”, afirma ele. “Este é um trabalho, acima de tudo, estressante e excessivo.”

O estresse causado pelas atividades extraclasse também foi destaque do procurador do MPT- -RS, Gilson Azevedo. Segundo ele, entre os fatores mais estressantes na rotina dos professores, estão os associados ao desrespeito do repouso legal, garantido aos docentes.

O desembargador Alberto de Vargas reafirmou a importância de tornar público os excessos de trabalho exigidos dos professores. “O tipo de sociedade que nós queremos daqui para frente vai depender de como nós tratamos os professores agora.”

Ampliação das decisões

As diferentes interpretações jurídicas na questão do trabalho extraclasse dos professores foram o tema do terceiro painel, com a participação da advogada Maria Cristina Vidal Carrion de Oliveira, da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional RS (OAB/RS), e da ministra do TST, Delaíde Arantes.

Maria Cristina defendeu a ampliação das decisões em nível regional para sensibilizar o TST. “Se não aparecerem decisões nos demais Tribunais Regionais do Trabalho que reconheçam o mérito da questão aos professores, o TST não vai nos ouvir. Porque a gente não muda uma mentalidade falando com um, mas falando com vários. Precisamos fazer com que cheguem mais decisões reconhecendo que atividade extraclasse deve ser remunerada, porque senão é trabalho escravo”, afirmou.

A ministra Delaíde Arantes aposta na aproximação com o TST por diferentes vias e por meio de representações nacionais. “Existe um distanciamento do TST com as questões da base, mas isso é provocado pelas próprias circunstâncias, e temos que buscar formas de vencer isso, pois existe espaço para essa sensibilização. É preciso atacar em duas frentes, judiciário e legislativo”, destacou.

“É preciso adequar a legislação do professor à atualidade”

Foto: Igor Sperotto

Igor Sperotto

A ministra Delaíde Arantes (foto), do TST, falou com o Extra Classe após o evento. A ministra, que tem 30 anos de atuação na área trabalhista, se posiciona favoravelmente ao pagamento do trabalho extraclasse docente, defende a atualização das leis e a via da mobilização nacional.

Igor Sperotto

Extra Classe – Apesar das decisões desfavoráveis, a Sra. acredita que existe espaço no TST para o discurso do trabalho extraclasse?
Delaíde
 – Acredito que tenha espaço para que os representantes dos professores apresentem para o TST as questões que acontecem na realidade do trabalho extraclasse. Porque, quando o assunto vai para o TST através de processo, ele é julgado na primeira instância, na segunda instância, e para o julgamento nós estamos restritos ao que está no processo, o que gera uma limitação. Temos a lei e a jurisprudência para aplicação do direito naquele caso concreto, e uma situação de atuação com as limitações que a lei estabelece. Já numa ótica de aproximação do TST com as questões da sociedade, e o atual ministro presidente Carlos Alberto Reis de Paula tem essa abertura, eu acredito na evolução dessa aproximação.

EC – Qual a sua opinião na questão do trabalho extraclasse dos professores do ensino privado?
Delaíde
 – Eu divido em duas partes: a primeira é que é preciso urgentemente trabalhar no campo legislativo para adequar a legislação do professor à atualidade, às novas tecnologias, às novas demandas e serviços que são exigidos dos professores. Num segundo ponto, no meu ponto de vista pessoal e da minha ótica jurídica, quando a CLT fala em hora-aula, nada tem definido a respeito dos serviços prestados. Então, eu não considero que essa legislação esteja abarcando todos os serviços que o professor presta. E também, na minha opinião, o conjunto legislativo que tem hoje se aplica tanto ao setor privado quanto ao setor público. Mas isso do ponto de vista do contexto constitucional, da CLT, do tratamento de igualdade, da unificação que existe em termos de legislação educacional. Não é que eu considere que quem interpreta diferente está errado, porque a legislação permite essa margem de interpretação.

EC – Como são tratadas as divergências de opinião entre ministros do TST?
Delaíde
 – Quando um ministro tem uma opinião pessoal diferente da jurisprudência, é preciso fazer uma ressalva. Se existe uma questão na lei que eu interpreto de uma forma e os meus pares interpretam de outra, me resta ressalvar o meu ponto de vista pessoal, mas eu tenho que julgar de acordo com a jurisprudência do Tribunal, porque ela é construída por um colegiado. Não existe jurisprudência certa ou errada, existe a jurisprudência construída e pacificada daquela forma.

EC – Uma reforma ou atualização da CLT seria a solução?
Delaíde
 – Determinados pontos da CLT merecem análise a respeito da atualização, mas a CLT, como um todo, eu defendo como um dos instrumentos mais importantes que nós já tivemos até no campo jurídico. Algumas pessoas falam da “septuagenária CLT”. Eu digo “a jovem CLT”. A reforma da CLT que eu defendo chama-se reforma inclusiva, para incluir os trabalhadores informais, autônomos, mas não para suprimir direitos, reduzir ou flexibilizar.

Sínteses e principais indicações do Seminário

– a legislação trabalhista não acompanhou a evolução da realidade e da legislação educacional;
– trabalho não remunerado é trabalho escravo;
– a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN explicitou uma maior amplitude de atuação dos professores no processo educacional;
– a Lei do Piso Nacional do salário do ensino público representa um marco no reconhecimento mento e na determinação de um tempo necessário para atividade extraclasse;
– necessidade de articulação no Congresso Nacional com vistas à definição de iniciativas legislativas que regulamentem e garantam a remuneração do trabalho extraclasse dos professores;
– a extensão da jornada extraclasse gera consequências com reflexos na sociedade e custos para o Estado;
– destaque para o direito dos professores à desconexão do trabalho;
– buscar emissão de notificações recomendatórias do Ministério Público do Trabalho em outros estados brasileiros;
– buscar a sensibilização do TST para o reconhecimento da atividade extraclasse via interação com a Comissão de Jurisprudência e a realização de audiências públicas sobre o tema.

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