A expansão do acesso ao ensino e a consequente precarização das relações e do ambiente de trabalho dos professores vêm transformando a profissão docente em uma das atividades mais insalubres do país, com indicadores cada vez mais nítidos de que o adoecimento físico e psíquico, que em maior ou menor grau atinge a totalidade desses profissionais, está diretamente relacionado ao exercício da docência.
Foto: arquivo pessoal
Esse nexo foi demonstrado em pesquisas (disponíveis no site do Sinpro/RS) realizadas para o Sinpro/RS pelo Diesat, em 2009, e pela FeteeSul, em 2012, que constatam o adoecimento físico e psíquico de professores como resultado de assédio moral praticado por superiores e violência física e psicológica por parte de alunos, excesso de alunos por turma, desconstituição da autoridade do professor, jornadas excessivas, trabalho extraclasse, entre outros problemas enfrentados em sala de aula.
Agora, um estudo da psicóloga Marisa Elias, da Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, reforça que professores do ensino superior estão adoecendo e a causa pode estar relacionada ao exercício de sua função. O levantamento foi realizado com docentes de instituições da rede privada de ensino superior da cidade de Uberlândia (MG) e demonstra que más condições de trabalho incidem diretamente sobre a qualidade de vida e saúde do professor. “A precariedade do trabalho, resultado do rápido crescimento dessas instituições, parece incrementar os problemas de saúde, principalmente os adoecimentos de ordem psíquica”, destaca Marisa.
Com o objetivo de verificar as condições de saúde dos professores em um cenário de expansão do acesso à educação superior, a pesquisadora escolheu Uberlândia, município de 611 mil habitantes considerada referência nesse nível de ensino na região, com mais de 20 instituições privadas e uma universidade federal. A psicóloga explica que os professores diziam não ter problemas de saúde, mas na sequência das entrevistas “se assustaram ao perceber que apresentavam diversos problemas não reconhecidos e banalizados”. Todos admitiram sentir dor de cabeça frequente; dores no corpo; fazer uso ou já ter usado medicação para refluxo e gastrite, para alergias, para insônia e rouquidão ocasional – sintomas que podem estar associados ao estresse e ser considerados adoecimentos psicossomáticos.
Marisa explica que na falta de condições para descarregar o mal-estar mental, “o corpo é a via possível de descarga” e as evidências ficam claras nas respostas e atitudes desses professores, que relataram desencanto e frustração com suas realidades profissionais, mas ao mesmo tempo “não se permitiam adoecer”, devido à ética que assumem. “Eles exigem de si mesmos o cumprimento das exigências profissionais e ignoram os sinais do próprio corpo para o desgaste, inclusive se vangloriando por não se ausentarem do trabalho”, repara a pesquisadora. Os problemas de saúde mental se devem à “precarização da educação” à qual os docentes universitários são submetidos: carga horária excessiva, remuneração variável, preferência das instituições por profissionais multitarefas.
A pesquisadora conclui que há uma “idealização da atividade de educador” que aliena e prende o profissional à “representação do trabalho como missão e não atividade profissional”. “As condições de trabalho no ensino superior privado descaracterizam a função da educação e proporcionam aos professores desgaste, mal-estar e adoecimento”, conclui Marisa. Para a psicóloga, a denúncia dessa situação é tão urgente quanto a promoção de discussões em busca de “estratégias preservadoras e promotoras da saúde desses profissionais, o que passa pelo fortalecimento da organização do movimento docente, sobretudo do sindicato, com apoio da sociedade para que essa atividade, tão importante, possa ser desenvolvida em condições que respeitem a saúde dos seus trabalhadores”.
* com informações de Rita Stella, da Agência USP.