Respeito às diferenças na sala de aula
Foto: Miguel Denser/Divulgação
Para um país como o Brasil, com índices alarmantes e crescentes de femicídio (assassinato de mulheres), promover debates e reflexões sobre o tema em sala de aula e incluir a temática de gênero nos currículos escolares é uma forma direta e pedagógica de promover uma mudança cultural em favor da igualdade entre os sexos. O objetivo nada mais é do que explicar para a comunidade escolar que meninos e meninas devem ser tratados de maneira igual e ter acesso igualitário aos direitos e à dignidade e que as escolhas precisam ser respeitadas.
Os números comprovam a necessidade urgente de debate. Apesar de todos os esforços referentes à Lei Maria da Penha, 77% das mulheres em situação de violência sofrem agressões semanal ou diariamente, conforme revelaram os dados dos atendimentos realizados de janeiro a junho de 2014 pela Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR). Nos primeiros seis meses do ano foram reportados 30.625 casos. Em 94% deles, o autor da agressão foi o parceiro, ex ou um familiar da vítima. Os dados mostram ainda que 64,5% dos filhos presenciaram a violência e, em outros 17,73%, sofreram agressões.
Além disso, Projeto de Lei (PL 7627/10) da deputada Janete Rocha Pietá, do PT de São Paulo, aprovado em outubro de 2013, pela Comissão de Educação, torna obrigatória a inclusão da temática gênero e suas relações intra e interpessoais nos currículos escolares. A iniciativa da parlamentar vem aos poucos tomando corpo e escolas de todo o país estão se conscientizando da importância sobre o assunto. Segundo Janete, para obstaculizar a violência que perpassa todas as camadas sociais e atinge um grande número de mulheres é necessária a prevenção a partir dos bancos escolares e desde a infância, pois a reflexão das relações de gênero é premissa para poder mudar a ideologia que se encontra cristalizada no gênero masculino.
Foto: Leonardo Savaris
FORMAÇÃO – Diretora da Escola Estadual de Ensino Médio Professor Oscar Pereira, em Porto Alegre, Ana Regina Jardim, sente no dia a dia a importância de inserir a questão no ambiente escolar. Tanto que em julho deste ano a Secretaria de Política para as Mulheres do RS promoveu no local uma formação para 71 professores durante dois dias. Foram abordados diversos aspectos sobre o universo feminino, mas, principalmente, sobre a violência de gênero e as diferenças salariais entre homens e mulheres no mercado de trabalho. Além disso, a instituição vai realizar a Semana Lilás, de 20 a 24 de outubro, envolvendo os estudantes em uma programação diversificada, com gincanas, palestras e oficinas. “Nossa intenção é que a Semana Lilás aconteça todo o ano, incorporando o calendário pedagógico da escola. Queremos instrumentalizar as alunas sobre seus direitos e deveres através da pesquisa e do conhecimento, numa forma de dar maior entendimento sobre esta questão”, ressalta Ana.
A Secretaria de Estado da Educação, desde 2011, vem investindo em formações continuadas para instrumentalizar os educadores e educadoras da rede estadual do Rio Grande do Sul na temática referente às questões de gênero e sexualidade. “Nesse sentido, inúmeras ações foram propostas com o intuito de promover a reflexão dos alunos, a compreensão da realidade e a participação social. O estudo desta temática no ambiente escolar deve ser compreendido como um processo de intervenção pedagógica que tem como eixos norteadores a construção de saberes, a troca de informações e a problematização das questões relacionadas à sexualidade, incluindo posturas, crenças, tabus e valores a ela associadas”, reforça Vera Amaro, diretora Pedagógica da Seduc.
Foto: Leonardo Savaris
Desconstruindo o preconceito
A Escola de Ensino Médio Padre Reus desenvolve há dez anos o projeto Escola sem violência, com desdobramentos em várias frentes. Um deles é a Escola sem homofobia, oriundo da percepção de que os casais gays femininos eram muito mais aceitos do que os masculinos. A professora de Química Adriana Strelow, responsável pela abordagem para alunos do primeiro ano do ensino médio, reforça a importância da escola provocar discussões sobre a existência de uma sociedade sexista, onde a mulher desempenha um papel inferior.
“Os alunos produziram vídeos, trouxemos palestrantes a fim de discutir a questão, que gira muito em torno do fetiche. Na realidade, a família traz uma bagagem muito grande de preconceito. Nosso trabalho é permanente, estamos nadando contra a corrente”, sintetiza Adriana. O vice-diretor, Ildo Vilarinho, conta que a escola adotou a bandeira do respeito à diversidade e que o tema Violência contra a Mulher está presente nas disciplinas de Sociologia e Filosofia desde 2009. “Este é um tema recorrente. Sensibilizamos os meninos, de 15 a 17 anos, para que eles sejam cúmplices da luta da mulher e reflitam sobre o seu próprio machismo, na desconstrução de valores implícitos no senso comum. E as palavras costumam ter efeitos. Muitos alunos homens dizem que nunca tinham pensado nisso. A escola que não aborda esta questão está marcando passo”, alerta Ildo.
Escolas de Santo André aderem à campanha
A secretária de Políticas para Mulheres de Santo André (SP), Silmara Conchão, conheceu a campanha Quem Ama Abraça, no início deste ano, e voltou para o município com a ideia de ajudar a lançar o programa em sala de aula. Em parceria com a secretária de Educação, começou a organizar junto à rede de ensino um curso de 30 horas para diretores, vice-diretores, assistentes pedagógicos, professores de creche, educação infantil, ensino fundamental, educação de jovens e adultos, profissionalizantes e centros educacionais. “Nós temos 97 representantes de instituições de toda a cidade inscritas e desenvolvendo os temas estipulados pelo material didático do programa. Já estamos na metade da programação, que iniciou no mês de agosto, ministrada nos espaços da prefeitura, toda a quinta-feira, com término em outubro”, relata.
Foto: Miguel Denser/Divulgação
No dia 25 de novembro, Dia Internacional de Combate à Violência contra a Mulher, será lançada a campanha e a formatura dos participantes. “Eles serão agentes multiplicadores e já estão incorporando as discussões, com o olhar cuidadoso para a educação não sexista e percebendo dentro do cotidiano do ensino os estereótipos de gênero”, completa Silmara. Segundo ela, o tema começa a se formar em sala de aula como uma contraposição à sociedade patriarcal. Em 2015 já está marcado um plano de ação para ver o que está sendo desenvolvido nas escolas, com acertos, potencialidades e dificuldades.
“Sabemos que estamos lidando com questões conservadoras e tabus na nossa sociedade. São pais que não querem que os meninos brinquem de bonecas, por exemplo. Além disso, precisamos identificar casos de violência contra a mulher através das crianças, que às vezes se comportam de maneira agressiva ou apática. Precisamos discutir a Lei Maria da Penha e a sua importância em uma linguagem adequada para cada fase do ensino. Este é o momento”, entusiasma-se a secretária de Política para as Mulheres de Santo André.
A campanha Quem Ama Abraça tem foco nas escolas e mobiliza crianças e adolescentes para o debate e superação das diferentes formas da violência contra as mulheres. A iniciativa é promovida pela Rede de Desenvolvimento Humano (Redeh) e pelo Instituto Magna Mater, em parceria com a Secretaria Nacional de Políticas Públicas para Mulheres, do governo federal. Visa o fortalecimento do espaço escolar (interna e externamente), como campo privilegiado para a reflexão e a superação das diferentes formas de violência contra a mulher – simbólicas ou explícitas – presentes no cotidiano das crianças e jovens. Ao mesmo tempo, estimula a instituição escolar e outros espaços de educação a coordenar e executar uma ação articuladora e aglutinadora dos diversos canais sociais, públicos ou não, para a soma de práticas concretas de denúncia e enfrentamento da questão.
Uma vez detectado o impacto da violência doméstica e familiar no desenvolvimento da criança e no seu rendimento escolar, a proposta vem somar às transformações em curso, no sentido de tornar a escola um espaço e um instrumento de enfrentamento à violência para as crianças que se veem expostas a ela no ambiente familiar. Segundo a ONG, é sabido que crianças e adolescentes que vivem a violência, sobretudo a exercida contra a mulher, podem sofrer sequelas físicas e psicológicas semelhantes às da própria vítima de agressão, desde ansiedade, sentimentos de culpa e depressão até outras relacionadas ao processo de desenvolvimento infantil. A iniciativa fornece a cada instituição de ensino oficinas e kits de materiais, com manual para os educadores, sugestões de atividades, gibis para os alunos e DVDs com clipes musicais da campanha.