EDUCAÇÃO

Exército na escola: braço forte ou mão amiga?

Por Stela Pastore / Publicado em 13 de setembro de 2017

Exército na escola: braço forte ou mão amiga?

Foto: Exército divulgação

Foto: Exército divulgação

Um convênio entre o governo do Estado e o Exército em um projeto denominado Exército vai às Escolas deflagrou um conjunto de críticas e questionamentos de várias organizações e pesquisadores da área da Educação. Este acordo, firmado entre o governo e o Núcleo de Estudos Estratégicos (NEE) do Comando Militar do Sul (CMC), prevê atividades das Forças Armadas para estudantes do ensino médio por meio de palestras, prática de esportes, visitação às bases militares e aulas de civismo. E assume textualmente “a formação da cidadania e o desenvolvimento dos alunos”. Ou seja, o Exército como educador

Estamos muito preocupados com o Estado buscando militares e não professores para ensinar os alunos. Este projeto é um retrocesso e demonstra a irresponsabilidade do governo Sartori com a educação pública. Vamos exigir as devidas explicações. A afirmação é da presidente do Centro dos Professores do Rio Grande do Sul, Helenir Aguiar Schürer.
A professora Carmen Craidy, integrante do Conselho Estadual de Educação (Ceed), faz um alerta.“É algo muito sério e grave. É uma forma inclusive de desqualificar os professores porque dar formação cívica é responsabilidade dos professores. A função do Exército é garantir a segurança das nossas fronteiras contra ameaças externas, assegurar a segurança do país”.

“O Exército tem um regime autoritário e não tem espaço para contestação. É a disciplina para a obediência cega, na linha da ‘ordem dada é ordem cumprida’. Para nós ordem dada é ordem discutida”, diferencia a dirigente do Cpers. O Sindicato solicitou uma audiência há mais de um mês com o secretário de Educação, Ronald Krummenauer, mas não foi atendido”. O projeto será implementado em pelo menos cinco escolas de forma experimental em Porto Alegre no segundo semestre e nas demais regiões em 2018.

A vice-diretora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Ufrgs, Magali Mendes de Menezes, considera esse tipo de acordo um retrocesso em todos os sentidos. “Não deixa de ser uma intervenção militar na comunidade escolar. Isto está dentro do processo de militarização das escolas públicas que se vê em vários pontos do Brasil”.

E realça que surge após a ocupação das escolas pelos estudantes. “A gurizada mostrou de forma potente que quer qualidade de ensino, estrutura e pagamento justo aos educadores. Estão pensando, refletindo, preocupados com seu país”. Para o presidente da CUT, Cláudir Nespolo, “não é função dos militares ensinar princípios e valores para os nossos jovens nas escolas. O que necessitamos é de concursos públicos para termos mais professores, valorização e qualificação para os educadores”.

Militarizar os jovens é retroceder à ditadura
Há nisso uma memória da ditadura. “O absurdo é que o projeto retoma e relembra os tempos escusos da ditadura militar e suas terríveis marcas na educação brasileira, em que era obrigatório o ensino de matérias como educação moral e cívica e os feitos militares tinham de ser exaltados nas escolas”, afirmou o diretor de Políticas Educacionais da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes) e membro do Fórum Nacional Popular de Educação, Guilherme Barbosa.

“O  projeto é militarizar a consciência dos jovens”, resume o historiador, mestre e doutor em Educação pela Ufrgs, Jorge Barcellos, em um dos seus recentes artigos. “A impressão que dá é que os militares estão indo às escolas para evitar a guerra política, antecipar-se a ela, evitar o surgimento de conflitos. E alerta: ”Ainda que possam dar aulas, o problema é que, se permitirmos que os militares interfiram na escola, eles poderão fazer isso em qualquer lugar”.

Barcellos faz algumas analogias. Uma delas é a cultura militar da guerra induzir os estudantes a uma guerra social simbólica, que pode ser fixada a partir de um parâmetro legal. A iniciativa é lançada no mesmo momento em que impera a lei antiterrorismo, que dá amplo poder ao Estado na repressão dos movimentos sociais.

Nota sem entrevista
A Seduc, após titubear por quatro dias sobre quem daria a entrevista solicitada pelo Extra Classe, por meio da assessoria de imprensa  limitou-se a enviar uma nota por email mesmo que nenhuma pergunta tivesse sido feita.

“A Secretaria Estadual de Educação esclarece que o projeto ‘O Exército vai às Escolas’ realizado em parceria com as Forças Armadas parte de um pressuposto de colaboração entre instituições e órgãos públicos, que visam levar ações humanitárias realizadas pelas Forças Armadas para os estudantes de Ensino Médio da Rede Estadual.
As ações, que se encontram em etapa inicial de planejamento, deverão ser pautadas em atividades relacionadas às missões humanitárias internacionais e as atitudes solidárias desenvolvidas em situações de emergência ou calamidade pública”.

Por fim, a Secretaria Estadual de Educação entende que existe uma perfeita compatibilidade entre as atividades curriculares e a integração de práticas que reúnem elementos vinculados à assistência social, direitos humanos, cidadania, trabalho, ciência e tecnologia, cultura, arte, saúde e meio ambiente”.

Retrocesso e ataques à Educação
Projetos como Escola Sem Partido, limitação da atuação sindical, mecanismos de repressão a manifestações por meio de leis como a de antiterrorismo, tem se avolumado de forma sincronizada entre governos em nível estadual e federal.

“São impressionantes os ataques que a Educação e os professores em particular têm sofrido, exatamente num contexto de retrocessos que se instalou no país, junto com um perigoso processo de ruptura institucional. São ofensivas de agentes externos à comunidade escolar, distantes do cotidiano do ensino, que sequer são professores, pesquisadores ou especialistas”, observou a deputada estadual e professora Stela Farias, líder da bancada do PT na Assembleia gaúcha.

No início de agosto o governo Sartori enviou à Assembleia  projeto que limita o número de licenças sindicais a um servidor por classe. Dos atuais 110 em todas as categorias reduziria a 16. O Cpers, por exemplo,  com 85 mil associados em 496 municípios, teria apenas um único representante liberado caso o projeto seja aprovado.

O Sindicato também entrou com Mandado de Segurança Coletivo contra recente  Ordem de Serviço em que o governo do Estado exige  prazo de 30 dias de antecedência para solicitar licença de membros do magistério público estadual e servidores de escola para participarem de atividades e eventos de cunho educacional ou sindical entre outros critérios.

Recuos, eufemismos e polêmica
A polêmica está instalada. “Não é militarizando a escola que vamos resolver a educação”, afirmou o ex-ministro da Educação, Aloizio Mercadante em um debate do Fórum Nacional de Educação ainda no início de 2016. Ressaltou que ações como essas historicamente não deram certo, como experimentado na Alemanha durante a Segunda Guerra.  Sofrendo ataques de todos os lados, o convênio entre governo e Exército foi readequado pelo menos na linguagem.

Foto: Igor Sperotto

Coronel Mário Andreuzza

Foto: Igor Sperotto

O Comando Militar do Sul atendeu ao pedido de entrevista e minimizou as críticas recebidas. O coronel Mário Andreuzza, chefe do Núcleo de Estudos Estratégicos (NEE) do CMS, unidade do Exército criada em 2015, enfatiza que o Exército quer dar sua ‘contribuição’. “Não queremos interferir no conteúdo, mas apresentar o Exército. A sociedade tem o dever e a obrigação de conhecer a instituição. Vamos atuar com ações de complementariedade do que a escola faz. É um passo arrojado, uma atitude inovadora”, defende.

Sobre o projeto reacender a memória da ditadura miliar, Andreuzza diz “que são feridas que não fazem bem, mas que vivemos um outro momento da história”. Lembrou que o lema do Exército é ‘Braço forte,  mão amiga’. No caso do convênio, refere ser a parte “mão amiga” da corporação.

“Houve um recuo após as manifestações contrárias. Mudaram o discurso  e agora estão dizendo outra coisa”, constata a professora Carmem Craidy, do Ceed. Para ela, a impressão inicial é de que se quer moldar a cabeça do professor e do aluno com visão militar. “Uma  pregação ideológica de um civismo considerado  mais válido a partir desta visão. Se soma ao projeto da Escola Sem Partido, de amedrontar professores. Num momento em que a Constituição e a legislação são desrespeitadas, em que se suprimem direitos sociais e  aumenta a  repressão é bastante preocupante: é a imposição ideológica militarista na sociedade”, reflete.

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