EDUCAÇÃO

Seminário debateu retrocessos da reforma trabalhista

Por Gilson Camargo / Publicado em 13 de setembro de 2017

 

Foto: Igor Sperotto

Foto: Igor Sperotto

Evento promovido pelo Sinpro/RS teve painéis com ministros e desembargadores do alto escalão da Justiça do Trabalho, que foram unânimes sobre os impactos negativos das mudanças para professores e demais trabalhadores

A quarta edição do Seminário Profissão Professor, realizada pelo Sinpro/RS no dia 25 de agosto, no Hotel Embaixador, em Porto Alegre, promoveu um amplo debate sobre as mudanças nas leis trabalhistas e o impacto que elas representam para os trabalhadores, em especial aos professores do ensino privado. Com a participação de mais de 300 pessoas, entre professores, sindicalistas e operadores do Direito interessados no debate sobre a reforma trabalhista aprovada no Congresso e em vigor a partir de novembro deste ano, o evento teve entre os painelistas as ministras do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Delaíde Alves Miranda Arantes (leia a entrevista na página 20) e Maria Helena Malmann; o procurador-geral do Ministério Público do Trabalho (MPT), Ronaldo Curado Fleury; e a desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT 4), Brígida Charão Barcelos Toschi.

SUBESPÉCIE – As mudanças nas leis trabalhistas e seus impactos nas condições de trabalho dos professores foram tema do painel de abertura, que teve como painelistas a ministra do TST, Delaíde Arantes, o procurador-geral do trabalho, Ronaldo Fleury, e o advogado Antonio Escosteguy, do coletivo jurídico da CUT/RS. “A reforma cria uma subespécie de ser humano: o trabalhador”, destacou Fleury. Para o procurador, a reforma é apenas uma lei que alterou alguns pontos da CLT. “Não tenho dúvida nenhuma de que ela tem que se inserir dentro do conjunto de normas que existe sobre direitos sociais no Brasil, a Constituição, normas internacionais, convenções, tratados assinados pelo Brasil, e a própria CLT. Existem pontos de contradição entre a CLT e a Lei da reforma trabalhista. Isso tudo vai ter que ser analisado, é o que chamamos de interpretação sistemática: interpretar a norma dentro de um conjunto normativo. Por isso, essa reforma demandará muito tempo ainda para que haja uma definição sobre a interpretação da Lei”, avaliou.

Coautor de três livros de doutrina jurídica, Fleury, que é professor universitário de Direito Coletivo do Trabalho, afirma que há no país uma espécie de cultura de punição ao trabalho com base em princípios medievais. “Nossa modernidade está inspirada no código de Hamurabi, de cerca de 1.778 a. C. (conjunto de leis criado na Mesopotâmia que tem por base a lei do Talião: olho por olho, dente por dente)”, comparou.

A associação da reforma trabalhista e seus reflexos com o crescimento do trabalho escravo foi recorrente no discurso dos palestrantes. “Existe, inclusive, uma ação civil pública para garantir o repasse orçamentário para os grupos móveis de combate ao trabalho escravo”, informou Fleury.

MÍNIMO – A Negociação Coletiva e os Direitos Trabalhistas foram o tema do segundo painel. “Esta reforma é a pior alteração na legislação nos últimos tempos”, avaliou Raimar Machado, professor do programa de mestrado e doutorado da Unisc. Na avaliação de Brígida Toschi, desembargadora do TRT 4, “o Brasil é um país que ainda escraviza, que ainda põe crianças a trabalhar. É nesse país que querem falar que a legislação trabalhista é retrógrada? Nossa lei prevê o mínimo e mesmo assim não se cumpre”. Para Marcos Fuhr, a estratégia deve ser a resistência à implementação da nova legislação trabalhista e o fortalecimento dos sindicatos, a defesa da unidade das categorias e a decisão coletiva sobre a sustentação financeira das entidades sindicais.

TERCEIRIZAÇÃO – No painel de encerramento do evento, o debate foi sobre terceirização como ameaça à Profissão Professor, com palestras da ministra do TST, Maria Helena Malmann, da professora do Instituto Federal Sul-Riograndense – Pelotas, Cleoni Maria Barbosa Fernandes, e da economista e pesquisadora do Cesit/IE – Unicamp, Marilane Oliveira Teixeira. A economista recuperou o histórico da investida empresarial, desde a década de 1990, para consagrar a terceirização geral.

“Paralela à terceirização, vem com a reforma trabalhista a possibilidade do contrato intermitente e o regramento do teletrabalho, que pode atingir o professor de EaD”, alertou a ministra do TST, Maria Helena Malmann.

ENTREVISTA | Delaíde Miranda Arantes – A fraude e o prejuízo ao trabalhador não prevalecerão

EXTRA CLASSE – A senhora afirmou que a reforma trabalhista é uma lei ordinária no contexto normativo. O que significa?
Delaíde Arantes – Isso significa que várias disposições da lei da reforma não se aplicam na prática. Isso porque a proteção do trabalhador está na natureza do Direito do Trabalho e até na proteção dos direitos humanos. Para interpretar essa lei da reforma vamos precisar evocar a proteção internacional, a dignidade da pessoa humana, a valorização do trabalho etc. Quer dizer, todos os princípios que estão protegidos nas normas internacionais, na Constituição Federal e no ordenamento jurídico. Tudo dentro da lei da reforma que não tiver essa compatibilidade com o sistema jurídico democrático não é aplicado.

Foto: Igor Sperotto

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EC – Em que outros aspectos a lei da reforma é incompatível com o ordenamento jurídico?
Delaíde – Em vários aspectos. Ainda estamos estudando, mas eu diria que (é incompatível) com tudo. No que eu concordo com a reforma trabalhista? Que quando o TST for rever sua jurisprudência, que a sociedade seja convocada, as confederações, a OAB, que se amplie o diálogo, porque isso está dentro do que eu sempre defendi, que é a aproximação da sociedade com o Judiciário.

 EC – O debate que o governo não fez.
Delaíde – O debate. Justamente. O Judiciário é meio fechado, né? E isso é uma tradição do Judiciário brasileiro, não é que ele queira ser fechado. Vai precisar se  aproximar mais da sociedade. Nesse ponto, tem alguma coisa na reforma que é compatível com o nosso ordenamento? Tem. Mas diria que ela tem muito de incompatível. E vai caber ao operador do Direito decidir. Perante a Constituição, a CLT e os tratados internacionais, ela é uma lei isolada. Não é uma legislação trabalhista.

EC – Isso é consenso no Judiciário trabalhista?
Delaíde – Aí é um processo de conquistas. Tem setores da magistratura que comungam com esse pensamento. Mas há juízes que têm se manifestado no sentido de que consideram a lei trabalhista uma grande conquista e pode ser que a interprete fora de contexto. Assim como é um longo processo para o advogado, para a representação sindical, na magistratura também é. Haverá posicionamentos divergentes. O que eu digo não é unanimidade e nem haveria de ser, porque a magistratura tem independência para interpretar.

EC – Mas a lei da reforma também impõe um vácuo para a magistratura. Isso não deve pesar na hora de interpretar?
Delaíde – Com certeza haverá uma forte corrente que eu espero que seja majoritária por causa do papel da Justiça do Trabalho. A reforma esvazia a Justiça do Trabalho. O ministro Vieira de Melo Filho participou de uma audiência pública na OAB antes da aprovação da reforma. Ele dizia que a reforma aprovada tal qual colocada extingue a Justiça do Trabalho em cinco anos. Porque a tática da lei da reforma é a prática do sufocamento. E aí você vê os efeitos. O que acontece? Publica a lei, uma semana depois já vem um deputado e diz ‘não, a Justiça do Trabalho não precisa dessa verba toda. Vamos cortar no orçamento’.

EC – A lei será aplicada sobre contratos atuais? Quando seus efeitos serão sentidos?
Delaíde – Na minha previsão vai ser muito sentido no curto prazo e tem uma discussão do direito material sendo travada sobre se aplica de imediato aos contratos em curso. O advogado trabalhista gaúcho Victor Russomano Junior, filho do falecido Mozart Victor Russomano, que foi ministro do TST, é um ferrenho defensor da reforma trabalhista. Ele declara que a reforma alcança os contratos em curso. Nós defendemos que não alcança.

EC – Por quê?
Delaíde – Porque a lei vem para prejudicar, a CLT continua em vigor, os artigos 468º e 9º da CLT continuam em vigor. O que isso significa? O que for fraude não prevalece e o que for para prejudicar o trabalhador também não prevalece. Então, quem tem o seu contrato na vigência da lei anterior tem o seu contrato preservado sob a égide da legislação anterior. Só se aplica aos que forem contratados depois de novembro.

EC – Os golpes de Estado no Brasil sempre vêm acompanhados desse tipo de investida contra as garantias individuais, o conjunto de direitos sociais e trabalhistas, as instituições, o Judiciário. Isso é recorrente ou a era Temer está fora da curva?
Delaíde – Não é um ponto fora da curva não. Eu considero que é cíclico mesmo. Mas veio de uma forma muito mais ousada. Por que é uma tentativa de retorno ao século 19. Nem a ditadura militar tentou aviltar assim a CLT ou atentar contra a representação sindical. Veio com muita força. A carta-testamento do Getúlio Vargas nunca foi tão atual.

EC – Mas parece que as elites se sentem mais contemporâneas com esse retrocesso ao século 19 não?
Delaíde – Perceba que o segmento da elite que investe na reforma trabalhista é o mesmo que era contra a abolição da escravatura, é o mesmo que se insurgiu contra a instituição da CLT em 1943, é o mesmo que na Constituição de 1988 dizia “acabaram os empregos, agora as empresas não podem contratar mais ninguém com tanta garantia”. É o mesmo que, quando da aprovação da lei que iguala direitos das trabalhadoras domésticas, a emenda 72, em 2011, dizia que as empregadas domésticas não teriam mais emprego, que aquilo era um absurdo… É o mesmo setor da elite. No Senado, nós tínhamos a defesa intransigente da reforma trabalhista pelo senador Tasso Jereissati. Ele representa esse segmento da grande elite. É grande empresário. E essa reforma foi feita para eles. Você pega os grandes demandantes da Justiça do Trabalho não tem nenhuma micro e pequena empresa. E esse segmento rico que é composto de no máximo 200 empresas se contrapõe ao direito de 100 milhões de trabalhadores. Então, os ricos vão ficar cada vez mais ricos e os trabalhadores cada vez mais pobres. Mas essa é a sociedade que eles visualizam, que eles almejam.

EC – A população tem consciência do que está acontecendo?
Delaíde – As dificuldades para a conscientização são enormes. A começar pelo fato de que 83% dos brasileiros se informam unicamente pela televisão, e desses, 71% o fazem através da Rede Globo. A Globo, que apoia todas as reformas. Quer dizer, não, a massa não sabe. A abolicionista norte-americana Harriet Tubmann (nascida Araminta Ross, 1822-1913) tem uma frase que sintetiza muito bem a nossa realidade: “Libertei mil escravos. Poderia ter libertado outros mil se eles soubessem que eram escravos”.

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