Escolas têm prazo para se adequar e incluir estudantes com deficiência
Foto: EMEF Bruno Agnes/ Divulgação
Por lei, todas escolas particulares e públicas têm de se adaptar e criar condições para oferecer acesso e educação de qualidade a estudantes com deficiência. A legislação não é nova, a diferença é que agora as escolas particulares estão sendo monitoradas para que todas atendam à demanda a partir do próximo ano letivo. O acompanhamento é feito pela promotora Danielle Bolzan Teixeira, titular da Promotoria de Justiça Regional de Educação de Porto Alegre (RS), que em 2016 instaurou um Procedimento Administrativo Permanente.
No Procedimento, o Ministério Público (MP) recomenda, entre outras medidas, que todas as escolas privadas de Porto Alegre contratem pelo menos um profissional professor responsável pelo Atendimento Educacional Especializado, bem como profissionais de apoio para estudantes que necessitarem, sem cobrança de taxas extras, e que instalem uma Sala de Recursos Multifuncionais para uso no turno inverso.
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O acompanhamento do MP será feito durante quatro anos para verificar o cumprimento das normas, sendo que no final deste período todas as escolas serão vistoriadas. Os estabelecimentos que não apresentarem evolução poderão ser investigados em um inquérito civil público, com a possibilidade de fazer um Termo de Ajustamento de Conduta em que é previsto multa em caso de descumprimento, ou serem demandados judicialmente em ação civil pública para a adequação. Mas a intenção não é penalizar as escolas, e sim auxiliá-las, explica a promotora. Para fazer a adequação, muitas escolas têm buscado o diálogo com o meio acadêmico e com representantes de entidades de atendimento a pessoas com deficiência. “É um processo de formação de cultura, em que todo mundo ganha”, afirma Danielle. Outras promotorias do interior do Estado também têm feito um trabalho intenso para garantir a inclusão com qualidade.
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Estas medidas coincidem com as considerações do Parecer elaborado pelo Núcleo de Estudos sobre Inclusão de Alunos com Deficiência nos Estabelecimentos de Ensino Privado do RS (Niad) do Sindicato dos Professores (Sinpro/RS) sobre a Lei 13.146/2015, conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência. Entre outras considerações, o Niad recomenda aos estabelecimentos de ensino promover a reelaboração de seu projeto pedagógico com adaptações curriculares para atender as demandas e limitações cognitivas dos estudantes. Considera ainda que as escolas devem organizar suas turmas com, no máximo, três alunos e alunas com necessidades especiais, observando a semelhante limitação de aprendizado, sendo que as turmas regulares devem ter, no máximo, 20 estudantes na pré-escola, 20 nos anos iniciais do ensino fundamental e 25 nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio. Se houver diferentes limitações de aprendizado, poderão inserir até dois estudantes com deficiência em cada turma. Além disso, o corpo docente precisa dispor de tempo para preparar as aulas, incluindo as avaliações, que devem ser específicas.
O Niad surgiu em 2016 para pensar estratégias e cobrar das escolas condições para a inclusão com qualidade, já que o Sinpro/RS recebia demandas de professores que tinham estudantes com deficiência em suas turmas e não sabiam como lidar com as diferenças. Os sentimentos variavam entre impotência, raiva, angústia. “O NIAD visitou promotores em várias regiões do Estado e encontrou muita receptividade para que, se for o caso, abram procedimentos e demandem o cumprimento das recomendações”, informa Cecília Farias, diretora do Sinpro/RS e integrante do NIAD.
Cecília diz que o Sinpro/RS está empenhado em contribuir para que professores e professoras não se sintam tão solitários/as nesse trabalho. Entende que não tiveram a formação adequada nos cursos superiores e que precisam contar com formação continuada nas escolas. “É muito importante o envolvimento da comunidade escolar para que possamos de fato incluir estudantes”, observa.
Para cada estudante, a escola que lhe é necessária
Se hoje Caetano de Freitas Borges Dorneles, 19 anos, está dentro da escola – e, portanto, fora das estatísticas de exclusão – foi graças ao empenho de seus pais, ambos professores. Eles descobriram muito cedo que o maior obstáculo de Caetano para estudar não era ter Síndrome de Down ou Transtorno do Espectro Autista, mas encontrar estabelecimentos de ensino adaptados às suas necessidades à medida que foi crescendo. Começou a estudar com um ano e meio em uma escola particular em Uruguaiana que tinha experiências inclusivas. Paralelamente, fazia fonoaudiologia e fisioterapia na Apae. Quando a família se mudou para Porto Alegre, seguiu estudando na rede metodista, onde os pais trabalhavam, e começou a fazer acompanhamentos terapêuticos no centro Lydia Coriat.
Cursando o ensino fundamental em um colégio da rede la sallista, Caetano alfabetizou-se, mas, ao chegar ao sexto ano, deixou de ter uma professora de referência. Sua mãe percebeu então que os demais professores das diferentes áreas do conhecimento não estavam preparados para trabalhar com as necessidades de aprendizagem do filho e de outras crianças com deficiência intelectual.
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“Neste período, nos anos finais do ensino fundamental, fomos muitas vezes interpelados pela equipe pedagógica se acreditávamos que ele iria conseguir acompanhar os estudos no ensino médio”, conta Simone Silva Dorneles, que é pedagoga, assessora a Comissão de Ensino Fundamental do Conselho Municipal de Educação e integra o Fórum pela Inclusão Escolar. Ela pondera: “Esta questão está relacionada aos paradigmas epistemológicos de desenvolvimento e aprendizagem humanos, às concepções político-pedagógicas e à formação docente, e não às possíveis condições do público-alvo da educação especial. A problemática é didática, pois seguimos acreditando, desde o século XVI, na arte universal de ensinar tudo a todos”.
Na procura por outras escolas privadas, Simone esbarrou em desculpas como “não temos mais vagas”, ou “já temos o número de estudantes com deficiência definidos por turmas para o próximo ano letivo”. Encontrou acolhida para o filho no ensino médio do Colégio Estadual Piratini em que estudam outros adolescentes com Síndrome de Down. Caetano frequenta no contra turno a Sala de Integração e Recursos na Escola Estadual General Daltro Filho, no mesmo bairro onde moram.
“Acredito que parte da resistência das escolas privadas acontece porque, segundo as normativas orientadoras dos Sistemas Nacional e Estadual de Ensino, um estudante da educação especial corresponde a duas matrículas em cada turma, e isso, nas instituições privadas de ensino, significa reduzir uma vaga para outro aluno pagante”, observa. Nessa lógica, para as escolas particulares é a perda de um cliente; diferente da concepção da rede pública, em que os alunos e alunas são tratados como cidadãos, porque a educação é um direito, e não simplesmente uma prestação de serviço, critica Simone. Participando do Fórum pela Inclusão Escolar, ela luta para mudar essa realidade. Criado há cerca de 10 anos, o Fórum reúne entidades públicas e privadas para discutir políticas de qualificação das práticas inclusivas no município de Porto Alegre.
Enquanto isso, Caetano vai colecionando sorrisos quando participa das atividades com os colegas e recebe a atenção de profissionais qualificados. Perfeitamente integrado, ele já foi o noivo da roça na festa de São João, fez as vezes de ator e participou da Mostra Científica com seus colegas. “Caetano adora o Colégio”, observa Simone. E o Colégio todo aprende com Caetano.