STF recua e Escola sem Partido avança
Foto: Nelson Jr./SCO/STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) não deve apreciar na próxima quarta-feira, 28 de novembro, a constitucionalidade da lei estadual de Alagoas conhecida como ‘Escola Livre’, uma versão local do projeto nacional do ‘Escola sem Partido’. Oficialmente, o que motiva o possível adiamento é o fato de o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, ter incluído na pauta da sessão do dia 28 a ação que questiona o indulto de Natal concedido pelo presidente Michel Temer no ano passado. O julgamento do indulto começou na quarta passada, mas foi suspenso por Toffoli, que o transferiu para a próxima semana. Apesar de na manhã desta sexta-feira, 23, o julgamento do ‘Escola Livre’ seguir previsto na pauta do dia 28, na prática, Toffoli ainda deve conversar com o relator do processo, ministro Luís Roberto Barroso, e definir se a Corte aprecia a matéria neste ano.
Toda a movimentação ocorre em meio à pressão para que o STF deixe o debate do ‘Escola sem Partido’ para o Congresso e a movimentos de Toffoli no sentido de frear a atuação política do tribunal. De público, em mais de uma ocasião, ele vem salientando que o Executivo e o Legislativo devem retomar seu protagonismo na política. O muito provável adiamento da análise da matéria no STF acontece ainda na mesma semana em que Jair Bolsonaro (PSL) anunciou o colombiano naturalizado brasileiro Ricardo Vélez Rodríguez, professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, como futuro ministro da Educação. Rodríguez é defensor ardoroso do ‘Escola sem Partido’, que considera uma “providência fundamental”; avalia que o golpe civil militar de 1964 deve ser comemorado por ter evitado uma “ditadura comunista”; e acredita que nas últimas décadas o sistema de ensino no país está “afinado com a tentativa de impor, à sociedade, uma doutrinação de índole cientificista e enquistada na ideologia marxista, travestida de ‘revolução cultural gramsciana’”. A confirmação de Rodríguez se deu na noite de quinta, para aplacar a crise desencadeada na transição de governo de Bolsonaro na quarta (mesmo dia da sessão do STF), quando os aliados evangélicos rechaçaram com fúria o convite que havia sido feito ao diretor do Instituto Ayrton Senna, Mozart Neves Ramos, para o ministério.
Agora, se o adiamento da apreciação do ‘Escola Livre’ no STF se concretizar, pode atrapalhar a estratégia que vem sendo utilizada na Câmara dos Deputados por parlamentares e movimentos sociais que se opõem ao avanço do ‘Escola sem Partido’. Nas articulações sobre a tramitação do projeto na Câmara, os parlamentares contrários adotaram a estratégia de protelar a votação do texto na Comissão Especial que trata da proposta, de forma que a decisão do STF acontecesse antes de uma definição no Parlamento, o que serviria para esvaziar as pretensões daqueles que tentam aprovar o projeto. Também na quinta (22), o parecer do relator, deputado Flavinho (PSC/SP), foi lido na Comissão. Um pedido de vista coletivo impede que a comissão volte a se reunir antes de realizadas duas sessões do plenário. Isso significa que nova reunião da comissão pode acontecer na quinta, 29 (depois da sessão do STF), com os deputados votando o texto. Como a matéria é conclusiva, pode seguir direto para o Senado, sem passar pelo plenário. É o que seus defensores tentam fazer acontecer. Enquanto isso, os contrários vão tentar barrar o atalho por meio de expedientes também previstos no regimento.
A partir de 20 de dezembro começa o recesso do STF, que só retoma os trabalhos em 2019. A Câmara dos Deputados também, na prática, entra em recesso no dia 20. Salvo em caso de convocação extraordinária, o que não for apreciado até lá fica para os parlamentares eleitos em 7 de outubro.
No Estado, MPF recomenda que instituições garantam liberdade de aprender e ensinar
Frente aos relatos constantes de pressões e tentativas de constrangimento por parte de defensores do ‘Escola sem Partido’, o Ministério Público Federal (MPF), por meio da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), decidiu realizar uma ação coordenada em todo o território nacional, de forma a prevenir e impedir danos. No Rio Grande do Sul, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) expediu recomendação a seis instituições federais de ensino, para que “se abstenham de qualquer atuação ou sanção arbitrária em relação a professores, com fundamento que represente violação aos princípios constitucionais e demais normas que regem a educação nacional, em especial quanto à liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber e ao pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, adotando as medidas cabíveis e necessárias para que não haja qualquer forma de assédio moral em face desses profissionais, por parte de servidores, professores, estudantes, familiares ou responsáveis.”
A recomendação foi endereçada à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), ao Colégio de Aplicação da Ufrgs, ao Colégio Militar de Porto Alegre, à Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), ao Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) e ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul Rio-grandense. Nas quatro páginas do documento, a PRDC elenca 13 considerações. Entre elas, a lembrança de que a conduta de assédio moral “atenta contra direitos indisponíveis da pessoa humana, violando, notadamente, seus direitos a dignidade, honra, liberdade, autodeterminação e saúde”. O expediente chama ainda a atenção para o fato de o capítulo da Constituição Federal reservado à Educação estabelecer que ela “visa ao pleno desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania – e não apenas sua qualificação para o trabalho”. Além da Constituição, a recomendação aponta a necessidade de cumprimento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e do Programa Nacional de Educação. E destaca que “a conduta de assédio organizacional configura-se não apenas pela postura ativa de instituições em promover a prática de assédio, mas também por sua omissão no combate efetivo a tais práticas.”
“Do ponto de vista normativo, nada se alterou. Mesmo assim, há uma sensação de que teriam ocorrido alterações, o que passou a gerar atitudes de assédio, constrangimento e censura. A finalidade da Procuradoria, portanto, é indicar que a realidade deve voltar à normalidade. Concretamente, aqui no Estado houve uma denúncia, que estamos apurando. Só que cabe não apenas impedir o dano, mas também que a ameaça de dano ocorra”, explica o procurador-regional dos Direitos do Cidadão no RS, Enrico Rodrigues de Freitas. Na avaliação do procurador, o plenário do STF ‘avalizar’ o entendimento de que a lei alagoana é inconstitucional ainda em 2018 tranquilizaria a questão. Ele ressalva, contudo, que já existem diversas decisões da Corte, em caráter liminar ou definitivo, que barram tentativas de censura em sala de aula ou que atentem contra a liberdade de cátedra.
Datada de 5 de novembro, a recomendação da Procuradoria foi divulgada nesta semana. Ela estabelece prazo de 20 dias para que as instituições respondam se acatarão as indicações e demonstrem a adoção de medidas. Em tese, o prazo expira em 26 de novembro, mas será alargado até o início de dezembro, de forma a contabilizar só dias úteis.