EDUCAÇÃO

Corte no orçamento ameaça Instituto Federal do RS

Referência no ensino público e gratuito no estado, a instituição opera no limite, com recursos suficientes apenas para a manutenção de contratos até o final do ano
Por Gilson Camargo / Publicado em 9 de outubro de 2019
No campus Restinga, falta de recursos já atinge projetos de agricultura familiar que beneficiam alunos e a comunidade

Foto: Igor Sperotto

No campus Restinga, falta de recursos já atinge projetos de agricultura familiar que beneficiam alunos e a comunidade

Foto: Igor Sperotto

Bloqueio e indefinição causada pela liberação fracionada do orçamento ameaçam as atividades do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS). Referência no ensino técnico e superior público e gratuito no país, a instituição mantém 23 mil estudantes – da educação básica (cursos técnicos integrados ao ensino médio) ao ensino superior – em 17 campi no estado. O corte de R$ 18,5 milhões do orçamento em abril deste ano comprometeu o pagamento de despesas de manutenção, projetos de ensino, pesquisa e extensão e assistência estudantil. A liberação de parte dos recursos no final de setembro assegura apenas a manutenção de contratos até o final do ano

O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) vivia um impasse até o final de setembro com a previsão de suspender suas atividades a partir de outubro devido à falta de recursos. A instituição foi duramente atingida com o corte de 30% do orçamento – determinado pelo Ministério da Educação em 30 de abril e que atingiu 60 universidades e quase 40 institutos federais em todos os estados. No dia 30 de setembro, o MEC anunciou o desbloqueio de R$ 1,156 bilhão, ou 58% do corte que atingiu todas as instituições federais. A liberação contemplou seis universidades federais e três institutos de educação no RS. O IFRS recebeu R$ 8,4 milhões dos R$ 18,5 milhões bloqueados do total do seu orçamento de R$ 61,833 milhões para o ano, e o limite para empenho passou de 65% para 80% do orçamento. Longe de garantir o funcionamento pleno da instituição, os recursos ao menos afastaram o risco de paralisação imediata. “Com este novo cenário, conseguimos apenas a manutenção dos contratos continuados e dos benefícios da assistência estudantil até o final do ano. Porém, os impactos permanecem, pois com o valor que foi liberado conseguimos apenas nos manter funcionando, mas apenas isso”, avalia a pró-reitora de Administração, Tatiana Weber.

Com 17 campi em 16 municípios gaúchos, a instituição atende a 23 mil estudantes, com mais de 200 opções de cursos técnicos de nível médio, de graduação, especializações e mestrados profissionais. Referência em educação pública e gratuita, a instituição foi atingida em cheio pelos incessantes ataques do governo federal à educação pública e, também, em virtude do bloqueio do orçamento. Relacionado entre as melhores universidades do mundo pelo Centro de Classificações Universitárias Mundiais (CWUR), o IFRS aparece na posição 1.460 em nível mundial e é a 35ª colocada entre as instituições brasileiras. Quase um terço dos seus estudantes é beneficiado por políticas assistenciais estudantis, e 60% têm renda familiar de até três salários mínimos. Em setembro, devido à falta de verbas, a instituição não pagou a integralidade do auxílio-moradia e do auxílio-permanência. Os 5 mil alunos beneficiados receberam somente 83,67% dos recursos. Os benefícios da assistência estudantil seriam normalizados a partir de outubro, com a liberação de parte dos recursos contingenciados, mas somente até dezembro. Ainda permanecem bloqueados R$ 10,091 milhões, o que corresponde a 16,32% do orçamento.

PREJUÍZOS – O bloqueio de 30% do orçamento até setembro atingiu projetos de pesquisa e extensão desenvolvidos pelos alunos e comprometeu o funcionamento de diversos campi, a exemplo do de Bento Gonçalves. Referência na serra gaúcha, o IFRS Bento perdeu R$ 1,5 milhão do seu orçamento de R$ 4,75 milhões. O corte inviabilizou o cronograma previsto para o ano e comprometeu o pagamento de serviços básicos, como limpeza, vigilância, energia elétrica, água e alimentação para os alunos no segundo semestre. Na fazenda-escola de 76 hectares gerida pela instituição em Tuiuty, os diversos animais mantidos no local só não morreram à míngua por iniciativa de alunos e professores. “Esse corte inviabiliza que a instituição siga funcionando”, previa a diretora Soeni Bellé em abril, quando o governo anunciou os cortes nas federais.

No início de setembro, o MEC havia liberado R$ 614,4 milhões de limite de empenho para 115 institutos e universidades federais para manutenção e custeio, com prioridade para despesas com água, energia elétrica, vigilância, limpeza, terceirizados em geral, aluguéis, assistência estudantil e funcionamento de restaurantes universitários. A maior parte dos valores, R$ 376,7 milhões, foi repassada às universidades federais. Já a rede federal de educação profissional, científica e tecnológica recebeu R$ 162 milhões na ocasião. Em nota, o MEC condiciona a liberação do orçamento da educação ao desempenho da economia: “Na expectativa de uma evolução positiva nos indicadores fiscais do governo, o Ministério da Educação vem articulando com o Ministério da Economia a possibilidade de ampliação dos limites de empenho e movimentação financeira a fim de cumprir todas as metas estabelecidas na legislação para a Pasta. Caso o cenário econômico apresente evolução positiva neste segundo semestre, os valores bloqueados serão reavaliados”. A liberação de fato ocorreu no final de setembro, mas para algumas instituições, de qualquer forma, não será possível recuperar o que deixou de ser feito nesses nove meses de vacas magras.

Em agosto, o Colégio de Dirigentes do IFRS decidiu que o orçamento deixaria de ser distribuído de forma proporcional aos campi e passaria a garantir somente os contratos prioritários até outubro – prazo agora estendido até dezembro. “Para além do bloqueio, estamos sofrendo com uma liberação gradual da autorização para utilização do orçamento”, revela a pró-reitora. A liberação de 65% de limite para empenho até setembro, ampliada agora para 80%, compromete o Instituto. “O necessário para o funcionamento a pleno da instituição é 100% do orçamento, de forma a garantir a qualidade das nossas atividades de ensino, pesquisa e extensão”, explica Tatiana – que substitui o reitor Júlio Xandro Heck até o início de novembro em virtude das eleições na instituição.

Maria Eduarda e a professora Flávia, do campus Osório: solução que impede a proliferação de pinus e protege a flora nativa

Foto: IFRS/ Divulgação

Maria Eduarda e a professora Flávia, do campus Osório: solução que impede a proliferação de pinus e protege a flora nativa

Foto: IFRS/ Divulgação

BALBÚRDIA – A preservação e a recuperação do meio ambiente são temas frequentes nos projetos de pesquisa, ensino e extensão do IFRS nos mais variados cursos – atividades que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, qualificou como “balbúrdia” e “bagunça” para justificar o corte no orçamento das federais.

Em 2016, o projeto BioPatriam – Preservação da biodiversidade através de planta nativa brasileira, da então estudante do campus Osório Maria Eduarda de Almeida, sob a coordenação da professora Flávia Twardowski, desenvolveu um extrato que inibe a germinação das sementes do Pinus elliottii, espécie invasora que compete com as nativas e interfere na fertilidade do solo. O projeto recebeu diversos prêmios e estava em fase de extensão tecnológica para chegar ao conhecimento dos produtores rurais quando a instituição teve os recursos bloqueados. Outra pesquisa que ilustra bem a produção científica do IFRS é um aplicativo que incentiva o aleitamento materno, desenvolvido por estudantes e professores de Osório. O projeto é um dos finalistas do prêmio da Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social 2019. No campus Ibirubá, uma parceria com a UFSM (Salto do Jacuí) reduz os efeitos de erosão e aumenta a vida útil da barragem, além de conservar os solos para as lavouras. Outra das inúmeras iniciativas que podem ir por água abaixo é o plantio de espécies nativas para restaurar as matas ciliares e pequenas propriedades rurais de Vacaria.

Cortes atingem bolsistas e comunidade, diz Simone, bolsista do projeto de agricultura urbana do campus Restinga

Foto: Igor Sperotto

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Foto: Igor Sperotto

AGROECOLOGIA – Com cinco cursos técnicos integrados ao ensino médio e EJA e cinco cursos superiores, o IFRS Restinga mantém 1,1 mil alunos nos três turnos, 62 bolsistas e 33 projetos de pesquisa. O cultivo de hortas agroecológicas e a preparação do solo para a produção de alimentos são dois projetos de agricultura urbana que ficaram sem recursos para o custeio das bolsas dos estudantes. Faltam botas e outros equipamentos de proteção para os alunos, os próprios professores estão pagando pelas sementes, mudas e insumos, e os planos de construir uma estufa e uma composteira foram adiados, relata o professor Jovani Zalamena, coordenador do curso Técnico em Agroecologia. Os estudantes são, na sua maioria, moradores pobres da periferia, que dependem da bolsa para se sustentar, e o seu trabalho beneficia com hortas comunitárias a parcela mais desassistida do terceiro maior bairro de Porto Alegre. “Esses projetos representam muito, não só para os alunos, mas para toda a comunidade, as escolas públicas e centros de referência onde os bolsistas fazem oficinas sobre preparação do solo e plantio e ajudam a desenvolver hortas comunitárias”, diz a estudante Simone Moreira, 45 anos. “Aqui, comemos hortaliças todos os dias graças à Horta Comunitária que construímos em 2018, com a consultoria dos alunos da Agroecologia do IFRS”, afirma Francine Guntzel, coordenadora do projeto no Centro de Referência de Assistência Social Restinga. “O cultivo proporciona aos usuários em situação de vulnerabilidade social condições de alimentação, empoderamento e fortalecimento das famílias e a ideia de sustentabilidade”, explica.

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