Professores denunciam desmonte da Faculdade de Arquitetura da UniRitter
Foto: Acervo João Alberto da Fonseca/ Divulgação
A Associação dos ex-Docentes da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de Porto Alegre (AeDFaupa) formalizou denúncia ao Ministério Público Federal sobre o descumprimento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de dispositivos constitucionais e da legislação trabalhista pela Laureate International Universities.
O grupo educacional mantém no Rio Grande do Sul a Fadergs e, em 2010 adquiriu a UniRitter, que por sua vez comprou, em 2014, a Faculdade Porto-Alegrense (Fapa). A denúncia ressalta que a multinacional mantém ações em bolsa de valores, o que evidencia o “caráter puramente mercantilista do seu projeto educacional” que, aponta, incorre em diversas irregularidades e desacordos com uma educação de qualidade.
“Esse documento é mais que uma denúncia. É um alerta para os que têm a responsabilidade de fiscalizar, zelar, prestigiar e valorizar a formação dos arquitetos e urbanistas, sobre o conjunto relevante de distorções, impropriedades e ilegalidades praticadas atualmente pela UniRitter – Laureate International Universities”, ressalta a AeDFaupa em nota do colegiado.
Após mais de 40 anos dedicados à excelência no ensino da Arquitetura no Sul, detalha o comunicado, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do UniRitter, assistiu, a partir de 2011, o desmonte de uma das melhores experiências de ensino do país. “Com a venda da instituição, iniciou um progressivo processo de destruição que culminou, em 2017, com a demissão em massa dos tradicionais professores do Centro Universitário Ritter dos Reis”.
Ao denunciar as irregularidades e atentado ao patrimônio arquitetônico cultural brasileiro, Associação de ex-docentes “espera abrir, entre o meio acadêmico, entidades e a opinião pública, um debate sério e responsável sobre o ensino de arquitetura no Brasil”, destaca.
A entidade recebeu notas de apoio da Escola da Cidade (SP) da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (Asbea) e do Sindicato dos Arquitetos do Estado do Rio Grande do Sul (Saergs).
A Procuradoria da República no RS informou que as denúncias foram desmembradas em dois procedimentos, um para apurar possíveis irregularidades na Faculdade de Arquitetura da Unirriter e outro para apurar eventuais danos ao patrimônio cultural arquitetônico do RS. O procedimento está em fase de instrução. A UniRitter informou que já forneceu todas as informações ao MPF.
Na denúncia encaminhada à Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, os ex-docentes da Fau e da UniRitter apontam que, após a aquisição, houve uma conversão do interesse público ao lucro na UniRitter que, de instituição educacional, foi transformada em empresa lucrativa. “Num crescendo que culmina em 2017, dentro da Fau, mediante excessiva mercantilização do ensino, revelada, entre outras preocupantes facetas, pelo aviltamento do trabalho docente e da qualidade do ensino, regiamente pago por alunos que ainda acreditam estar ingressando nos umbrais da antiga Faculdade de Arquitetura, hoje integralmente descaracterizada”.
A partir de 2015 até o final de 2017, quando 130 professores foram demitidos, os docentes mais antigos e mais titulados da Faculdade de Arquitetura eram obrigados, “mediante pressão muito mal disfarçada, a preencher aulas que não foram ministradas para garantir carga horária mínima ao curso, burlando a legislação, o que passou ocorrer ao fim de cada semestre. “Por orientação impositiva da Fau-Laureate, de que os professores preenchessem no calendário aulas fictícias, aulas que nunca foram fornecidas, tampouco assistidas pelos alunos, visando fornecer aparência de cumprimento de carga horária mínima exigida pelo MEC”.
De acordo com a denúncia, o professor que se negasse a cumprir essa determinação sofria pressão velada e não conseguia encerrar o semestre. As “horas de aula” eram, na verdade “trabalhos de campo” que nunca ocorriam de fato.
Not available
Defesa do TCC e participação no Enade
Os professores da Faculdade de Arquitetura, de acordo com o relato, também eram obrigados a isentar os alunos da defesa dos seus trabalhos de conclusão de curso, “tarefa discente que constituía o ponto forte da atividade docente do Curso, sendo o arremate através do qual o corpo docente assumia e garantia a responsabilidade de graduar um profissional competente na sensível área de atuação arquitetônica”, destaca o documento.
Visando economia de custos com os professores, a Fau-Laureate, descrevem os autores, suprimia a apresentação em troca da participação dos alunos no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), “visando a maior visibilidade mercadológica da Escola, ainda que feita às expensas da perda de sua qualidade interna”.
Além disso, a participação dos professores em banca de trabalhos deixou de ser remunerada. “Pior que isso, à semelhança dos comerciantes inescrupulosos que anunciam mercadoria de qualidade, mas entregam “gato por lebre”, essa forma de ensino segue sendo prevista nas Diretrizes Curriculares da FAU”, denunciam.
Destruição de acervos e ensino a distância
Not available
Not available
“Algumas práticas introduzidas na Laureate dão bem o caráter das alterações, em que a qualidade se transformou em objeto de extermínio, trocada por lucro fácil e ensino ‘facilitário’”, apontam.
O documento descreve a disseminação do EaD fora dos padrões praticados, em cursos de tradicional natureza presencial como o da Arquitetura, com absoluta ausência de definições que permitam avaliar a pertinência da modalidade, como seria o caso de projeto arquitetônico, praticamente impossível de ser lecionado a distância, sem uma interação direta entre docente e discentes, na sua concepção e desenvolvimento.
“Essa forma de ‘ensinar’ acarretou manifesta censura das entidades representativas da profissão, como o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU-BR), Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB); Federação Nacional de Arquitetos (FNA) e Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura (ABEA)”, alerta.
Também é relacionado o aviltamento da qualidade didática: “abandono, pela Laureate dos critérios da boa relação entre quantidade de alunos, professores e carga horária correspondente, visando à qualidade do ensino, resultando em salas de aula abarrotadas com turmas com mais de cem alunos, trocas de horários ou mesmo de “campus” impostas aos alunos como única alternativa, extinção de turnos oferecidos à comunidade acadêmica e cancelamento de turmas com menor número”.
Um caso emblemático apontado ao MPF são as alterações da sistemática do trabalho de conclusão do curso (TFG), atividade que ressaltava a excelência do curso: “uma Comissão permanente de docentes organizava o processo, assessorava os estudantes e participava das avaliações, com docentes escolhidos pela afinidade didático pedagógica”.
A Comissão foi extinta, ressalta, não havendo carga horária disponível para os estudantes serem orientados conjuntamente, a carga dos orientadores foi diminuída, as bancas pulverizadas em composições múltiplas sem qualquer unidade ou critério de avaliação e as turmas abarrotadas por alunos isentos de pré-requisitos”.
A AeDFAUPA destaca que a Laureate demitiu professores mais antigos e titulados da Arquitetura que sempre se opuseram ao novo horário reduzido, “numa tentativa de impor essa redução e, ao mesmo tempo, ‘baratear’ a folha de pagamentos, o que foi feito de maneira profundamente desrespeitosa, insinuando desatualização didática e profissional, como acabou sendo reconhecido, em sentença e acórdão, pela Justiça do Trabalho de Porto Alegre e Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região”.
Os ex-docentes relacionam ainda a redefinição e padronização dos currículos em todas as unidades da Laureate sem a participação dos docentes, o desaparecimento do acervo da “Arquitetura de Concursos”, a transformação da biblioteca da FAU, que contava com um dos melhores e mais organizados acervos de livros sobre Arquitetura do país, em mero depósito de livros, dificultando acesso e inviabilizando pesquisa, além de apontarem o sucateamento de outros acervos e ferramentas de apoio aos alunos da Faculdade de Arquitetura.
ACERVO – Dentre os danos materiais ao patrimônio cultural arquitetônico e de estudos arquitetônicos, os ex-professores citam o desaparecimento do acervo da Arquitetura de Concursos, a descaracterização da biblioteca, transformada em depósito de livros com indexação precária que dificulta a pesquisa, bem como o abandono do acervo dos Trabalhos Finais de Graduação.
Diversos acervos históricos da arquitetura desapareceram ou foram desativados, segundo a denúncia, a exemplo do acervo João Alberto da Fonseca, que continha registros fotográficos da história da arquitetura no RS de 1950 a 1970, o Acervo Júlio Nicolau Barros de Curtis, que homenageia o criador da disciplina Arquitetura Brasileira na Ufrgs e colecionador que reuniu ao longo de sua vida artefatos, obras de arte, livros, slides e documentos relacionados à arquitetura brasileira que transformaram sua casa, na Praia de Belas, em um museu; e o Acervo Azevedo Moura & Gertum construtora dos principais edifícios de Porto Alegre até 1970.