MEC desiste de “prevenir e punir” atos nas universidades federais
Foto: Igor Sperotto
Em meio às manchetes sobre as falas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) como “chega de frescura e mimimi; vão ficar chorando até quando?” ou sobre seu sorriso na live semanal, enquanto se falava do aumento de suicídios durante a pandemia, várias outras notícias passaram despercebidas na última quinta-feira, 4.
Com intenção óbvia de tirar os holofotes da compra acintosa da mansão de R$ 6 milhões realizada pelo primogênito do clã presidencial, o senador Flavio Bolsonaro, – famoso pelo desvio de dinheiro das ‘rachadinhas’, quando era deputado estadual no Rio de Janeiro –, o chefe da família, pai Bolsonaro, também acabou, sem querer (querendo), por desviar também a atenção de grande parte da imprensa do que ocorria no Ministério da Educação (MEC), pasta comandada pelo ministro Milton Ribeiro.
Aos fatos. Depois de reações contrárias no Congresso, Ministério Público Federal (MPF) e na comunidade acadêmica, o MEC anulou um ofício datado de 7 de fevereiro, que orientava universidades federais a “prevenir e punir” atos políticos nas instituições.
Em novo documento, envidado aos reitores na noite da última quinta-feira, 4, o MEC se justifica dizendo que não havia no ofício original “quaisquer intenção de coibir a liberdade de manifestação e de expressão” nas instituições federais de ensino superior.
Cancelamento do ofício
“Informamos o cancelamento do ofício”, diz o texto, “por possibilitar interpretações diversas da mensagem a que pretendia”. O documento diz reforçar que o posicionamento da Secretaria de Educação Superior e do MEC é de “respeito à autonomia universitária preconizada na Constituição”.
Desta vez o comunicado foi assinado pelo secretário de Educação Superior, Wagner Vilas Boas de Souza. Já o documento anterior tinha a assinatura de Eduardo Gomes Salgado, que é diretor de desenvolvimento da rede de instituições federais do ministério, cargo hierarquicamente inferior
O ofício encaminhado às universidades, no dia 7 de fevereiro pelo MEC e que instruía “prevenir e punir atos político-partidários nas instituições públicas federais de ensino” foi baseado em recomendação de 2019 do procurador Ailton Benedito de Souza. Procurador bolsonarista e apoiador assumido do atual governo.
Caso da Ufpel
O caso ganhou maior visibilidade quando a CGU (Controladoria-Geral da União) abriu processos de investigação contra o ex-reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel , Pedro Hallal, e outro docente que se viram forçados a assinar termos de ajustamento de conduta para poder encerrar as investigações, baseadas em “manifestação desrespeitosa e de desapreço direcionada ao Presidente da República”.
Decisão do STF
Porém, no Supremo Tribunal Federal (STF) já existe decisão em ação finalizada em maio de 2020, pela inconstitucionalidade de “atos que atentem contra a liberdade de expressão de alunos e professores e tentativas de impedir a propagação de ideologias ou pensamento dentro das universidades”.
Reações no MPF
Um grupo de subprocuradores pediu, também nesta quinta, que a PGR (Procuradoria-Geral da República) enviasse ao ministro da Educação, Milton Ribeiro, defesa da liberdade de expressão nas universidades —no entendimento deles, a recomendação original da procuradoria de Goiás era isolada e não representava a integralidade do MPF. Leia a íntegra do documento que o Extra Classe teve acesso.
Em trecho do memorando do MPF consta o seguinte: “É necessário acentuar, (…), que, por expressa dicção constitucional, ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei” (CF, art. 5º, inciso VIII)”
No Congresso
Na quarta, 3, o líder da Minoria na Câmara, o deputado José Guimarães (PT-CE) já havia anunciado representação à PGR para que o ofício fosse revogado. O pedido se baseou no entendimento recente do STF sobre a liberdade de atos políticos nas instituições, assim como a reação dos subprocuradores.
Mantra presidencial
Bolsonaro e seus aliados não escondem em seus discursos e manifestações nas redes sociais e meios de comunicação, que as universidades seriam um “antro aparelhado pelas esquerdas”. Embora o atual ministro seja comedido, as falas dos ministros anteriores da pasta eram explícitas neste sentido.
Mesmo se chamar a atenção da mídia, o MEC, sob orientação do política presidente, em seus diversos escalões, tem atuado na escolha de reitores, preterindo os mais votados nas consultas internas em várias universidades. Bolsonaro também tentou emplacar, sem sucesso, duas medidas provisórias para tentar mudar o formato de escolha dos reitores e reduzir a autonomia das universidades.