MPF contesta fala discriminatória de Milton Ribeiro contra deficientes
Foto: Isac Nóbrega/ PR
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) – órgão do Ministério Público Federal (MPF) – divulgou nota de repúdio às recentes críticas do ministro da Educação, Milton Ribeiro, à inclusão de pessoas com deficiência no sistema educacional.
Em entrevista ao programa Novo Sem Censura, da TV Brasil, no dia 9 de agosto, o ministro da Educação atacou as diretrizes do processo de inclusão na educação do País. Ele afirmou que estudantes com deficiência “atrapalham” o aprendizado de outros alunos. O Ministério da Educação divulgou nota no dia 19, na qual pede desculpas pela manifestação do ministro e reitera seu “compromisso na implementação de ações e políticas voltadas à educação especial”.
O que disse o ministro
“No passado, primeiro, não se falava em atenção ao deficiente. Simples assim. Eles fiquem aí e nós vamos viver a nossa vida aqui. Aí depois esse foi um programa que caiu para um outro extremo, o inclusivismo. O que é o inclusivismo? A criança com deficiência era colocada dentro de uma sala de alunos sem deficiência. Ela não aprendia. Ela atrapalhava, entre aspas, essa palavra falo com muito cuidado, ela atrapalhava o aprendizado dos outros porque a professora não tinha equipe, não tinha conhecimento para dar a ela atenção especial. E assim foi. Eu ouvi a pretensão dessa secretaria e faço alguma coisa diferente para a escola pública. Eu monto sala com recursos e deixo a opção de matrícula da criança com deficiência à família e aos pais. Tiro do governo e deixo com os pais”, comentou Ribeiro.
Acesso à educação inclusiva
A posição da Procuradoria foi externada em nota técnica que trata da Política Nacional de Educação Especial (PNEE), instituída por meio o Decreto nº 10.502/2020. Suspenso por conta de decisão liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) desde dezembro de 2020, o normativo será objeto de audiência pública, na próxima segunda-feira, 23, que contará com a participação de representante do MPF, a procuradora da República Marília Siqueira da Costa, integrante do Grupo de Trabalho Educação e Direitos Humanos da PFDC.
Para o órgão do MPF, a concretização da política aprovada pelo governo federal representa retrocesso e vai na contramão da busca pela garantia de acesso à educação inclusiva.
Pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação não seriam beneficiadas, em seu desenvolvimento, com o modelo educacional definido pelo decreto, que equivocadamente se adjetiva como inclusivo, mas, em verdade, possui evidentes contornos segregacionistas.
“Afirmações como a do ministro da Educação demonstram a necessidade de conhecimento aprofundado sobre a matéria. E a nota produzida pela PFDC apresenta uma análise técnica acerca do tema”, afirma o procurador federal dos Direitos do Cidadão, Carlos Alberto Vilhena.
Direitos inclusivos
A mudança de paradigma para educação inclusiva, na primeira década do século 21, revelou o aumento progressivo dos índices de matrícula dos alunos com deficiência nas classes do ensino comum. Estudo citado pela nota do MPF demonstra aproximadamente 145 mil matrículas em 2003, passando para 750 mil em 2015. De outro lado, houve diminuição nas matrículas em classes e escolas especiais, cujos números passaram, no mesmo período, de 358 mil para 179 mil.
Segundo a PFDC, o modelo fixado pela Constituição Federal de 1988 e pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – aprovada em 2008 – demonstra que a educação especial e o atendimento educacional especializado não substituem o ensino regular obrigatório, sendo considerados complementares e suplementares. Ambos devem ser prestados pelo poder público, cabendo às instituições especializadas na educação especial um papel secundário.
O comunicado traz ainda outros normativos considerados importantes na defesa dos direitos inclusivos das pessoas com deficiência como a Convenção da Guatemala, promulgada pelo Decreto nº 3.956/2001, e Declaração de Incheon, acordada no Fórum Mundial de 2015.
Os integrantes do Sistema PFDC enfatizam que, em matéria de garantia de direitos humanos e fundamentais, há a proibição do retrocesso, sendo vedada a eliminação de avanços já alcançados. Lembram, inclusive, que o STF já se posicionou sobre o tema no julgamento de medida cautelar na ADI 4543.
A nota técnica foi elaborada com o objetivo de subsidiar o procurador-geral da República, Augusto Aras, em manifestação relativa à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.590. O documento é assinado por 11 integrantes do Sistema PFDC, com representantes do MPF, do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do Ministério Público Estadual do Maranhão.
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