EDUCAÇÃO

Conselho Nacional de Educação abre audiência pública sobre ensino híbrido após articulação de lobistas

Fiadoras da proposta que favorece grupos privados tiveram trânsito por governos do PSDB e DEM, alternando posições de comando na educação. Educadores criticam falta de divulgação, prazo curto e lobbies
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 19 de novembro de 2021

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

“A educação híbrida interessa essencialmente aos empresários do ensino; não ao país”, alerta Daniel Caras, da Campanha pelo Direito à Educação

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Documento favorável à permanência do ensino híbrido para a educação básica e superior do país está em audiência pública até o próximo dia 26 de novembro. A proposta foi demandada e elaborada dentro do próprio Conselho Nacional de Educação (CNE) e teve como relatores os conselheiros Suely Medeiros, presidente da Câmara de Educação Básica do CNE, e Luiz Roberto Liza Curi, que presidiu o CNE até 2020.

Foto: José Cruz/Agência Brasil/ Arquivo

Maria Inês Fini, que já presidiu o Inep de Temer e preside a Associação Nacional de Educação Básica Híbrida é uma das mentoras da proposta articulada dentro do CNE

Foto: José Cruz/Agência Brasil/ Arquivo

Apesar de formalmente Suely ter sido encarregada pelos temas relativos à educação básica e Curi ao ensino superior, o integrante da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (Campanha), o educador Daniel Cara, aponta que as principais formuladoras e fiadoras da iniciativa são a atual presidente do CNE, Maria Helena Guimarães de Castro, e a presidente da Associação Nacional de Educação Básica Híbrida (Anebhi), Maria Inês Fini, sem assento no colegiado.

Na opinião de Cara, “a educação híbrida – quando vencermos a pandemia – interessa, essencialmente, aos empresários do ensino; não ao país”.Para ele, “nenhum conselheiro na atual composição do CNE tem compromisso com a educação pública. Se tivesse, não estaria no Conselho”.

 

Mesmo assim, entende o educador, a pandemia demonstrou que a educação a distância não gera aprendizado, seja no público ou no privado. Nem para a educação básica, tampouco para a educação superior, especialmente na graduação. “Foi uma questão de contingência por conta da questão epidemiológica. Foi correto, mas foi um paliativo”, afirma.

Já a presidente do CNE, em recente declaração à Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), afirmou que “aquela rotina escolar que tínhamos antes da pandemia, na escola e na faculdade, não volta mais como era antes. O ambiente de aprendizagem é outro, os modos de interação serão outros e as pedagogias ativas serão cada vez mais disruptivas”. A expectativa de Maria Helena é que a medida seja aprovada até janeiro do ano que vem.

Parceria de longa data

Foto: Elza Fiuza/Agência Brasil/ Arquivo

Quando era secretária executiva do MEC comandado por Mendonça Filho no governo Temer, Maria Helena Guimarães de Castro, defendeu a cobrança de mensalidades nos Institutos Federais

Foto: Elza Fiuza/Agência Brasil/ Arquivo

Para o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Maria Helena e Maria Inês “desejam um novo normal. É bastante preocupante essa história e envolve o interesse de duas formuladoras do PSDB que têm espaço dentro do Conselho Nacional de Educação”, denuncia Cara.

Concretamente, Maria Helena e Maria Inês transitam com facilidade entre o PSDB e o DEM. Ambas chegaram a presidir o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). A primeira, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) e a segunda após o golpe contra a presidente Dilma Rousseff (PT-RS).

Na ocasião, Maria Helena, era secretaria executiva do Ministério da Educação (MEC), onde o presidente Temer (MDB-SP) acomodou o então deputado federal Mendonça Filho (DEM-PE) para comandar a pasta.

Elas muitas vezes se alternaram em postos chave da educação nacional. Antes de presidir o Inep pós-impeachment, Maria Inês foi diretora de Avaliação para Certificação de Competências no instituto, com Maria Helena à frente. Nesse período foi criado e implementado o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Após comandar secretarias nos governos estaduais de Geraldo Alckmin (PSDB-SP), Cláudio Lembo (DEM-SP), José Roberto Arruda (DEM-DF) e José Serra (PSDB-SP), Maria Helena foi secretária executiva de Maria Inês no Inep do governo Temer. Uma parceria que não é de hoje.

Má divulgação e lobbies

A diretora do Sinpro/RS e Coordenadora da Secretaria de Defesa das Diversidades, Direitos Humanos e Respeito às Etnias e Combate ao Racismo da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), Margot Andras, critica a má divulgação da proposta e o pouco prazo para a análise do parecer produzido pelo CNE.

Ela integrou o Conselho Municipal de Educação de Porto Alegre por quatro anos e afirma que só tomou conhecimento da proposta da CNE na última terça-feira, 16. Para a dirigente, “o grande problema são os grupos envolvidos, o lobby que está sendo feito e a argumentação nesses relatórios”. Avalia que a proposição, na realidade, atende interesses de quem quer consolidar como um caminho sem volta o Ensino a Distância no Brasil e parcelas que defendem o homeschooling (ensino doméstico). “Acredito que nem sindicatos patronais concordam com essa proposta”, analisa Margot.

Um exemplo citado por Margot como possível interessado na proposição do CNE é o bilionário Jorge Paulo Lemann. Ele começou a investir fortemente no setor da educação básica privada através da Eleva Educação. O grupo no início deste ano comprou 51 escolas da Cogna (ex-Kroton) que trabalhava para fortalecer a EaD no país.

Tecnologia a serviço

Foto: Roque de Sá/ Agência Senado

“É preocupante essa história de ‘novo normal’ e envolve o interesse de duas formuladoras do PSDB que têm espaço dentro do Conselho Nacional de Educação”, denuncia Cara

Foto: Roque de Sá/ Agência Senado

Daniel Cara afirma que é importante enfatizar que a chamada educação híbrida não pode ser uma perspectiva educacional. “A gente tem que trabalhar na perspectiva de fazer uso das tecnologias da informação não para o exercício do ensino, mas para expandir os vínculos com os estudantes. Isso é importante, isso é legal, isso é interessante. Mas, ter ações com os estudantes fazendo o uso de TI. Não dá para substituir a atividade de ensino dentro da escola”, pondera.

Já Margot pontua outras questões que considera problemáticas na proposta do CNE. “Vai aumentar o abismo social porque nem todas as regiões, nem todo mundo tem acesso à internet. Além disso, pode priorizar os desejos das famílias em manter os filhos em casa e uma aprendizagem de faz de conta”, alerta, referindo-se a uma realidade que os professores têm sentido na pele, em especial nesses anos da crise sanitária. “Sem contar que esse ensino será de um lugar para vários, um professor e 300 alunos. Isso se houver professor”, conclui.

Serviço

A Consulta Pública destinada a colher contribuições à proposta para Diretrizes Gerais sobre a Aprendizagem Híbrida está aberta desde o dia 16 de novembro de 2021. Tanto o edital de chamamento quanto o texto-referência podem ser acessados em: Audiências e Consultas Públicas – Ministério da Educação (mec.gov.br) O CNE receberá documentos com contribuições fundamentadas e circunstanciadas, por meio eletrônico em formato texto, no endereço cneeducacaohibrida@mec.gov.br, até o dia 26/11/2021.

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