Educação pública perdeu quase 40% do orçamento em seis anos
Foto: UFPel/ Arquivo Foto: UFPel/ Arquivo
Devido aos cortes feitos pelo governo federal no orçamento para diversas áreas, menos da metade dos recursos previstos para a educação pública será executada pelo Ministério da Educação em 2021. A previsão orçamentária era de R$ 145,70 bilhões, mas a execução dos créditos, isto é, aquilo que foi efetivamente repassado às instituições, não passa de R$ 90,29 bilhões. Descontada a folha de pagamento dos servidores, restam R$ 70,6 bilhões para cobrir todas as despesas correntes e as políticas públicas de educação até dezembro deste ano. Isso equivale a 2,78% dos gastos públicos, a menor taxa desde a década passada. A partir de 2015, o setor que já sonhou com as verbas do Pré-Sal perdeu 38% dos recursos, ou mais de R$ 30 bilhões
Com as reduções, cortes e bloqueios que encolheram as verbas do ensino superior público em 2021 a níveis do início da década passada, as 69 universidades federais do país tiveram que se virar por conta própria para pagar as contas de água e energia, limpeza, manutenção, segurança, entre outros serviços terceirizados.
A dotação de R$ 4,3 bilhões para gastos discricionários das federais – rubrica que inclui essas despesas correntes, considerando a variação do IPCA – pode ser comparada ao que foi destinado quando a rede tinha cerca de 50 instituições e menos de 600 mil alunos. Segundo o IBGE, hoje as federais somam 1,3 milhão de estudantes matriculados. Para piorar, parte desse orçamento segue bloqueada pelo Ministério da Educação (MEC).
Infográfico: Bold Comunicação
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Em maio, quando o governo federal anunciou o congelamento de R$ 789 milhões, 30 instituições alertaram que não conseguiriam chegar até o final do ano sem esses recursos. As federais sequer cogitam uma equiparação com os valores de 2011, quando receberam R$ 12 bilhões no governo Dilma Rousseff (PT). Elas reivindicam ao menos um retorno aos R$ 5,6 bilhões de 2020.
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“As universidades vivem momentos difíceis, e o fato de não terem quebrado ainda não significa que não estejam vivendo situações graves”, diz a presidente da seção do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes) na Ufrgs, Magali Mendes de Menezes.
A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) não é um caso isolado, mas a realidade da instituição, que neste ano amargou um corte de R$ 654,7 milhões no orçamento em relação aos ingressos do Tesouro Nacional em 2020 – e enfrenta uma crise política criada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) após a nomeação de um interventor para a reitoria –, ilustra bem a realidade apontada pela dirigente.
De acordo com o Conselho de Curadores que fiscaliza a gestão econômica e financeira da Ufrgs, o aporte de R$ 1,3 bilhão até outubro é insuficiente para terminar o semestre, o que exigiu mais R$ 4 milhões em recursos próprios para fazer frente às despesas. Mesmo entrando com R$ 30 milhões do caixa, a universidade teve que cortar 25% dos contratos com terceirizados.
Outras instituições já acenaram com fechamento de prédios, demissões, cancelamento de contratos e suspensão de programas, independentemente da liberação dos 18% do orçamento que continuam contingenciados pelo MEC.
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O presidente do Sindicato Intermunicipal de Professores de Instituições Federais de Ensino Superior (Adufrgs-Sindical), Lúcio Vieira, sustenta que muitos projetos na federal gaúcha estão em risco e boa parte ainda não foi cancelada porque os cortes são recentes.
O pró-reitor de Pesquisa da Ufrgs, José Antônio Poli de Figueiredo, alerta que se o corte de verbas para o setor continuar ocorrendo, causará um “grande impacto em todas as universidades do Brasil.” O gestor afirma que todas as ações da instituição foram continuadas em 2021, mas pondera que o efeito da redução de verba será sentido no próximo ano, quando devem ocorrer menos editais da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). “É muito possível que as chamadas sejam aprovadas, mas não vai ter dotação”, admite.
Neste ano, segundo um estudo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o orçamento do MEC perdeu mais de R$ 30 bilhões, na comparação com o ano de 2015, quando a previsão orçamentária era de R$ 174,4 bilhões – ante os atuais R$ 145,70 bilhões aprovados antes dos cortes.
Descontada a folha dos servidores, os recursos repassados pelo MEC às instituições federais, aos estados e municípios não passam de R$ 70,6 bilhões para outras despesas correntes e investimentos. A redução é de 38,6%, na comparação com os R$ 114,9 bilhões líquidos de 2015.
O recorte é significativo. Afinal, foi o último ano do governo de Dilma Rousseff (PT) e o fechamento de um ciclo de valorização da educação. A partir de 2016, o que se viu foram cortes e mais cortes na previsão orçamentária do MEC ano a ano: R$ 158,2 bilhões em 2016; R$ 140,84 bilhões em 2017; R$ 139,91 bilhões em 2018, R$ 149,74 bilhões em 2019 – até chegar ao pior cenário em 2020: R$ 142,11 bilhões.
Menor percentual dos gastos públicos na década
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Para se ter uma ideia, em 2020 o MEC executou somente R$ 114,25 bilhões (dos R$ 142,11 bilhões aprovados) na realização de programas, ações e projetos, ou atividades na área. Os valores são os mais baixos da década, de acordo com relatório da organização Todos pela Educação. A dotação orçamentária do ano passado foi a menor desde 2011 (R$ 127,6 bilhões), e a execução dos recursos também ficou abaixo de anos anteriores, representando 3,46% dos gastos públicos.
Quem acessa o portal da transparência consegue encontrar a prestação de contas desde 2017. Naquele ano, o governo aprovou R$ 140,84 bilhões para a educação, porém utilizou apenas R$ 126,22 bilhões, ou 5,42% dos gastos públicos do período.
Em 2018, quando Bolsonaro assumiu a presidência, a projeção de despesas se manteve estável (R$ 139,91 bilhões), com leve queda, até porque foi resultante da aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA) realizada pela gestão anterior. Na prática, em 2019 foram executados R$ 120,22 bilhões (4,91% dos gastos públicos).
Já em 2019, apesar do orçamento aprovado de R$ 149,74 bilhões, o MEC manteve o padrão de “estabilidade em queda” e encaminhou R$ 119,77 bilhões para serem aplicados em instituições federais, pesquisas, bolsas, e para os estados e municípios direcionarem recursos para o ensino público. Naquele ano, a participação da pasta nos gastos públicos do governo caiu para 4,77%.
E se os 3,46% de 2020 já representavam uma grande escassez de recursos federais destinados à educação, em 2021 o golpe é mais devastador: os R$ 90,29 bilhões executados – de uma dotação orçamentária de R$ 145,70 bilhões – representam minguados 2,78% dos gastos públicos federais.
Educação Básica perdeu R$ 13 bilhões
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Na educação básica, o orçamento vem sendo reduzido desde 2012, pondera o líder de relações governamentais da Todos pela Educação, Lucas Hoogerbrugge. Ele destaca que o processo foi aprofundado durante o governo Temer e “explodiu” na gestão Bolsonaro. Segundo o relatório da organização, em 2012 a educação básica foi contemplada com R$ 65,2 bilhões, e foi perdendo em torno de R$ 2 bilhões por ano até 2015. No entanto, a queda orçamentária começou a se acentuar em 2016, ano do golpe, quando os recursos destinados às escolas caíram para R$ 43,7 bilhões – representando R$ 13,1 bilhões a menos que no ano anterior.
A pandemia da covid-19 foi a “gota d´água” de um aniquilamento do setor que vem ocorrendo há mais de cinco anos: conhecida como Teto dos Gastos Públicos, a Emenda Constitucional (EC) nº 95, aprovada no governo Temer, é o principal marco desse desmonte. A partir daí, ficou praticamente impossível executar o Plano Nacional de Educação (PNE), o qual determina diretrizes, metas e estratégias para a política educacional do decênio 2014-2024. Uma delas prevê que o investimento no setor deva chegar a 10% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2024.
“Não conseguiremos nos aproximar minimamente desta meta”, lamenta a presidente do Andes. “Em 2020, houve uma aplicação de 4% do PIB na educação. O cenário é agravado pela Emenda nº 95, que congela o investimento das despesas por 20 anos”, considera Magali.
A coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda, alerta que, caso o ritmo de descumprimento do PNE se mantenha, daqui a três anos o setor terá atingido apenas 15% de todas as metas estratégicas do documento. “É gravíssimo”, sinaliza. “Boa parte do motivo deste descumprimento é a falta de financiamento e os cortes orçamentários, além de políticas como o Teto dos Gastos.”
PRÉ-SAL – Após cinco anos de tramitação no Congresso Nacional, o Senado aprovou, no dia 13 de agosto, o Projeto de Lei (PL) nº 209/15, do deputado federal Ronaldo Caiado (Dem-GO), o qual reduz em 50% os recursos destinados ao Fundo Social do Pré-Sal. Pela Lei 12.351, de 2010, metade dos capitais que entram no Fundo deve financiar a educação pública, conforme determina a Lei 12.858, de 2013, para que se cumpram as metas do PNE. Em 2020, esses recursos representaram 7,5% do orçamento da educação.
PESQUISA – Depois de ter concedido quase 104 mil bolsas no exterior e ter investido R$ 13,2 bilhões, o programa Ciência Sem Fronteiras, criado em 2011, teve seu fim decretado em abril de 2017 pelo Ministério da Educação. O episódio foi um marco na derrocada dos investimentos em pesquisas no país. Nada comparado com o corte de 87% do orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia, reduzido de R$ 690 milhões para R$ 89 milhões pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, em outubro.
O professor de Virologia e pró-reitor de pesquisa na Feevale, em Novo Hamburgo, Fernando Spilki, afirma que a decisão pode paralisar o setor. “O máximo que se consegue é dar continuidade a trabalhos contratados – não é possível iniciar novos projetos, e a perda de cérebros que migram para outros países é inevitável”, projeta. O Brasil tem o maior número de vagas privadas no mundo (75%) no ensino superior, enquanto 98% de sua pesquisa é desenvolvida em universidades públicas.
O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência interrompeu, em setembro, o envio das bolsas de R$ 400,00 para 60 mil alunos de mestrado e de doutorado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), informa a Adufrgs-Sindical.