Pesquisa avaliará trabalho extraclasse dos professores
Foto: Gilberto Firmino/ Agência Senado
Foto: Gilberto Firmino/ Agência Senado
O excesso de trabalho a que os professores das escolas de ensino privado estão submetidos será aferido por pesquisa a ser realizada a partir da segunda quinzena de agosto pelo Sindicato dos Professores do Ensino Privado (Sinpro/RS).
Os docentes responderão a um questionário em que terão a oportunidade de, garantido o anonimato, se manifestarem sobre suas condições de trabalho e realidade de cada escola.
De acordo com a diretora do Sindicato Cecília Farias, alguns fatores vêm causando acúmulo de trabalho extraclasse (tarefas não remuneradas que os docentes executam fora da sala de aula). “É fundamental que os professores participem dessa pesquisa para que possamos demonstrar ao sindicato patronal e à sociedade em geral o quanto queremos fazer um bom trabalho e o quanto de tempo precisamos para fazê-lo com eficiência”, pondera Cecília.
Incorporação de tarefas extraclasse
Somadas às rotinas já conhecidas dos docentes como preparação de aulas, produção de conteúdos, elaboração de avaliações, planejamentos diversos, foram agregadas novas atividades. Muitas tarefas foram naturalizadas durante a pandemia. Entre elas, as tarefas on-line, seja para alimentar sistemas, disponibilizar conteúdos e resultados de avaliações, seja para interação com estudantes, pais e a própria instituição.
Outro fator diz respeito à inclusão de estudantes com deficiência. Esta nova rotina incorporada pelas escolas também gera trabalho extraclasse, pois exige planejamentos, materiais e avaliações específicas, muitas vezes individualizadas para dar conta com qualidade desta inclusão. “Numa mesma sala de aula, podemos ter um estudante com deficiência intelectual, psicossocial, deficiência múltipla, entre outras. Estes estudantes precisam ser incluídos nas turmas regulares e merecem que suas diferenças sejam respeitadas tanto na elaboração dos conteúdos, planejamento e avaliação. Para isso, é preciso condições estruturais, apoio de pessoal e tempo”, argumenta Cecília.
Pandemia agregou rotinas on-line
“Muitos relatos pós-pandemia que chegaram ao Sindicato nos alertam para uma situação generalizada nas escolas privadas em que o trabalho, que já era muito, foi triplicado. E, no que se refere à inclusão de estudantes com deficiência, os professores querem, de fato, incluir os estudantes, mas não encontram as condições de tempo e estrutura necessárias para realizar de forma adequada”, explica Cecília.
Conforme a sindicalista, as escolas não têm dado as condições necessárias. “É preciso estruturas físicas como salas de atendimento educacional especializado (AEE), com materiais importantes. Mas o principal é que os professores precisam de tempo para planejar, elaborar materiais pedagógicos diferenciados, ou seja, condições de fazer uma real inclusão dos estudantes com deficiência”, sentencia. A professora Patrícia Cavalheiro Knoener, 45 anos, da Rede Adventista, relata que no ensino médio, diferentemente do fundamental, fica impossível para o docente fazer um bom trabalho sem um auxiliar, muitas vezes com dois, três, até quatro alunos com diferentes tipos de deficiência.
“Há casos em que o professor precisa ter uma calma extrema, mesmo não tendo formação adequada para lidar com estudantes, às vezes extremamente agressivos, o que é bem comum”, afirma. A demanda de trabalho é muito maior e ajudaria se tivesse remuneração para este trabalho extra de planejamento individual (para cada aluno) ou destinação de horas para contemplar esta demanda.
“É inadmissível não termos auxiliares no ensino médio. São turmas grandes, com mais de 30 alunos”, lamenta. Patrícia é Doutora em Química da Vida (Ufrgs) e autora de quatro livros relacionados à convivência entre alunos e professores.
ESCOLAS – De acordo com Osvino Toillier, vice-presidente em exercício na presidência do sindicato patronal que representa as escolas privadas, o Sindicato do Ensino Privado (Sinepe/RS), as atividades docentes estão assumindo novas faces, em razão das novas realidades, para as quais deve-se encontrar soluções. “A inclusão é outra demanda, que é um pouco contemplada nas Convenções Coletivas de Trabalho, mas falta avançar”, admite.
“Eu creio que os avanços dependem de um esforço conjunto e convencimento de que nem o professor nem a escola têm condições de assumir o ônus sozinho desta demanda. É uma questão política, que enseja compromisso solidário da sociedade”, conclui Toillier.
Histórico recente de políticas sobre trabalho extraclasse
Cecília destaca que o Sinpro/RS já tem uma preocupação histórica com a questão do trabalho extraclasse, do direito à desconexão, do direito ao descanso e sobre os impactos do excesso de trabalho na saúde física e mental dos docentes.
PARECER – Em 2016, o Sinpro/RS elaborou um Parecer por meio do seu Núcleo de Estudos sobre Inclusão de Alunos com Deficiência nos Estabelecimentos de Ensino Privado do RS (Niad) sobre a Lei 13.146/2015, conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Entre outras considerações, o Niad recomenda aos estabelecimentos de ensino promover a reelaboração de seu projeto pedagógico com adaptações curriculares para atender às demandas e limitações cognitivas dos estudantes.
NIAD – O Niad surgiu em 2016 para pensar estratégias e cobrar das escolas condições para a inclusão com qualidade, já que o Sinpro/RS recebia demandas de professores que tinham estudantes com deficiência em suas turmas e não sabiam como lidar com as diferenças. Os sentimentos variavam entre impotência e muita angústia.
MINISTÉRIO PÚBLICO – A partir de 2018, foram promovidas várias reuniões com os promotores regionais de Educação, no Ministério Público. Na pauta dos encontros, foram discutidas as condições de trabalho dos docentes nas instituições privadas que possuem alunos de inclusão. Os encontros se deram por solicitação do Sindicato para que o tema fosse incluído na pauta do MP e que o Niad tivesse um espaço para expor o cenário das escolas privadas no estado.
NOTA RECOMENDATÓRIA – Os professores relatam alta demanda de trabalho e dificuldade em conseguir um período de lazer. Todo esse cenário esbarra na Notificação Recomendatória (NR), de 2012, do Ministério Público do Trabalho (MPT). O documento, construído a partir de audiência entre os Sindicatos das escolas e dos professores (Sinpro/RS), quer garantir o direito de descanso e dá outras recomendações aos empregadores das instituições de ensino.