O suicídio bate na porta das escolas
Foto: Cottonbro/Pexels
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Há cada 45 minutos, entre 10 e 20 pessoas entram nos hospitais do Brasil por tentativa de suicídio. Dessas, uma morre.
“E a gente não fala ou fala pouco sobre isto nas escolas”, afirma Karen Scavacini, psicóloga e psicoterapeuta que é mestre em saúde pública na área de promoção de saúde mental e prevenção do suicídio pelo Karolinska Institutet (Suécia) e doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP).
Além disso, Karen é cofundadora, coordenadora e responsável técnica do Instituto Vita Alere de Prevenção e do Suicídio.
O alerta se dá quando cresce o número de jovens que tiram suas vidas na busca de amenizar suas angústias e sofrimentos sob os olhos de pais, professores e diretores de escolas.
Mesmo com os maiores índices de mortes autoprovocadas permanecendo nas faixas etárias de 40 e 59 e acima dos 60 anos, Karen diz que é surpreendente o aumento que ocorreu entre 2010 e 2019 na faixa dos 15 aos 19 anos.
Suicídio de adolescentes cresceu 81% em uma década
Foto: Carla Dias/Divulgação
“Já se percebe até casos de crianças na faixa dos 10, 11 anos. Mas, de fato, nessa população que está ou deveria estar na escola os casos começam a aumentar a partir dos 15 e 19 anos. É quando aparecem todas as questões da adolescência, como a impulsividade, a maior necessidade de prazer imediato, menor consciência das atitudes, menor consciência crítica”, explica.
Segundo os dados mais recentes do Ministério da Saúde, a morte por suicídio entre adolescentes de 15 a 19 anos aumentou 81% no período de 2010 a 2019. Os óbitos passaram, assim, de 606 para 1.022 por 100 mil habitantes.
O pós-pandemia e o luto pelo que não foi vivido
Na pandemia, diz a psicóloga, se verificou que foram os jovens que mais sofreram. Segundo ela, houve um forte impacto na saúde mental dessa população. Na realidade, a tendência é se seguir um padrão de outros períodos pandêmicos.
“Em geral, é o luto do que não se viveu, é a questão financeira abalada, a questão social. Os jovens, especificamente, não tiveram crescimento emocional e social por praticamente dois anos”, reflete Karen.
Ainda não existem números oficiais consolidados, mas os preliminares mostram que em 2020 e 2021 não houve um aumento significativo de suicídios de forma geral como alguns imaginavam.
Mesmo sem números, agora, afirma a especialista, “a prática clínica nos mostra que está ocorrendo um aumento nas tentativas de suicídios”.
No caso da população jovem, ela lembra o caso de surto de pânico coletivo ocorrido em abril em uma escola de Recife como um exemplo de transtorno mental que pode se agravar.
“São jovens que já estão adoecidos, que estão vulneráveis. Voltaram para a sala de aula com uma demanda de conteúdo, de correr atrás de tudo o que se perdeu; mas eles precisavam também de encontro, de conversa, de sociabilidade. Aí, lógico, com provas, exigências, isso virou um problema”.
Fatores de risco na escola
De acordo com a especialista, quando se fala em suicídio, “nunca vai ter um fator só presente; são muitos” que envolvem a atitude. E o suicídio ou suas tentativas, apesar de ainda não estar evidenciado pelo Ministério da Saúde, cada vez mais começa a ser percebido nas escolas.
“Isso é algo muito sério, porque a gente não só está falando de um jovem que tira a sua própria vida, mas em algo que tem um impacto na rede escolar gigantesco”.
Conforme ela, se a escola não faz a posvenção (ações de suporte e assistência para os sobreviventes impactados por um suicídio) bem-feita pode até ocasionar novos casos. É o que se chama tecnicamente de suicídio de contágio.
Em termos de fatores de risco na idade escolar, Karen registra que a violência escolar, o bullying, o cyberbullying, são elementos a serem considerados.
Mas há outras questões sociais. “Como um jovem que se descobre homossexual. Dependendo da situação, do lugar onde ele mora, da religião, até da escola em que ele estuda, isso também será um fator de risco”, explica.
“Se pensarmos em escola só, eu diria que prevenção da violência escolar é uma das medidas importantes para se tratar a prevenção do suicídio, assim como aulas de educação socioemocional”, completa.
Como lidar com frustrações
Para a psicóloga, entender os sentimentos, saber como lidar com eles, com as frustrações é fundamental. “Temos visto jovens se sentindo muito pressionados a darem conta de tudo o que perderam; se adaptar a esse mundo novo. ‘Que que eu vou fazer nesse mundo que está mudando?’”.
Outros elementos ainda impactam, diz. “Os jovens ainda estão tendo muito receio da volta da pandemia. ‘Da mesma forma que chegou, será que não vai voltar?’. Até as eleições estão impactando, coloca uma carga extra, o stress”, falando dos jovens acima dos 16 anos, aqueles que entende a psicóloga começam a ser mais politizados.
Os professores também não estão imunes. “Por conta do burnout e até da própria violência escolar, da falta de apoio que recebem muitas vezes, isso contribui para o aumento de casos” reflete.
O problema, fala Karen, é quantificar oficialmente. “Até se sabe que quem mais se mata no Brasil são médicas; agora ao se olhar os números do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinam – plataforma do Ministério da Saúde onde é feito a notificação de mortes) a ocupação profissional não aparece”.
É preciso falar sobre suicídio
A escola precisa tratar do tema suicídio, afirma a especialista do Vita Alere que, inclusive, coloca à disposição diversas cartilhas que envolvem o assunto.
“É inocência achar que esse assunto não está no dia a dia do jovem. Eles falam entre eles; eles veem isto na TV; veem em séries. O jovem está recebendo essa informação. Antes ele receber a informação de uma fonte segura que é a escola do que ele encontrar um monte de porcariada que tem por aí”, considera.
Para a especialista, quando se discute a valorização da vida, se apresenta locais onde o jovem pode procurar ajuda, com certeza haverá diminuição de casos.
“Importante, obviamente, que tenha acesso, porque não adianta nada falar na escola que existe atendimento especializada e não existir Caps (Centros de Atenção Psicossocial) na região onde ele mora para conseguir ter atendimento psicológico ou psiquiátrico”, ressalva.