Associação de ex-docentes da UniRitter encerra atividades
Foto: Igor Sperotto
Uma assembleia em meio à confraternização marcou o fim de uma associação que, por 40 anos, defendeu interesses trabalhistas, profissionais, serviu de espaço cultural e ampliação de conhecimentos para professores de Arquitetura que atuaram na Universidade Ritter dos Reis, hoje somente UniRitter.
Mesmo assim, o ambiente naquele dia 25 de março não foi de tristeza, mas de alegria, pelo encontro de colegas que conviveram durante anos e tiveram muitas recordações para compartilhar.
A inicialmente Associação de Docentes da Faculdade de Arquitetura de Porto Alegre chegou ao seu final como Associação de Ex-Docentes (AeDFAUPA).
Durante sua existência, teve de 60 a 70 sócios, sendo cerca de 30 engajados no seu cotidiano. Na assembleia para a dissolução, sua última diretoria colocou em votação o destino dos recursos financeiros.
Foi decidido que R$ 92 mil serão encaminhados para o projeto Professores Solidários, do Sinpro/RS, o qual promove doações para professores desempregados, comunidades indígenas, instituições carentes, além de distribuição de cobertores para pessoas em situação de rua e máscaras para hospitais. O pouco recurso restante servirá para cobrir as despesas com a dissolução.
“Temos certeza que será um dinheiro bem aplicado pelo Sinpro”, disse o professor Renato Marques Fernandes, primeiro-secretário da AeDFAUPA, que conduziu a Assembleia.
Quatro décadas de luta por qualidade no ensino da Arquitetura
Ao redor de uma mesa, os ex-professores Julio Collares, Sergio Marques e Cairo Albuquerque da Silva lembraram de episódios emblemáticos da entidade que surgiu em 1983.
Eles recordaram o início de tudo, quando intensos debates sobre a necessidade de alteração do currículo ocupavam as cabeças de professores recém-chegados, pensando em implantar novidades.
Passaram a elaborar um seminário, bastante aberto, com a participação de docentes, estudantes e funcionários.
Hoje em dia, ao rememorarem, concordam que foi muito significativa a convergência entre professores e estudantes para estabelecer um senso comum.
E não há como esquecer a história recente, já no final da caminhada, em 2017, quando a UniRitter passou das mãos da família Ritter dos Reis para uma rede internacional, a Laureate International Universities, que instituiu outra linha de ensino.
Houve demissões em massa, atingindo especialmente os mais experientes, e o curso já não era mais o que foi sonhado e posto em prática.
Atualmente, a UniRitter pertence ao grupo Ânima Educação, conglomerado empresarial de capital aberto, que comprou, em 2021, todas as operações da Laureate no Brasil, o que inclui a UniRitter e a Fadergs, no Rio Grande do Sul.
“O início da Associação se deu por uma questão trabalhista”, recorda David Léo Bondar, um de seus fundadores e presidente por diversas vezes.
“No final dos anos 1970, o professor Cairo, que era um estudioso no ensino de arquitetura, foi convidado pela Ritter para tratar do novo currículo. Ele tinha ideias novas, entre elas a de professores não acadêmicos, que fossem profissionais, atuantes na profissão. Cairo trouxe colegas para executar essa ideia, entre eles eu.”
Passaram a lecionar na faculdade profissionais oriundos do Sindicato dos Arquitetos e do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB).
“Uma das primeiras ideias foi organizar um seminário para modificar o curso, um novo currículo”, conta. Em 1983, depois de muita conversa interna, o seminário foi feito e David Bondar tornou-se seu presidente.
“O resultado foi importante, mas também trouxe uma ebulição muito grande. O fundador da Ritter, Romeu Ritter dos Reis, não concordava com as modificações propostas conjuntamente por professores, estudantes e funcionários. Ele até entrou em uma assembleia estudantil, foi vaiado, e se criou um clima de confronto,” recorda.
Do conflito surgiu a necessidade de criação de uma associação, pois 10 docentes foram demitidos.
“Como eram pessoas ligadas ao sindicato e ao IAB, imediatamente houve reuniões para reverter, com participação dos demitidos, apoio de quem ficou e também dos estudantes, que se propunham a uma greve se os professores não fossem readmitidos.”
Uma medida cautelar manteve os profissionais, mas no final a causa foi perdida.
“Como era meio de semestre, seria um prejuízo enorme para o curso. Continuamos trabalhando e esperando a demissão em janeiro. Mas a organização dos alunos estava bastante forte. Acabou tudo se mantendo como estava”, diz Bondar.
Origem da Associação: uma visão curricular e causa trabalhista
Foto: Igor Sperotto
Fundada no segundo semestre de 1983, no começo, contava com poucos recursos, “mas era muito atuante como representação dos professores”, aponta Collares.
Ela já demonstrou sua força quando todas as ações debatidas naquele seminário foram implementadas.
“Aí começou o processo de uma escola que passou a ter prestígio nacional. Durante muitos anos, a Ritter foi reconhecida como uma das melhores faculdades de Arquitetura do país e também no Mercosul”, revela Cairo Albuquerque da Silva.
A Associação ainda tratava de questões como política pedagógica e acadêmica e, também, teve um papel cultural importante, ao criar cursos e promover eventos com a participação de arquitetos reconhecidos nos cenários nacional e internacional.
Um orgulho deste grupo de docentes/profissionais: Cairo e Charles Hugaud foram os arquitetos da sede da UniRitter instalada na Rua Orfanotrófio. A estrutura arquitetônica foi premiada pelo IAB.
Porém, tudo se transformou a partir de 2017, com a compra da UniRitter pela rede internacional Laureate. Houve demissões em massa e consequente enfraquecimento do curso oferecido pela outrora reconhecida Faculdade de Arquitetura. Foi nesse período que a Associação mudou para entidade de ex-docentes.
“Não eram mais nossos valores, nossas políticas”, avalia Sergio Marques.
“Já eram todos ex-professores, portanto, a Associação passou a ser dos ex”, complementa Collares.
Como Associação dos ex, dizem seus integrantes, a entidade ainda teve trabalhos bem importantes, especialmente do ponto de vista trabalhista, questionando as demissões. “Ganhamos tudo o que foi pleiteado”, revela Marques.
Além disso, venceram ações por danos morais. A Laureate não opera mais no Brasil e, atualmente, o Ecossistema Ânima é a mantenedora da UniRitter.
O professor Daniel Pitta, que chegou a ser coordenador adjunto do curso, conta que sofria assédio da instituição que assumiu a UniRitter. “Meu sentimento é que eles não entendiam nada do negócio em que se meteram, queriam quantidade e inflaram a quantidade de alunos.”
Herança e história
Para o professor Cairo da Silva, a grande contribuição da Arquitetura/UniRitter foi “uma mudança radical na concepção do ensino de Arquitetura, com reconhecimento dos educadores. Nós não ensinamos nada aos alunos, nós incentivamos seus interesses e talentos”.
E, para os professores presentes na confraternização, a Associação tem uma história vitoriosa. Durou 40 anos, não por acaso. Então, é, além de tudo, uma celebração por ter sido tão longeva e atuante, convergem Collares, Marques e Cairo.