Seminário aponta contradições da EaD no país
Foto: Igor Sperotto
O percentual de alunos que ingressam na educação superior por Educação a Distância cresceu de 1,5% em 2001 para 65% em 2022. Isolada, essa estatística destacada pelo vice-reitor da Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos), Artur Eugênio Jacobus, no painel de abertura do Seminário Nacional Profissão Professor desta sexta-feira, 27, em Porto Alegre, já oferece uma dimensão do crescimento desenfreado do ensino remoto no país na última década.
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“O problema da EaD no Brasil é que essa modalidade é o plano A. Não temos um plano B”, alerta o professor.
O Seminário Profissão Professor realizado pelo Sindicato dos Professores do ensino privado do Rio Grande do Sul (Sinpro/RS), com o apoio da Federação dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (FeteeSul), Sinpro/Noroeste e Sinpro/Caxias, debateu na tarde desta sexta-feira, 27, o crescimento dessa modalidade de ensino nas mãos das empresas de educação e os impactos dessa expansão na qualidade do ensino e nas condições de trabalho dos professores.
Essa foi a primeira edição do seminário após a pandemia. O evento foi criado em 2013 para discutir os grandes temas da educação, mas teve sua sequência interrompida em virtude de eventos como a pandemia.
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Na abertura desta quinta edição, o diretor do Sinpro/RS, Marcos Fuhr, lembrou que a educação a distância na educação superior brasileira não tem paralelo em qualquer país que seja minimamente referência no cenário educacional mundial.
“A EaD, nos seus muitos e variados formatos expandiu-se no Brasil de forma desordenada, pautada fundamental, senão exclusivamente, pelos interesses econômicos e financeiros dos empresários do ensino privado”, constata.
A modalidade é absolutamente predominante em número de alunos.
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“Para além da sua superioridade numérica em comparação com o ensino presencial, o lobby privado vem conseguindo ampliar o percentual da carga horária também nos cursos presenciais”, aponta.
Essa trajetória de expansão da EaD no país, pontua o dirigente, expressa a mercantilização do ensino e se alicerça na precarização das condições de trabalho dos professores.
“Faltaram leis e ação política na defesa do exercício profissional da docência e da essência do processo educacional, relativizando cada vez mais a qualidade do ensino. Mas esse processo de expansão da EaD continua em curso na educação superior e hoje ameaça também a educação básica”, alertou Fuhr.
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Além de denunciar o comprometimento do processo educacional e as ameaças que a EaD representa para a profissão docente, o seminário apontou linhas de ações política e jurídica para a defesa da educação de qualidade e delineou estratégias de luta das entidades em defesa das condições de trabalho dos professores.
“Presenciamos no dia a dia tentativas de acabar com a profissão de professor, com ataques ao fazer docente e aos direitos dos professores e demais trabalhadores da educação, resumiu Ademar Sgarbossa, dirigente da Feteesul.
Valdir Kinn, do Sinpro Caxias e Sinpro Noroeste reiterou a defesa das condições de trabalho dos professores e da qualidade do ensino e lembrou as recentes campanhas das entidades: “Educar tem valor” e “Educação não é mercadoria”.
Expansão sem precedentes no mundo
Foto: Igor Sperotto
Não existe um paralelo no mundo para o fenômeno de expansão do ensino a distância no Brasil, um crescimento que se dá no segmento das instituições de ensino privadas com fins lucrativos, mapeou Jacobus.
“Nossa visão é bastante crítica. Na virada dos anos 1990 para 2000, me envolvi na formação de professores para a EaD, uma modalidade que na época era só uma promessa, apenas uma ideia. Já coordenei cursos com ótimos resultados, sei de experiências fabulosas e de gente que fez formação à distância com qualidade, aprendeu muito. Então, a nossa crítica não é generalizada para a EaD, mas para o modelo”, explicou o vice-reitor da Unisinos ao abrir o painel Panorama da EaD no Brasil e em países-referência: impactos da expansão da modalidade.
“O problema no Brasil é a gente ter a educação a distância como o plano A e não como uma complementação”, antecipou.
Em uma retrospectiva dos marcos do surgimento da educação a distância no país, Jacobus lembrou que em 1996 a nova LDB abriu espaço do ensino à iniciativa privada, o que coincidiu com a criação da secretaria de EaD do MEC.
Em 1997, um decreto regulamentou o sistema federal de educação e fez menção às Instituições de Educação Superior (IES) com fins lucrativos, que respondem por 89,8% do ensino privado, enquanto 10,2% não têm fins lucrativos.
“Se tivéssemos uma máquina do tempo e pudéssemos alterar o passado, deveríamos voltar para 1997″.
Quando se abriu a educação brasileira para instituições com fins lucrativos foi como abrir a caixa de pandora”, situou. Seguiram-se a criação do Sinaes e do Prouni, em 2004, o que ele ressalta como “políticas com resultados” para a educação e, no ano seguinte, a EaD foi regulamentada.
Em 2017, por pressão das empresas de educação, houve uma flexibilização da educação a distância: “os números da EaD mudam rapidamente a partir dessa flexibilização”.
De acordo com o painelista, houve um salto no número de matrículas na educação superior depois dessa medida.
“Não estamos falando de uma crise de falta de alunos, que é o que está acontecendo em alguns países. No Brasil, o número de alunos continua subindo. Em 2022 já são 9,4 mil alunos”.
Jacobus aponta um aumento do número de matrículas nas universidades privadas a partir de 2017 e depois a diminuição progressiva da participação das universidades públicas no ensino superior. O Plano Nacional de Educação previa que 40% das novas matrículas deveriam ser em instituições públicas.
Em, 2015 esse percentual ficou em 11% no número de ingressantes.
“Nas instituições privadas sem fins lucrativos, disse “impressiona a queda de ingressantes. No RS, de 2016 para 2021 caiu 45% o número de alunos nos cursos de graduação. Enquanto isso, nos cursos EaD das instituições privadas do estado, o crescimento foi de 289% no mesmo período”.
Em 2001, 98,5% dos ingressos eram em cursos presenciais e, em 2022, esse percentual caiu para 34,8%. A tendência nos próximos anos é crescer ainda mais, aponta: dois de cada três alunos ingressam no ensino superior pelos cursos a distância.
“É preciso atuar coletivamente por financiamento e por maior regulação da EaD. A falta de regulação só é boa para quem não tem qualidade”, concluiu.
EaD gera perfil elitizado
Foto: Igor Sperotto
Doutor em educação e autor do livro Qualidade em Educação Superior (135 p., Apris, 2021), o pesquisador Júlio Bertolin apresentou o painel EaD e iniquidade na educação superior brasileira, no qual identificou uma mudança no perfil dos alunos que concluem a educação superior a distância.
Detalhe: em qualquer tipo de análise, os alunos presenciais têm desempenho melhor do que os que ingressaram por EaD.
“A EaD está de alguma forma dilapidando o que as políticas de democratização da educação ajudaram a construir para melhorar a equidade do sistema”, apontou.
Bertolin revelou dados de uma pesquisa internacional que mostra que entre 1999 e 2002, apesar de uma hiperexpansão, em que o número de matrículas mais que dobrou na EaD, os ganhos para os estudantes desfavorecidos foram escassos.
Os estudantes provenientes de famílias dos 50% de renda mais baixa caiu de 8,6% para 7,5% e a porcentagem dos estudantes do grupo dos 10% de renda mais alta caiu de 43,9% para 41,4%.
“Esse período de expansão, apenas com a ampliação da oferta privada, beneficiou quase exclusivamente estudantes de grupos sociais favorecidos”, constatou.
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