Conae 2024 aponta para retomada do papel do estado na educação
Foto: Luis Fortes/MEC
A Conferência Nacional de Educação (Conae) 2024 se encerrou nesta terça-feira, 30, com dois grandes recados: a importância de discussões democráticas e aprofundadas para a decisão dos rumos da educação nacional e a necessidade de se por um fim no legado dos presidentes Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL) para a Educação.
Já considerado como um marco da retomada do papel do estado em todas as fases formativas das crianças, jovens e adultos brasileiros, a Conferência foi o ápice da construção de um Plano Nacional de Educação (PNE) para o próximo decênio.
Foram mais de 2 mil delegados que representaram estudantes, trabalhadores, conselheiros, dirigentes educacionais, pais e responsáveis por alunos em um processo que veio de baixo para cima (Conferências Municipais e Estaduais) para culminar na aprovação dos sete eixos (metas) do PNE de 2024 a 2034 (veja abaixo).
As conclusões devem ser apresentadas ainda na próxima semana ao Congresso Nacional. Uma das ideias ventiladas é protocolar o PNE como um documento popular, informa a professora Margot Andras.
Todas as vozes
Foto: Divulgação
Dirigente do Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinpro/RS) e da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), Margot entende que o envolvimento das mais variadas correntes de pensamento e setores educacionais deve ser a principal garantia da aprovação do plano pelos parlamentares.
“Eu acho que todas as comissões de educação, da Câmara, do Senado, estão se movimentando para isso (a aprovação). Isso vai ser muito cobrado e não tem como ser só parcial. E não tem nada radical. Tudo que tem lá garante a educação de qualidade, inclusiva”, destaca Margot.
A professora ainda lembra que a Conae “foi um espaço para que todas as vozes pudessem ser ditas e ouvidas”, ao lembrar que até setores alinhados à extrema-direita se fizeram presentes não só nas instâncias municipais e estaduais, mas na própria plenária final do evento realizada no Centro Comunitário Athos Bulcão da Universidade de Brasília (UnB).
Debate
Pautas como o Escola sem Partido, que não aceita discussões sociais como a questão de gênero, por exemplo; e homeschooling foram derrotadas. Margot celebra o espaço aberto para a discussão em que relata a fala de uma mãe adotiva de uma menina PCD (Pessoa Com Deficiência). Essa mãe, registra Margot, disse que na lógica que foi apresentada de família tradicional por setores ligados à extrema-direita não enquadraria nem ela nem a filha em lugar nenhum.
Ensino privado
Como representante dos trabalhadores no ensino privado, Margot celebra ainda um avanço para o setor, a inclusão oficialmente da educação particular no Sistema Nacional de Educação (SNE).
“A educação privada nunca esteve dentro do SNE. O PNE agora diz que a educação privada tem que estar dentro do sistema. Isso é uma grande conquista”, comemora.
Isso, na sua opinião, trará benefícios para toda a sociedade, porque ajuda na regulamentação que, no final das contas, persegue uma educação ofertada de maior qualidade.
A dirigente cita ainda a importância das moções aprovadas e incluidas no PNE que tratam da regulamentação da EaD e da criação de um organismo para regulação do ensino privado.
Revogaço
Integrante da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (Campanha), o professor da Universidade de São Paulo (USP), Daniel Cara, destaca que o Conae deixa claro que é preciso revogar a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) instituída no governo Temer “e construir um novo documento curricular pautado nas pesquisas na área de educação e também pautado na experiência dos professores de sala de aula”.
Da mesma forma, para o educador, ficou evidente a necessidade de se revogar a reforma do ensino médio e revogar a Base Nacional Comum de formação que foi desenvolvida no governo Temer e avançou no Conselho Nacional de Educação no governo Bolsonaro.
“Para além disso, a conferência também dá um recado claro de que é preciso dar um fim a todas as tentativas que o Jair Bolsonaro, como presidente, empreendeu de esvaziamento do conceito de custo-aluno-qualidade inicial e custo-aluno-qualidade, que são conceitos desenvolvidos pela Campanha Nacional pela Direito de Educação, criados por ela e que, agora, avançam em perspectiva acadêmica, de pesquisa, de análise”, entende Cara.
Para substituir as políticas elencadas, o professor registra que a Conae aponta para a implementação de diretrizes curriculares nacionais para a formação inicial das licenciaturas e as diretrizes curriculares nacionais de 2015.
“Em relação ao custo-aluno-qualidade é retomar os estudos da Campanha Nacional pela Direito de Educação. Em relação a BNCC é criar um novo documento curricular”, conclui.
Lula
O último dia da Conae 2024 contou com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em um auditório lotado na Universidade de Brasília (UnB), o presidente falou sobre investimentos recentes na educação pública, retomada da democracia e a importância da conferência.
“Eu não sou nem louco de falar de educação pra vocês. Seria o mesmo que ensinar o padre a rezar a missa”, disse. Lula mencionou as conferências municipais e estaduais, que resultaram na conferência nacional e a retomada democrática do país.
“Nós tínhamos um cidadão que não gostava da escola pública. Ele queria que as pessoas tivessem aula em casa. Depois ele queria transformar o país em escola cívico-militar. Conseguimos repor muitas políticas públicas que tinham sido desativadas, voltamos a consertar a educação do nosso país. Depois de seis anos de negacionismo, cá estamos nós, exalando democracia conquistada pelo povo brasileiro”, afirmou o presidente. “Eu sei que estou aqui porque vocês acreditaram que era possível”, completou Lula.
Sobre a área da educação, falou de sua experiência e dos planos de seu governo. “Eu já era considerado, mesmo sendo o único presidente sem diploma universitário, o presidente que mais fez universidade nesse país”. A respeito de projetos lançados para evitar a evasão estudantil, foi enfático: “a verdade é que a elite que governou esse país não gostava de ver pobre estudando na universidade”, disparou. “Qualquer dinheiro para a educação tem que ter a rubrica de investimento, e não de gasto”, completou.
Veja os Eixos debatidos na Conae
Eixo 1 – O PNE como articulador do Sistema Nacional de Educação (SNE), sua vinculação aos planos decenais estaduais, distrital e municipais de educação, em prol das ações integradas e intersetoriais, em regime de colaboração interfederativa;
Eixo 2 – A garantia do direito de todas as pessoas à educação de qualidade social, com acesso, permanência e conclusão, em todos os níveis, etapas e modalidades, nos diferentes contextos e territórios;
Eixo 3 – Educação, Direitos Humanos, Inclusão e Diversidade: equidade e justiça social na garantia do Direito à Educação para todos e combate às diferentes e novas formas de desigualdade, discriminação e violência;
Eixo 4 – Gestão Democrática e educação de qualidade: regulamentação, monitoramento, avaliação, órgãos e mecanismos de controle e participação social nos processos e espaços de decisão;
Eixo 5 – Valorização de profissionais da educação: garantia do direito à formação inicial e continuada de qualidade, ao piso salarial e carreira, e às condições para o exercício da profissão e saúde;
Eixo 6 – Financiamento público da educação pública, com controle social e garantia das condições adequadas para a qualidade social da educação, visando à democratização do acesso e da permanência;
Eixo 7 – Educação comprometida com a justiça social, a proteção da biodiversidade, o desenvolvimento socioambiental sustentável para a garantia da vida com qualidade no planeta e o enfrentamento das desigualdades e da pobreza.