EDUCAÇÃO

Golpe de 1964 prejudicou a expansão do ensino fundamental no país

Durante crise do petróleo, militares optaram por retirar recursos dos estados para incentivar exportações. Investimentos na educação estagnaram
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 5 de abril de 2024
Golpe de 1964 prejudicou a expansão da educação fundamental no país

Foto: Reprodução/Dedoc

Geisel e Figueiredo, generais do golpe foram presidentes durante os períodos finais da ditadura

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Se no discurso a ditadura imposta por militares com a derrubada do presidente João Goulart em 1964 prometia saltos educacionais como o fim do analfabetismo, a realidade acabou provando o contrário.

Tese de doutorado do professor da faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Thomas Kang, mostra que de 1973 até o período de transição do regime houve e congelamento de investimentos e desaceleração nas matrículas do que é hoje chamado ensino fundamental.

O trabalho que em breve terá uma parte publicada em uma revista acadêmica da Espanha, o Journal of Iberian and Latin American Economic History, em que chega a registrar um primeiro momento de crescimento de investimentos e de matrículas.

No entanto, por decisão política centralizada para contornar a crise do petróleo dos anos 1970, este período não só foi descontinuado, mas chegou a vias de retrocesso.

Golpe de 1964 prejudicou a expansão da educação fundamental no Brasil

Foto: Acervo pessoal

Thomas Kang, autor da tese

Foto: Acervo pessoal

Segundo Kang, para incentivar exportações, o governo de exceção desonerou impostos para produtos industriais. Entre eles, o antigo Imposto de Circulação de Mercadorias (ICM) que repercutiu com força nas receitas dos governos estaduais, responsáveis pelos maiores investimentos na educação básica.

“Essa política empobreceu os governos subnacionais, responsáveis pela provisão de educação básica.”, expressa a tese.

É inequívoco que houve desaceleração das receitas, registra o professor, mas sem os valores dos produtos exportados não há como quantificar exatamente a quantia que deixou de ser disposta para a educação no país.

Pistas, no entanto, revelam o impacto. No estado mais rico do país e também na época um dos maiores exportadores, São Paulo, “o gasto em educação por criança caiu quase 4% em termos reais no estado de São Paulo entre 1975 e 1977, só pra dar um exemplo, embora o PIB per capita estivesse crescendo”, relata Kang.

Escolha contraditória

“Nessa época, o governo central meio que decidia o que acontecia com o ICM, né?”, pontua o professor da Ufrgs. Para ele, havia outras alternativas como o aumento da taxação ou a desvalorização do câmbio.

Kang deixa claro em sua tese que é a partir dessa decisão política centralizada que a há uma queda da taxa de matrículas almejada no então ensino primário e também “uma certa estagnação nos gastos com educação”, afirma.

A situação só começa a melhorar 12 anos depois, a partir de 1985, no chamado período de transição do regime.

Contraditoriamente, tudo passa a ocorrer dois anos após a ampliação da escolaridade obrigatória de 7 a 10 anos para 7 a 14, em 1971.

Em síntese, para Kang, o regime militar acabou prejudicando a expansão da educação básica no país.

Ele cita o que chama de “evidências qualitativas” encontradas em jornais da época que dão conta de “gente querendo vaga nas escolas” sem sucesso.

“A gente pensa que as pessoas não queriam educação na época, né? Mas, além da dificuldade de se encontrar vagas, tinha o problema era a repetência”, Kang aponta outro vetor marcante do período.

Apesar de entender que a repetência é um problema histórico do Brasil, o professor enfatiza “um alto nível de repetência no regime militar”.

Para ele, como não havia no país um processo pedagógico que fizesse as pessoas aprender sem ter que ficar repetindo de ano, isso ainda incentivou a evasão.

“A pessoa, claro, repetia a primeira série, repetia a segunda; daí pensava: ‘bom, melhor eu trabalhar do que ficar aqui nessa escola, que eu vou ficar repetindo para sempre’. Era uma escola excludente”, entende Kang.

Da época do golpe aos dias de hoje

Nos governos liderados por militares que deram o golpe de 1964, os investimentos em educação nunca ultrapassaram de 3% do PIB brasileiro. Hoje é de 5,2%.

O número de vagas disponíveis em creches dos 0 aos 3 anos teve um aumento de 32% entre os anos de 1989 e 2022.

Os reflexos do fim da ditadura também foram sentidos no ensino médio e superior. O percentual de adolescentes entre 15 e17 anos  matriculados no ensino médio saltou de 14% para 75% entre 1985 e 2023.   No superior, as matrículas foram de 1,4 para 9,4 milhões

Mais expressiva foi a queda na repetência. Se no período ditatorial os números chegavam a ultrapassar os 50%, a média de repetência hoje no fundamental está em 2,3%.

Outros estudos

Outros estudiosos antes de Kang também se debruçaram sobre prejuízos causados na educação pela ditadura.

Um dos pioneiros na área de financiamento da Educação no país, José Carlos de Araújo Melchior (1938-2011), chegou a demonstrar que quando começou a ficar evidente a queda de recursos, os militares tentaram maquiar o orçamento da área chegando a incluir recursos de treinamento de mão de obra de outros ministérios.

O Doutor em matemática e consultor da Fundação Cesgranrio, Ruben Klein, e o então pesquisador do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), Sérgio Costa Ribeiro, no clássico estudo A Pedagogia da Repetência ao longo das décadas chegaram a mostrar que de 1980 a 1985 mais da metade dos alunos da então 1ª série do 1º Grau repetiam de ano.

 

 

 

 

 

 

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