STF vincula novos cursos de Medicina aos critérios do Mais Médicos
Foto: Antonio Augusto/STF
Uma celeuma que envolvia desde 2018 a possibilidade de criação de novos cursos de medicina no Brasil se encerrou nesta terça-feira, 4, no Supremo Tribunal Federal (STF). O Supremo que já tinha alcançado maioria para validar a exigência de chamamento público para as novas faculdades deliberou de forma unânime pela constitucionalidade da matéria prevista em um trecho da lei do Mais Médicos (Lei 12.871/2013).
A legislação que chegou a ser questionada por supostamente afrontar a livre iniciativa prevê chamamentos público para abertura de novos cursos de medicina.
A sistemática diz que cabe ao Ministério da Educação (MEC) definir quais são os estados que podem receber novos cursos e escolher as instituições de ensino interessadas. Critérios como infraestrutura e localidade para suprir a falta de profissionais em algumas regiões são determinantes.
Para o ministro Gilmar Mendes, relator da causa no STF, a regra instituída no Mais Médicos é adequada para a estruturação de políticas públicas.
Em seu voto, que foi seguido pelos demais ministros do STF, Mendes destacou que a política do chamamento público apresenta impacto imediato na descentralização dos serviços de saúde já que a própria instalação de uma faculdade resulta na aplicação de recursos financeiros e humanos na infraestrutura de saúde local.
O relator ainda disse que basta observar que uma faculdade de medicina bem estruturada envolve o estabelecimento na cidade de professores, alunos de graduação e residentes.
Os ministros que seguiram o voto de Mendes também decidiram pela manutenção de decisões judiciais que já autorizaram a criação de novos cursos.
O julgamento foi realizado no plenário virtual do STF.
Os interesses no jogo
O assunto envolvia um mercado e fonte de receita gigantescas para grupos empresariais do ensino e não era consenso nem entre entidades que representam as Instituições de Ensino Superior privadas (IES).
Pelo contrário. A Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup) e o Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (Crub) se digladiaram em tribunais federais e no próprio STF.
De um lado, o Crub questionava a constitucionalidade da norma do Ministério da Educação (MEC) que instituiu as chamadas públicas e afirmando que os editais desfavoreciam as instituições comunitárias e feriam a livre iniciativa. De outro, a Anup reivindicando o cumprimento da Lei do Mais Médicos.
A confusão era tanta que, conforme registrou Extra Classe, tanto a Anup quanto o Crub tinham entre suas associadas as mesmas IES.
Com cursos que instituíam mensalidades que poderiam facilmente variar de R$ 6 mil a R$ 15 mil, ficam evidentes quais são os interesses comerciais em jogo: só entre 2018 e 2021, as matrículas de novos cursos injetaram até R$ 312,6 bilhões anuais no ensino superior privado.
Isso explica também o fato que, nos últimos 20 anos, foram abertas sete vezes mais vagas em faculdades particulares de medicina na comparação com as instituições de ensino superior públicas.
Cronologia
Até 2014, para a abertura de uma faculdade de medicina as IES protocolavam um pedido no site do e-MEC que seria avaliado e julgado procedente ou não por apenas questões técnicas para o ensino.
Com o estabelecimento do programa Mais Médicos no governo Dilma Rousseff (PT) passou a ocorrer os chamamento públicos. Critérios como a infraestrutura das regiões e a importância de alocação de profissionais da saúde em localidades desassistidas foram definidos para a abertura de novas vagas.
No final do governo Michel Temer (MDB), uma portaria foi emitida para suspender por cinco anos a abertura de novos cursos de medicina como forma de “frear” a proliferação dos cursos.
A medida de Temer na realidade acabou produzindo uma série de judicializações que, de forma paradoxal, resultou em mais cursos de medicina abertos em instituições particulares que em qualquer outra época.
No último dia de seu mandato, 31 de dezembro de 2022, Jair Bolsonaro (PL) revogou a moratória de Temer e liberou a criação de vagas e cursos da área de medicina.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) cancelou a decisão de Bolsonaro três dias depois. Em 6 de abril de 2023, a Portaria 650 do MEC restabeleceu a possibilidade de abertura de novos cursos de medicina no Brasil condicionada ao cumprimento do estabelecido no Programa Mais Médicos.
Foco na qualidade e na sociedade
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Na ocasião também foram estabelecidas a necessidade social ou de estrutura de serviços conexos à saúde e à formação médica para a criação de novos cursos de medicina.
Os chamamentos públicos relacionados à necessidade social terão como prioridade regiões de saúde com menor relação de vagas e médicos por habitante e deverão considerar a relevância e a necessidade social da oferta de curso de medicina e a presença, nas redes de atenção à saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), de estabelecimentos públicos adequados, suficientes e de qualidade para a oferta de um curso de medicina.
Já sobre a estrutura de serviços relacionados à saúde, os novos cursos terão que garantir uma integração ao sistema de saúde regional. Isso deve se dar pelo estabelecimento de parcerias entre a IES e unidades hospitalares públicas ou particulares.
A ideia é a atuação prática durante a formação dos alunos de medicina, com a oferta de vagas com base nos objetivos de inclusão social e oferta de formação médica especializada em residência médica.