EDUCAÇÃO

Abuso de autoridade de policiais em escola de Porto Alegre gera crise

Professora foi tirada do estabelecimento em viatura policial. Pai de uma aluna, soldado da Brigada Militar, alega maus tratos. Direção desmente e compara ato ao período da ditadura
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 8 de setembro de 2024
Abuso de pais vinculados à Brigada Militar (BM) de Porto Alegre pode manchar a relação da Corporação com escola da rede pública estadual na capital gaúcha

Foto: Google Street View/Reprodução

Escola Estadual de Ensino Fundamental Brasília, situada no bairro Navegantes, está entre as 19 escolas da rede gaúcha que se destacaram no Ideb

Foto: Google Street View/Reprodução

Abuso de pais vinculados à Brigada Militar (BM) de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, pode manchar a relação da Corporação com escolas da rede pública estadual na capital gaúcha.

Esta é a síntese de um manifesto enviado na semana passada por 107 diretores de escolas aos secretários de Estado da Educação, Raquel Teixeira, e da Segurança Pública, Sandro Canon de Moraes.

Todos os signatários são de estabelecimentos de ensino que integram a 1ª Coordenadoria Regional de Educação, responsável pelas 240 escolas estaduais sediadas em Porto Alegre.

O documento se refere a condução coercitiva sem base legal de uma professora da Escola Estadual de Ensino Fundamental Brasília, situada no bairro Navegantes, no último dia 29 de agosto.

Ela foi retirada do ambiente de trabalho por uma equipe da Ronda Escolar da BM para prestar depoimento na Divisão Especial da Criança e do Adolescente (Deca) por suposto maus tratos à filha de um soldado da corporação.

Segundo apuração do Extra Classe, o alegado pelos pais seria que a professora havia dito que não gostava da aluna de 11 anos de idade, que só ela não aprendia e que não era para fazer mais perguntas.

Truculência da ditadura, diz diretor da escola

Apesar de, no Boletim de Ocorrência (BO), lavrado na Deca, o pai militar ter dito que teriam levado a situação para a “coordenadora Marta (Sic)” e que apesar da educadora ter manifestado surpresa, nada ter sido feito,  o diretor da Escola Brasília, professor Nei Colombo, o desmente.

“Na verdade, a professora Martha é Orientadora Educacional. Eles (os pais) não fizeram nenhum contato anterior. Naquele dia (28 de agosto), chegaram com a aluna e os três policiais da patrulha”, afirma.

A professora, que se encontra em licença médica por abalo emocional pelo ocorrido foi conduzida durante o recreio para a viatura policial diante dos alunos do turno da manhã da escola.

Para o diretor Colombo, “foi um ato de truculência só visto na ditadura, entrar em uma escola e retirar uma professora para levá-la à delegacia, por meras alegações”.

Colombo ainda estranhou que no BO da Deca só há a versão do pai e que a professora acusada não foi ouvida.

Diretor também sofreu tentativa de intimidação

O próprio diretor diz ter corrido o risco de situação semelhante, após ter protocolado uma reclamação junto à BM.

No dia 30 de agosto, ele marcou uma reunião com os pais, que chegaram com 15 minutos de atraso e acompanhados pelos mesmos policiais que conduziram a professora à Deca.

Tudo acabou com um Termo Circunstanciado feito pela BM porque um oficial que recebeu a queixa da escola estava passando em frente ao estabelecimento e, ao ver a movimentação, acabou mediando a situação.

Segundo Colombo, o oficial disse que a mãe o queria denunciar por estar tirando fotos e protegendo a professora “criminosa”.

“Fizeram o registro da mãe contra mim e eu registrei a ameaça da família e da patrulha novamente. Eu estava no exercício da função como servidor público. Mais uma vez, estes pais chegaram com a polícia para intimidação”, destaca.

Falta de celeridade

Mesmo acreditando que o ocorrido é uma atitude isolada de alguns agentes, o diretor da Escola Brasília entende que as secretarias de Educação e de Justiça não estão agindo de forma efetiva e com celeridade.

“Já passou de uma semana e este é um fato gravíssimo”, registra.

Titular da pasta da Educação no estado, Raquel Teixeira, informa que a Corregedoria da BM instaurou processo apuratório e está aguardando os resultados.

“Desde o primeiro momento, tenho conversado e acompanhado com o diretor. É preciso apurar e acompanhar para que haja a devida punição”, explica a secretária.

Presidente da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa do RS, deputada Sofia Cavedon (PT), destaca a importância de uma ação rápida e de uma retratação pública do estado diante do ocorrido.

Para a parlamentar, há a necessidade de revisão de protocolos e reconhecimento de erros.

“Se isto aconteceu com policiais da Ronda Escolar que deveriam proteger as escolas, imagina com o resto do policiamento”, reclama Sofia.

A deputada ainda informa que está em meio a esforços para agendar uma reunião com os secretários de Educação e de Segurança para discutir compromissos públicos. A secretária Raquel Teixeira disse ao Extra Classe que essa reunião irá, sim, ser viabilizada.

Excelência da escola no meio do caos

Das escolas estaduais de Porto Alegre afetadas pelas enchentes de maio, a Brasília foi a primeira a retomar suas atividades. Ela ainda recebeu recente homenagem do governador Eduardo Leite (PSDB) por estar entre as 19 escolas da rede gaúcha que se destacaram no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).

No momento, devido ao afastamento médico da professora que trabalha sob contrato temporário para dar aulas de Língua Portuguesa, turmas do 5º ano do ensino fundamental em diante estão sem aulas dessa disciplina.

Em maio a própria docente também sofreu com a tragédia que se abateu no RS ao ter sua casa, em Canoas, invadida totalmente pelas águas.

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