EDUCAÇÃO

Inclusão na escola não é fazer de conta, diz Carlos Skliar

O educador argentino, especialista em inclusão de pessoas surdas na escola, critica modelos pedagógicos que mascaram a violência com os diferentes
Por Stela Pastore / Publicado em 9 de outubro de 2024

Inclusão na escola não é fazer de conta, diz Carlos Skliar

Foto: Acervo pessoal

Foto: Acervo pessoal

O pesquisador argentino Carlos Skliar, especialista em educação e inclusão de pessoas surdas, conversou com o Extra Classe sobre o tema de sua conferência por ocasião do 2º Seminário Educação em Tempos de Reparação, promovido pela Fundação Educacional João XXIII. O educador falará nesta quinta-feira, 10, sobre educação inclusiva e direito à aprendizagem.

Ele atua nos campos da comunicação, inclusão, inteligência, linguagem e cognição de pessoas surdas.  Possui graduação em Fonoaudiologia pela Universidad Del Museo Social Argentino, especialização em Licenciatura em Fonoaudiologia, e Doutorado em Ciências da Recuperação Humana, pela mesma Universidade. Realizou estudos de pós-doutorado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e pela Universidade de Barcelona. Atualmente é Pesquisador Principal da Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales, na Argentina.

Ele é autor de livros como Pedagogia (Improvável) da Diferença, Experiências com a palavra, Derrida & A Educação, Desobedecer a linguagem; Atualidade da Educação Bilígue Para Surdos, A Surdez – Um olhar sobre as diferenças; e co-autor, com Jorge Larrosa de Habitantes de Babel – Políticas e Poéticas da Diferença.

O evento também tratará da temática antirracista com a filósofa e pesquisadora baiana Bárbara Carine, da Universidade Federal da Bahia; e sobre ética nas relações dentro da comunidade escolar, com a professora  e pesquisadora da Unesp, Luciene Tognetta.

Extra Classe – Há uma confusão entre educação inclusiva e alojar melhor o aluno na escola. Como isso se dá na sua visão?
Carlos Skliar –
Enquadrar ‘normais’ e ‘especiais’ e mudar apenas na perspectiva de ‘hospedar’ melhor o diferente não transforma. Na inclusão, penso que estamos perdendo a possibilidade de nos relacionar eticamente com o outro, e o que parece importar é, somente, que sejamos hospitaleiros, o que significa o entender a escola como uma hospedagem.  Alojamos os outros num espaço comum, mas impomos o que consideramos o comportamento normal, o método de aprendizagem eficiente, a sexualidade correta. É nessa perspectiva que a pedagogia do outro como hóspede de nossa mesmice não é uma mudança, mas sim uma reforma que se auto reforma. E é valendo-se dessa forma de pensar a normalidade que se regulamentam as leis, decretos e textos que regem a educação. Na medida em que o Estado garante a mesma escola para todas as crianças, se isenta de suas obrigações.  O que faz falta é outro tipo de mudança, aquela que nos transforme o próprio corpo, que nos faça mudar a nós mesmos. A essa mudança eu chamaria de metamorfose. Inclusão é sentir de outro modo. O exercício da pedagogia das diferenças.

EC – Como a pedagogia está atuando nas escolas, neste caso?
Skliar – A postura pedagógica que anuncia a generosidade ao hospedar o outro mascara sua violência, pois há imposição de leis na hospitalidade. Ao mesmo tempo que hospeda, hostiliza o outro. Controla, silencia e encobre as diferenças. Os desvios, o que escapa da mesmidade, é subordinado a correção e controle ao invés de ser simplesmente a diferença. É uma pedagogia que não se preocupa com a identidade do outro, mas sobretudo, em tolerar a sua presença, demonstrando a sua generosidade. Assim, embora seja oportunizada a mesma escola para todas as crianças, não há reconhecimento e nem legitimação das diferenças. A concepção de diversidade é administrada pela sociedade que hospeda o outro, que cria um falso consenso, uma falsa convivência. Focar nos defeitos e não nas possibilidades dos sujeitos remete ao fracasso da educação especial enquanto proposta de educação inclusiva. Como consequência do foco nos déficits e não nas possibilidades, ocorre uma baixa expectativa por parte da escola e limitação dos sujeitos, a educação especial justifica o fracasso escolar das crianças como consequência das limitações dos alunos e não do seu projeto educativo.

EC – Quais os efeitos da padronização na educação inclusiva?
Skliar – A deficiência costuma ser caracterizada como uma desgraça para a pessoa com deficiência, uma infelicidade para a família e um sacrifício dos profissionais que trabalham com ela. Ser diferente não é permitido em um contexto em que a padronização é a única resposta possível. O ato pedagógico tende a centrar-se na reeducação das crianças. Em virtude disso, são treinadas em vez de educadas, são levadas a reproduzir tarefas mecânicas e descontextualizadas em vez de elaborar e compreender os significados. A escola trabalha para curar as patologias, além de construir modelos de comunicação e de comportamento. Há uma busca incessante de disciplinar o sujeito a fim de torná-lo um ser comum por meio de várias estruturas e instituições, como famílias, prisões, conventos e escolas.  É preciso questionar se se busca de fato o seu desenvolvimento como pessoas e cidadãs, ou enquadrá-las nos padrões institucionalizados.  Muitas vezes, a escola, em nome da suposta inclusão, oferta as mesmas atividades e recursos às crianças com deficiência daquelas sem deficiência. Isso ocorre pela crença de que todos são iguais e que, portanto, devem realizar as mesmas tarefas para que não haja discriminação. Ou seja, a crença na normalização é gritante e rege muitas vezes as práticas pedagógicas realizadas na escola.

EC – Como preparar os profissionais da educação, o espaço escolar e a sociedade numa inclusão substantiva?
Skliar –É reconhecer a diferença. Repensar todo o trabalho ou a falta dele em relação ao conjunto das diferenças como as raciais, étnicas, de idade, de gênero, de corpo, de aprendizagem, de geração, de classe social, entre muitas outras. Criar um ambiente de atmosfera de igualdade para aprender a viver. Não enquadrar em padrões. Que se sinta bem-vinda, não importa seu corpo, sua forma de aprender, sua língua, porque cada um aprende de uma forma diferente.  É abrir espaço sem perguntar quem é o outro, num pacto de amizade de amorosidade.

EC – Como se comporta a pedagogia na educação inclusiva?
Skliar –
Existem três possíveis formas de compreendê-la: a primeira é a do outro que deve ser anulado, em que não existe como alteridade, como possibilidade de ser diferente.  A segunda é a pedagogia do outro como hóspede da nossa hospitalidade. Tolera a diversidade sem se preocupar com quem é o hóspede, mas vigia a sua hospedagem, mas estabelece seus direitos e deveres. A terceira é a pedagogia do outro que reverbera permanentemente é aquela que não pretende anular, nomear ou silenciar o outro. As diferenças não são apenas toleradas, mas reconhecidas como uma construção histórica, social e política, por isso, não são fixas e inalteráveis.  Existem independente da permissão ou não, da aceitação e do respeito. Logo, não existe a possibilidade de se proibir a diferença e de ser autorizado a ser diferente.

O QUÊ: 2º Seminário Educação em Tempos de Reparação

DATAS: 10 e 28/10 palestras de abertura e encerramento (on-line).

18 e 19/10 encontros presenciais com palestra,  compartilhamento de pesquisas e agendas culturais.

LOCAL: – Colégio João XXIII (Av. Sepé Tiarajú, 1013)  e UniRitter (Rua Orfanotrófio, 555)

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