Internet cria mundo paralelo que afeta a escola e a segurança de professores
Foto: Freepik
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Ambiente de permissividade onde pessoas se sentem à vontade para atacar e expor outras. É assim que o pesquisador e neuroeducador Fernando Lino resume em parte as redes sociais e a internet. Em pesquisas realizadas para seu mestrado em Educação Tecnológica feito na Universidade de Tartu, Estônia, ele constata que a maioria dos conteúdos disseminados por crianças e adolescentes são comentários ofensivos contra professores, discursos preconceituosos e cyberbullying e busca apresentar soluções para combatê-los.
A escolha pela universidade mais antiga da Estônia (1632) não foi por acaso para ele que já se prepara para um doutorado na área.
Além do país do Norte da Europa ter ultrapassado a Finlândia no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), os estonianos têm estudos avançados na área da compulsão cibernética.
Dividindo seu trabalho em duas fases, Lino ouviu 500 famílias ao todo, em capitais e cidades do interior da região Sudeste do Brasil. Se na primeira etapa ele entrevistou cerca de 300 crianças e adolescentes para entender a percepção desse público em relação à tecnologia, na segunda, buscou “capturar” a visão dos pais.
Em terra sem lei, professores ficam expostos
“Quando a gente fala sobre o comportamento das crianças e adolescentes on-line, eu sempre gosto, na verdade, de dar um passo atrás. Começa com uma mentirinha lá atrás”, afirma Lino. Um exemplo, segundo ele, é quando crianças mentem sobre a idade para acessar jogos, muitas vezes com a permissão dos pais. “Isso cria, de forma intuitiva, a ideia de que a internet é uma terra sem lei”, reflete.
Um problema emergente, descreve o pesquisador, são professores expostos e ridicularizados por alunos que fazem vídeos de suas aulas, tiram falas dos docentes de contexto e postam em redes sociais e grupos privados.
“É um cenário complicado, especialmente no ensino médio. A hostilidade dos alunos cria uma situação de desconforto e até humilhação para os profissionais. Isso gera uma sensação de insegurança e desamparo, pois os professores não sabem como reagir, nem têm ferramentas adequadas para lidar com essa exposição”, declara Lino.
Ainda sem dados sistematizados no Brasil, Lino percebe o aumento da agressividade e disputas relacionadas ao uso de celulares entre professores e alunos.
Ele, no entanto, registra que pesquisa realizada pelas Associação Nacional de Educação dos Estados Unidos aponta que, dos 90% dos professores que naquele país apoiam o banimento dos celulares das salas de aula, 42% citam a agressividade dos alunos no uso dos dispositivos como a principal razão.
“Neste exato momento, estou rodando uma pesquisa; só que ela é com diretores de escolas a nível Brasil. Já tenho dados de escolas de sete estados. Com essa pesquisa eu quero saber se são favoráveis ao banimento ou não e quais os motivos”, explica o pesquisador.
Proibir ou humanizar o uso da internet?
Foto: Linkedin/Reprodução
É em um contexto como esse que a discussão sobre a proibição ou não de celulares nas salas de aula toma conta da sociedade. Se de um lado pais e professores, defendem a medida, de outro, alunos são contra e o conflito se instala.
Lino defende o uso moderado e aborda a importância do que chama de humanização das redes sociais. Para ele, com pais, filhos e professores compartilhando telas, as plataformas podem se tornar espaços onde as interações se pautem pelo respeito e pela empatia.
“Os usuários podem perceber a dignidade dos outros, reconhecendo que por trás de cada perfil existe uma pessoa com sentimentos, histórias e experiências”, acredita.
Lino lembra que a falta de uma regulação adequada para as redes no Brasil dá margem para o que chama de “mundo paralelo”, onde jovens acreditam não haver consequências reais e dá origem ao fenômeno que fomenta o cyberbullying.
“A gente, segundo pesquisa do Instituto Ipsos, está em segundo lugar a nível mundial em termos de casos de cyberbullying. Agora, com a Inteligência Artificial, está ficando cada vez mais comum alunos criarem fotos íntimas de alunas e compartilharem isso nos grupos das escolas”, lamenta o pesquisador.
Dieta tecnológica
As pesquisas de Lino já deram origem a dois livros. O primeiro, Xarope Digital uma versão independente já esgotada, mas em vias de segunda edição, é focado na exposição dos problemas.
O mais recente, Bem-Estar Digital (Aruã Editorial) apresenta princípios para a educação digital e propõe soluções para humanizar o uso da tecnologia e envolver pais no monitoramento das atividades online dos filhos.
Entre as estratégias citadas para promover um ambiente saudável, o pesquisador recomenda a “dieta tecnológica”. A ideia é pensar o uso dos meios digitais como uma rotina alimentar.
É estabelecer um plano de mídia com regras claras; manter um diálogo aberto e sincero de pais com os filhos sobre a metodologia mais efetiva e priorizar ações como leitura e exercícios físicos no tempo extra. Lino ainda reforça outras práticas que considera fáceis de serem adaptadas para a realidade. Entre elas, o engajamento nos interesses das crianças e adolescentes e o incentivo do uso da internet como ferramenta de fortalecimento de laços.