O estranho sigilo do Inep sobre as questões censuradas no Enem durante governo Bolsonaro
Foto: Fábio Rodriguez Pozzebom/Agência Brasil
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A recomendação da exclusão de 66 questões do Banco Nacional de Itens (BNI) do Enem por uma comissão criada no governo de Jair Bolsonaro em 2019 continua gerando polêmicas. Três anos depois que deputados da Comissão de Educação da Câmara terem identificado a situação, o especialista no exame e em Teoria de Resposta ao Itens (TEM), Mateus Prado, diz que o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep) tem dificultado o acesso a informações do período. Prado é educador e fundador do Instituto Henfil.
“Saber que o governo anterior mantinha um apagão de dados e namorava com a censura nem é uma novidade tão grande. A grande novidade é ter o Inep do governo atual fazendo de tudo para esconder essas e outras informações que comprometem o governo anterior”, afirma Prado.
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Segundo o especialista que tem grande respeito no setor, ele só conseguiu acesso aos relatórios da chamada Comissão Externa de Leitura Transversal de Itens do Banco Nacional de Itens do Enem via Controladoria Geral da União (CGU), após uma série de negativas no instituto. Eles, no entanto, vieram com partes tarjadas (sob sigilo). Chama atenção, inclusive, tarjas sobre assinaturas de membros da Coordenação-Geral de Exames e Certificação (CGEC) e Diretoria de Avaliação da Educação Básica (DAEB) do Inep.
O Extra Classe teve acesso aos documentos. Confira os relatórios tarjados 01 e 02 em PDF.
Também, de acordo com Prado, o Inep também não revelou quais questões censuradas já haviam sido aplicadas nas provas do Enem entre 2019 e 2022, conforme determinação da CGU.
Na época dos fatos, o ministro da Educação era Ricardo Velez Rodrigues e o Inep estava presidido por Marcus Vinícius Rodrigues, que permaneceu no cargo de 22 de janeiro de 2019 a 26 de março de 2019. Ou seja, saiu três dias antes da emissão dos relatórios. Rodrigues faleceu de câncer aos 66 anos, em 2021.
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Sem base científica
A argumentação de que a apresentação de questões indicadas para exclusão poderiam comprometer o Banco de questões não teria procedência, para o especialista. “Se tivessem sido usada nas provas entre 2020 e 2022, elas estariam por si só já fora do banco”. Mantidas, lembra Prado, seria conteúdo contaminado pelo preconceito ideológico do governo Bolsonaro.
Na visão do especialista, a revelação completa dos documentos é fundamental para esclarecer se houve interferências no conteúdo das provas e entender o alcance das decisões tomadas pela comissão. “A divulgação desses materiais permitirá uma análise mais detalhada sobre o processo de construção do Enem nos anos em questão”, relata ao destacar sua preocupação também com o registro do período.
Em 2021 os deputados da Comissão de Educação encontraram justificativa para a exclusão de questões temas que incluíam “leitura direcionada da história”, contexto geopolítico” e “polêmica desnecessária”, além da substituição do termo ditadura para regime militar.
Diante de uma maioria de justificativas “descontextualização histórica”, Prado acentua que nenhuma base científica ou detalhamento específico fora apresentada e que isso dificulta a identificação precisa das questões afetadas. “Essa falta de clareza impede uma avaliação precisa do impacto da censura”, reflete.
Marcio Alexandre Barbosa Lima, presidente da Associação dos Servidores do Inep (Assinep) entende que divulgar “as questões ‘censuradas’ e não utilizadas acaba por queimar o item do banco de itens”.
Nesse sentido, afirma, o item não deve ser divulgado. Mas, no caso das já usadas, afirma que não haveria problema. “Poderia também se divulgar o tema ou os temas censurados, no caso das usadas”, explica.
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Denúncias
O trabalho do comitê criado no Inep foi paralisado após o Ministério Público Federal (MPF) ter dado um parecer com entendimento de que as questões do Enem já passam por um processo de revisão e que a proposta se assemelhava ao projeto Escola Sem Partido. Assim, lembra Lima, “eles ‘congelaram’ as questões sem eliminá-las do banco de itens.
No começo da semana, Prado formalizou denúncias à CGU, ao Ministério da Educação (MEC) e ao Ministério Público Federal (MPF). Ele solicita a abertura de inquéritos para investigar as tentativas de censura e a responsabilização dos gestores envolvidos no processo “censor” de 2019.
Ele ainda critica a postura do atual presidente do Inep, Manuel Palacios, e também pede seu afastamento. “O que aconteceu foi um crime e ele (Palácios) não faz nada”, desabafa.
O especialista acredita que a resistência em revelar os responsáveis vem de um corporativismo interno do Inep. Apesar disso, ele não acredita que a instituição inteira estaria envolvida. Lembra de uma reportagem no programa Fantástico da Rede Globo onde funcionários relataram de forma anônima uma série de desmandos na questão dos itens do Enem.
O que diz o Inep
Em resposta às solicitações do Extra Classe, o Inep argumenta via sua assessoria de imprensa, que o processo de composição de provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) “é longo e complexo”.
“Uma das etapas previstas, conforme boas práticas internacionais em avaliação, é a leitura sensível das questões de provas. Essa é uma etapa fartamente conhecida nos processos de composição dos instrumentos avaliativos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)”, diz nota.
Conforme a assessoria, a Comissão Externa de Leitura de Itens, criada em março de 2019 e extinta em seguida, não tinha poderes para impedir que possíveis itens fossem usados em exames aplicados pelo Inep. O trabalho era consultivo e cabia ao Instituto a decisão de tramitar as questões no sistema do Banco Nacional de Itens (BNI).
“Todos os itens analisados foram reintegrados ao BNI e estão em fases distintas de uso, dentro de um conjunto de itens passíveis de serem empregados em pré-testes e testes, conforme procedimentos exigidos pela metodologia derivada da Teoria de Resposta ao Item. Assim sendo, o Inep obedece ao sigilo e ao resguardo dedicados a todas as demais questões que sejam objeto de pré-testes e testes”, conclui.