EDUCAÇÃO

Trabalhadores das comunitárias denunciam descaso do Comung

Manifestação marcou Plenária do Fórum das Comunitárias realizado por sindicatos de professores, funcionários e estudantes das instituições de ensino superior comunitário do estado
Por Gilson Camargo / Publicado em 23 de outubro de 2024
Trabalhadores das comunitárias denunciam menosprezo do Comung

Foto: Igor Sperotto

16ª Plenária do Fórum das Ices foi realizado na manhã de sábado de forma presencial no Sindicato dos Professores do RS (Sinpro/RS) e virtualmente pelo canal da entidade no youtube

Foto: Igor Sperotto

Professores, funcionários e técnicos administrativos e estudantes das instituições comunitárias de educação superior do Rio Grande do Sul aprovaram no último sábado, 19, documento no qual manifestaram ao Fórum das Comunitárias a sua avaliação crítica à condução do segmento nos últimos anos, em especial, no que refere ao tratamento dispensado à comunidade interna dos seus trabalhadores e suas representações.

Na resolução, os trabalhadores apontam que as gestões das Instituições Comunitárias de Educação Superior (Ices), bem como sua entidade associativa, o Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung), têm ignorado todas as avaliações e propostas definidas pelas entidades sindicais dos professores e do Fórum das Comunitárias, “instância que historicamente oportunizou presença e participação de representantes da institucionalidade das Ices nas suas reuniões plenárias desde a sua criação em 2011”.

As entidades que assinam o documento manifestaram ainda “incompreensão e inconformidade com a conduta de menosprezo ao Fórum e às entidades de professores que, depois de procuradas por dirigentes do Comung, com vistas a uma atuação conjunta frente ao Governo Federal, visando financiamento estudantil, foram desconsideradas em todas as iniciativas da entidade junto aos poderes públicos”.

Trabalhadores das comunitárias denunciam menosprezo do Comung

Foto: Igor Sperotto

Valdir Kin (Sinpro Noroeste), Marcos Fuhr (Sinpro/RS), Alejandro Guerreiro (UEE) e Ademar Sgarboza (Sinteep Serra) na abertura dos trabalhos

Foto: Igor Sperotto

O comunicado foi apresentado ao final da 16ª Plenária do Fórum das Comunitárias, realizado na manhã de sábado de forma presencial na sede do Sindicato dos Professores do RS (Sinpro/RS) e virtualmente pelo canal da entidade no youtube. Nesta quarta-feira, 23, a Coordenação do Fórum encaminhou a manifestação à direção do Comung.

Na abertura da Plenária, Alejandro Guerreiro, representando o segmento dos estudantes, o presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE), destacou dados do Censo para analisar o cenário do ensino superior no país e no estado. “Precisamos olhar para esse momento atual do Brasil que se conecta com o individualismo e se distancia do presencial, do coletivo. A gente tem falado da uberização do mercado de trabalho que tem a ver com o crescimento da EaD, que te dá uma sensação de ser dono do teu próprio tempo. Mas nós sabemos que na maior parte desses casos, a EaD prejudica a qualidade da educação”, ressaltou.

Os trabalhadores técnicos e administrativos do segmento comunitário nunca foram tão desvalorizados nem enfrentaram uma precarização tão grave do seu ambiente e condições de trabalho no estado, apontou Ademar Sgarboza, coordenador do Sinteep Serra, que se pronunciou em nome do segmento. Ele lembrou que essas empresas reajustam as mensalidades muito acima da inflação, sem transparência, a pretexto de reajustar os salários. “Na hora da negociação, tentam postergar reajuste, parcelar, reduzir direitos”.

Valdir Kin, coordenador do Sinpro Noroeste, que representou o segmento dos professores das comunitárias, destacou que o Fórum das Comunitárias foi criado a partir de um diagnóstico e de uma reflexão que indicava a importância de um espaço para se pensar a realidade da educação superior no país e no estado e, de forma muito especial, das instituições comunitárias.

Avaliação e perspectivas das comunitárias

Foram realizados dois painéis na plenária, sob a coordenação do dirigente do Sinpro/RS.

No primeiro painel, o professor e pesquisador da consultoria Flamingo EDU, Heitor Strogulski e Marcos Fuhr apresentaram uma avaliação crítica do segmento comunitário, que compreendeu a análise, perspectivas e contradições do segmento no cenário educacional gaúcho.

Para Strogulski, as gestões das Ices primam por uma visão e valores mais conservadores e tradicionais, arraigados à economia local e uma preocupação maior com a sustentabilidade financeira do que com a qualidade do ensino e com as relações comunitárias.

As mantenedoras “me espantam ao ignorar o propósito para o qual elas foram criadas”, criticou. Para ele, muito do que fazem essas gestões é buscar eficiência operacional baseada nas suas despesas em detrimento da qualidade e reputação. “Bem comum ver que as mantenedoras e o próprio Sindiman funcionam como balcão de negócios, um local de pseudoprestígio social, que tem um tanto de vaidade. Desconhecem o dia a dia da universidade e a vida universitária”.

O pesquisador destaca que as comunidades não diferenciam o segmento comunitário das demais instituições privadas. “Não é privada e não é pública. É razoável que a comunidade não entenda e não perceba a diferença, por que é paga, mas percebem a que a estrutura é diferente”.

Strogulski aponta ainda contradições em relação à identidade profissional e status social dos professores, que se consideram profissionais com maior autonomia e flexibilidade e gozam de uma certa distinção por causa da natureza do trabalho intelectual. “Aqui se estabelece um paradoxo com a precarização das condições de trabalho e a dificuldade na autopercepção como trabalhadores explorados e vulneráveis”.

Trajetória das Ices

Trabalhadores das comunitárias denunciam menosprezo do Comung

Foto: Igor Sperotto

O professor e pesquisador Heitor Strogulski destacou que as mantenedoras e o Sindiman “desconhecem o dia a dia da universidade e a vida universitária”

Foto: Igor Sperotto

Em sua explanação sobre o histórico da trajetória das comunitárias, Fuhr lembrou que o Fórum surgiu em setembro de 2011, após amplo debate do anteprojeto de lei para criar um marco regulatório das Ices. “Essas instituições são mencionadas na Constituição e na LDB, mas não há uma definição legal sobre o que seja uma instituição de ensino superior comunitária”.

O projeto de autoria da deputada federal Maria do Rosário foi sancionado como a Lei 12.881/2013, sem considerar nenhuma das propostas de emendas dos professores e estudantes.

“Em 2011 quando o anteprojeto foi encaminhado ao Congresso, criamos o Fórum, que reúne os três segmentos das instituições comunitárias: professores, trabalhadores técnicos e administrativos e estudantes. A partir de 2010, o segmento comunitário rompeu com o Sinepe/RS por discordar com a concessão de aumento real aos professores, o que “expressa o desvirtuamento as intenções e os objetivos das comunitárias na relação com as comunidades internas, que as instituições comunitárias não prestigiam”.

As Ices decidiram criar um sindicato patronal por discordar da concessão de 1% de aumento real aos professores no período áureo da economia brasileira, em 2010, quando o Brasil cresceu 10% ao ano. Foi uma das poucas circunstâncias em que os professores e os funcionários técnicos administrativos tiveram aumento real de salário. “Isso gerou uma enorme insatisfação que resultou em 2015 com a saída das Ices do sindicato patronal do ensino privado do RS. E essa saída abriu brecha para que as grandes empresas de educação sentassem à mesa no lugar delas”.

“Desde 2016, os trabalhadores das Ices têm travado uma luta renhida todos os anos, não para avançar qualquer coisa, mas para resistir, para tentar manter direitos históricos da categoria. É uma contradição que os trabalhadores das Ices, através das suas entidades representativas, tenham redobradas as dificuldades para negociar com o sindicato patronal as suas condições de trabalho, o que não se restringe à questão da negociação coletiva por uma convenção, que é o acordo coletivo entre os sindicatos”, explicou Fuhr.

Em seu painel, o economista Ricardo Franzoi, do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) fez uma explanação sobre as perdas acumuladas pelos trabalhadores do ensino privado do estado nos anos pós-pandemia.

Segundo ele, de março de 2021 a fevereiro de 2022, somando as perdas mensais para a inflação, a categoria perdeu praticamente 3/5 do poder de compra de um salário. “Mesmo com o reajuste, os professores deveriam ter ganho um abono indenizatório para fazer frente a uma perda mensal que ao final do ano chega a 62,17%”. De acordo com o economista, uma parte das perdas foi reposta, mas houve parcelamento, o que diminui ainda mais o poder de compra dos salários. “Até fevereiro de 2024, os trabalhadores deixaram de receber o equivalente a quatro salários”, resumiu.

Decisões da Plenária

No final da plenária, foi feita a leitura da manifestação dos trabalhadores das comunitárias, que recebeu o apoio dos participantes do Fórum. Foi definida ainda a retificação das resoluções da 15ª Plenária, realizada em junho, especialmente as que se referem ao papel do segmento comunitário na recuperação do estado após a enchente de maio. Essas resoluções serão reencaminhadas ao Comung, uma vez que não houve manifestação da entidade quanto a essas demandas dos trabalhadores.

Os participantes do Fórum ainda reiteraram que apesar das críticas às comunitárias, manterão o apoio às reivindicações do setor ao governo do estado e à ALRS, como a inclusão de 0,5% da receita de impostos para bolsas de estudos do ensino superior comunitário, bem como a manutenção e continuidade do programa Professor do Amanhã.

 

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