Compra e venda de cursos de medicina obtidos via liminar aquecem mercado educacional
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Faculdades que conseguiram liminares judiciais para estabelecer cursos de medicina e, posteriormente, os tiveram aprovados no Ministério da Educação (MEC), estão aquecendo o mercado de consolidação educacional. Muitas estão em processo de negociação com conglomerados do setor e algumas já foram vendidas por terem em seu portfólio o curso considerado mais rentável para as Instituições de Ensino Superior (IES) privadas.
Consolidação, no jargão de mercado, é o movimento intenso para a criação de organizações mais fortes e competitivas. Ele se dá basicamente por fusões e aquisições de empresas menores por maiores.
É o caso recente da Multivix do Espírito Santo. Ela que garantiu cerca 180 vagas de medicina por liminar, foi comprada no último dia 28 de outubro pelo grupo francês Galileo Global Education, uma das principais organizações de educação privada no mundo.
Já o brasileiro Cruzeiro do Sul Educacional S.A. adquiriu em junho o paranaense Centro de Ensino Superior de Pinhais (Fapi), outra IES que garantiu um curso de medicina judicialmente.
No total, o Cruzeiro do Sul desembolsou R$ 184 milhões pelo Fapi. No caso da Multimix, que tem 60 mil alunos em vários cursos presenciais e EaD, o valor da transação com o grupo Galileo não foi divulgado.
Analistas de mercado avaliam que os valores são expressivos porque a aquisição faz parte da estratégia de expansão do grupo Galileo no mercado de ensino superior brasileiro. O grupo francês tem um portfólio extenso de IES em diversos países.
Processo de redução de concorrentes na mira dos especuladores
Profissional de relações institucionais que representa diversos interesses econômicos em Brasília relata ao Extra Classe que o movimento “pode estar mais intenso agora”, mas não é novo.
Ele lembra que há dois anos chegou a ser procurado por um empresário do ramo da educação com 120 vagas de medicina liberadas para uma cidade que disse estar no coração do agronegócio paulista.
“A ideia era que eu, entre meus relacionamentos, conseguisse investidores para colocar a estrutura de pé. Salas de aula, laboratórios, tudo. Por que, segundo ele, após alunos matriculados o valor da venda do negócio ficasse em torno de R$ 2 milhões por vaga”, diz o profissional que pediu para não ser identificado.
A grande questão, segundo economistas, é que os processos de consolidação se caracterizam por uma redução gradual no número de concorrentes.
Dessa maneira, de 2020 para cá, quando uma vaga de medicina chegava a ser negociada por R$ 3 milhões, depois passou para R$ 2 milhões em 2022 e, agora, no caso da Fapi, por exemplo, R$ 1,2 milhões.
Considerando que o Fapi tem cursos nas áreas de arquitetura, design, artes e moda, comunicação social, direito e relações internacionais, educação, engenharia e tecnologia, gastronomia e hospitalidade, gestão e negócios, além dos da área de saúde, estes praticamente foram transferidos para o Cruzeiro do Sul a custo zero.
É que a instituição tem 154 vagas de medicina e na métrica que reflete o valor das ações e dívida de uma empresa, o enterprise value (valor de mercado de uma empresa somada a sua dívida líquida, descontando o valor de caixa), considerou o equivalente a R$ 1,197 milhão por vaga autorizada de medicina.
Nas negociações ainda chegou a ser discutido o acréscimo de R$ 167,9 milhões de valor adicional caso 146 vagas adicionais fossem agregadas ao curso de medicina. Isso jogaria o valor por vaga para R$ 1,15 milhões.
Especulação versus educação
Oficialmente, os R$ 1,2 milhão pagos por vaga pelo Cruzeiro do Sul é o menor valor negociado no mercado dos curso de medicina até agora. No entanto, especialistas do mercado de capitais já identificaram vagas oferecidas por R$ 600 mil a unidade.
Na realidade, os valores refletem a fase em que se encontram as vagas de medicina garantidas por liminar. Faculdades que ainda não receberam a chancela do MEC oferecem suas vagas por valores menores.
O boom de solicitações para a abertura de novos cursos de medicina se deu pós advento da pandemia da covid 19. Elas se deram fora do Programa Mais Médicos, que é o caminho oficial para se operar a graduação de medicina no país.
Segundo um analista de mercado que também pediu sigilo de identidade ao Extra Classe, boa parte das solicitações já tinham caráter especulativo. “O objetivo era conseguir autorização para abrir uma faculdade já com o objetivo de vender, uma vez que a graduação é a mais rentável do ensino superior no país”, explica.
O problema, ele aponta, é que a série de liminares concedidas fez a oferta da graduação de medicina “disparar” e, assim, o valor das mensalidades vem diminuindo. Já há exemplos pelo país de IES oferecendo promoções porque estão com dificuldades para fechar suas turmas.
Já é possível encontrar graduações de medicina no Brasil sendo oferecidas por menos de R$ 7 mil/mês. Mesmo assim, hoje o valor médio da mensalidade de uma graduação na área está em torno de R$ 10 mil.