OPINIÃO

A barbárie de Geisel e os propagadores do ódio

Por Moisés Mendes / Publicado em 11 de maio de 2018

A barbárie de Geisel e os propagadores do ódio

Foto: Reprodução/Memorial da Democracia

Foto: Reprodução/Memorial da Democracia

Descobriram que Geisel mandava matar os inimigos da ditadura. Tudo com método. Quem deveria orientar cada morte, por ordem do general presidente, era o chefe do SNI, o também general João Batista Figueiredo. Mas só deveriam matar sumariamente os subversivos perigosos, segundo documentos da CIA agora localizados por pesquisadores.

O Brasil continua fazendo descobertas em prestações sobre a ditadura. A anistia impede que o país acerte as contas com seu passado, como fizeram quase todos os outros que viveram regimes de exceção. Aqui, todos os envolvidos nas duas décadas de barbáries ficaram impunes. A Comissão da Verdade reconheceu pelo menos 434 mortes e desaparecimentos e ameaçou tirá-los do conforto, mas ficou apenas no susto.

O pacto pela impunidade que poupa a direita é a cara do Brasil de hoje. A atual procuradora-geral da República, Raquel Dodge, chegou a dizer, muito antes de assumir o cargo, que se agrupava aos inquietos com a anistia de 1979. Crimes contra a humanidade, como a tortura, não podem ser protegidos por perdão coletivo.

Em fevereiro deste ano, já como procuradora-geral, Raquel pediu ao Supremo que desarquivasse uma reclamação feita ao STF em 2014 por cinco militares acusados de envolvimento na morte do ex-deputado Rubens Paiva. Paiva foi assassinado em janeiro de 1971.

Os militares queriam barrar uma ação contra eles em uma vara federal do Rio. Os cinco são acusados de participar do crime e da ocultação do cadáver. O STF enfiou o caso em uma gaveta. Raquel Dodge pediu que o debate fosse reaberto. Se retomasse o caso, o STF poderia reabrir a questão da anistia. Mas alguém sabe que fim levou o recurso de Raquel?

O que sabemos é que todo ano, em 31 de março, grupos de militares se reúnem em clubes, como fizeram em Porto Alegre, para comemorar festivamente o golpe de 64. Desde muito antes do golpe de agosto de 2016, pessoas vestidas de verde-amarelo se juntam em esquinas das grandes cidades para pregar a volta dos militares.

A todo momento ficamos sabendo mais sobre o que foi o período em que eles perseguiram, censuraram, cassaram e mataram. Mas todos estão impunes e assim continuarão, porque o Supremo provocado por Raquel Dodge entendeu há três anos que a anistia deve ficar assim como está.

Não mexam na anistia, mesmo que contrarie leis e convenções internacionais sobre crimes contra a humanidade subscritas pelo Brasil. É assim que torturadores podem até ser exaltados como heróis, como aconteceu quando Jair Bolsonaro saudou Brilhante Ustra na Câmara, ao votar pelo golpe contra Dilma Rousseff.

A anistia parece se estender a todos os fascistas do século 21, que se manifestam hoje com uma desenvoltura pública e exibicionista que nem os líderes da repressão tinham nos anos 60 e 70. Grupos articulados atacam pela internet negros, gays, índios, nordestinos, mulheres, imigrantes. Sempre sob o pretexto de que os alvos são as esquerdas.

Todos os agressores estão impunes. Tão impunes que, quando um deles é enquadrado, como Marcelo Valle Silveira Mello, de Curitiba (tinha que ser de Curitiba?), o caso vira notícia no Jornal Nacional. Marcelo é famoso como agressor nas redes sociais. Está preso preventivamente. Até quando?

A ação da PF que pegou o racista foi batizada de Operação Bravata. É um nome para ser jogado fora. Disseminadores de ódio e violência não estão blefando. Não há bravata na pregação da morte de gays. No Brasil, matam um gay, lésbica, trans ou travesti a cada 20 horas. Mataram 445 no ano passado.

Matam porque o golpe atiçou as raivas, os racismos, as xenofobias, as homofobias, com a ajuda da grande imprensa. Pretensos defensores das liberdades, muitos articulistas de opinião pró-direita fomentaram a ação de gente como o homem preso em Curitiba. Mas o resto todo está solto.

Por isso talvez a descoberta sobre Geisel não faça muito sentido como contribuição para a compreensão da ditadura. Ele mandava matar, ou apenas autorizava? Alguém acha que os ditadores nada sabiam?

Quem age com liberdade hoje como pregador da morte de inimigos está certo que terá o tratamento dado aos homens da ditadura. O ódio é parte da estratégia política institucional, não só da extrema direita, mas da direita com diploma, bom emprego e boa família que aderiu à candidatura de Bolsonaro.

É interessante saber, pelas revelações da CIA, que Geisel tinha João Batista de Figueiredo como preposto para determinar as mortes. Figueiredo foi o sucessor de Geisel. O porta-voz do governo de Figueiredo foi Alexandre Garcia, uma das vozes e um dos principais rostos da Globo em programas variados e no Jornal Nacional.

Garcia é contra tudo que a esquerda defende, é contra Lula, contra o PT, contra cotas nas universidades. É dele esta frase machista publicada no Twitter: “Feminicídio é invenção de quem pensa que homicídio é matar hômi”.

Garcia ajudou a disseminar que Lula tinha uma mansão em Punta. Disse em comentário sobre o Nordeste: “É onde tem o Bolsa Família, onde as pessoas entende menos de como funciona um governo, onde as pessoas pensam que o dinheiro vem do bolso de Lula”.

Garcia está até hoje por aí porque a Globo tem uma relação especial com ele. A conexão da sua imagem com a ditadura não é algo que incomode os Marinho, muito menos agora, quando se sabe pelos documentos americanos que Geisel e Figueiredo eram os mandantes das matanças.

Por isso não há bravata nenhuma na propagação de ódio e violência que matam. Os prepostos de Geisel continuam agindo a mando de outros candidatos a ditador.

 

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