Brasil entra na lista suja da OIT
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Em plena crise gerada pela greve dos caminhoneiros, que são uma referência de categoria heterogênea e fragmentada entre contratados, terceirados e quarteirizados, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) incluiu o Brasil na lista de países acusados de descumprir as normas internacionais de proteção dos trabalhadores por conta da precarização das relações e das formas de contratação e enfraquecimento da estrutura sindical criados pela reforma trabalhista.
A decisão foi divulgada oficialmente nesta terça-feira, 29, em sessão da Comissão de Normas da 107ª Conferência Internacional do Trabalho, em Genebra. A sessão foi acompanhada pelo procurador-geral do Ministério Público do Trabalho (MPT), Ronaldo Fleury e pelo procurador e assessor internacional da instituição, Thiago Gurjão.
O Brasil entrou no grupo de 24 países, ao lado de Haiti e Camboja, depois de consultas feitas pelo Ministério Público do Trabalho e denúncias de sindicatos contra a reforma trabalhista.
A OIT integra o sistema das Nações Unidas e possui um comitê que irá analisar a denúncia de violação de convenções internacionais ratificadas pelo Brasil. Em 2017, antes da aprovação da reforma trabalhista, o Brasil chegou a ser incluído na lista mais ampla e preliminar, mas acabou excluído da relação definitiva.
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Para Fleury, a inclusão expõe o Brasil internacionalmente e é fruto da aprovação, de forma açodada, de uma reforma que torna precárias as relações de trabalho no país. “É uma pena o Brasil ser exposto internacionalmente, entretanto, isso é resultado da reforma trabalhista, que só visou a precarização das relações de trabalho, criando formas alternativas e precarizantes de contratação e, principalmente, visando o enfraquecimento da estrutura sindical”, afirma.
Segundo o procurador-geral do MPT, o movimento dos caminhoneiros mostra como entidades com baixa representatividade entre suas categorias têm dificuldade de negociar: “O Brasil inteiro sente o enfraquecimento da estrutura sindical com o movimento dos caminhoneiros, das empresas, que tem trazido o grande drama de se fazer um movimento muito rapidamente, entretanto não tem como sair dele pela falta de legitimidade, pela falta de representatividade das entidades sindicais dos trabalhadores. Essa situação vai com certeza se refletir nas outras categorias, com a ampla pejotização”, acrescenta Fleury.
“A inclusão do Brasil na lista de casos vai ao encontro do que o MPT já vinha alertando quanto aos riscos de insegurança jurídica e prejuízos no cenário internacional decorrentes do descumprimento de convenções ratificadas pelo país, com prejuízos para as instituições públicas, trabalhadores, empregadores e a sociedade como um todo”, acrescenta o assessor internacional do MPT, procurador Thiago Gurjão. Segundo ele, o MPT espera que “os mecanismos de supervisão internacionais sirvam de orientação e referência para possíveis alterações legislativas de adequação aos preceitos internacionais, assim como para a atuação dos integrantes do sistema de justiça, responsáveis por interpretar e aplicar a legislação, o que significa necessariamente observar as convenções internacionais ratificadas pelo Brasil”.
Direito à sindicalização e à negociação coletiva
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No início desse ano, o Comitê de Peritos da OIT pediu ao governo brasileiro a revisão dos pontos da reforma trabalhista que permitem a prevalência de negociações coletivas sobre a lei. O Comitê confirmou o entendimento de que a reforma trabalhista viola a Convenção nº 98, sobre direito de sindicalização e de negociação coletiva, ratificada pelo Brasil. Foi pedida ainda a revisão da possibilidade de contratos individuais de trabalho estabelecerem condições menos favoráveis do que o previsto na lei. A reforma trabalhista estabelece a possibilidade do negociado prevalecer sobre o legislado, inclusive para redução de direitos. Prevê também a livre negociação entre empregador e empregado com diploma de nível superior e que receba salário igual ou superior a duas vezes o teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
Antes da aprovação e sanção da reforma trabalhista, o MPT alertou o Congresso Nacional e o governo federal que ela violava a Constituição Federal e normas internacionais ratificadas pelo Brasil. A instituição também teve atuação constante no cenário internacional para alertar sobre pontos da nova legislação trabalhista que ferem as convenções internacionais.
Em abril do ano passado, Fleury e Gurjão levaram informações ao diretor-geral da OIT, Guy Rider, em Genebra. O MPT expressou preocupação especial à prerrogativa da nova lei que dá prevalência a acordos coletivos sobre o que está previsto na legislação, mesmo em caso de redução dos direitos dos trabalhadores.
O procurador-geral apresentou consulta técnica sobre esse tema à diretora do Departamento de Normas da OIT, Corinne Vargha. Em resposta, o departamento confirmou o entendimento de que a ampla flexibilização dos direitos dos trabalhadores por meio de negociação coletiva, como está no texto da reforma trabalhista, viola a Convenção nº 98.
Centrais pedem revogação da reforma
Também fizeram parte da Conferência representantes das centrais sindicais brasileiras: Central Única dos Trabalhadores (CUT), Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Força Sindical (FS), Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST), União Geral dos Trabalhadores (UGT).
Logo após o anúncio as centrais emitiram nota conjunta em que afirmam que “a inclusão do Brasil na lista se deu em decorrência da aprovação da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17) que retirou dezenas de direitos das trabalhadoras e trabalhadores brasileiros, violando normas fundamentais da OIT, especialmente a Convenção 98, ratificada pelo Brasil, que trata do Direito de Sindicalização e de Negociação Coletiva. A OIT avalia que a possibilidade do negociado prevalecer sobre o legislado para retirar ou reduzir direitos e de ocorrer negociação direta entre trabalhador e empregador, sem a presença do Sindicato, são dispositivos que contrariam a referida convenção”.
Para as centrais, a decisão da confirma as denúncias contra as práticas anti-sindicais do governo que se tornaram ainda mais graves com a tramitação do projeto da reforma no Congresso Nacional, aprovada sem diálogo com as representações de trabalhadores e trabalhadoras, neste caso, violando também a Convenção 144 da OIT. A nota diz ainda “diante da decisão da OIT, os trabalhadores e trabalhadoras brasileiros esperam agora que o governo reconheça a gravidade do erro cometido e faça a revogação imediata da reforma trabalhista”.
Judiciário trabalhista
Para o desembargador do trabalho Luiz Alberto de Vargas, do TRT da 4ª Região, a posição do Comitê de Peritos reitera o que o representante do OIT manifestou nas poucas audiências públicas realizadas no Senado: “há aspectos muito preocupantes na reforma trabalhista, que precarizam o trabalho em sentido oposto ao que preconiza a OIT, ou seja, o compromisso dos países com o trabalho decente, aquele que assegura aos trabalhadores um emprego que respeita um padrão mínimo de direitos como previstos nas convenções internacionais ratificadas pela maioria dos países, inclusive o Brasil”.
Ele destaca a prevalência do negociado sobre o legislado, a terceirização da atividade-fim, a pretensão de descaracterizar típicos trabalhos subordinados como se fossem autônomos, a negação de acesso à um processo justo, a negação da autonomia coletiva e o enfraquecimento dos sindicatos, como aspectos da reforma que configuram violações dos tratados. “Tudo isso contraria normas internacionais que foram internalizadas pelo Brasil ao ratificar as convenções da OIT e, de acordo com a Constituição (artigo 5, parágrafo 3) entram no ordenamento jurídico nacional como normas supralegal. Ou seja, caso a lei contrarie a lei, à Constituição determina que se aplique a norma internacional – e não a lei. É o que se denomina controle de convencionalidade. Isso apenas demonstra como foi apressada a aprovação da reforma pelo Congresso Nacional. E como está sendo difícil ao Judiciário do Trabalho aplicar uma lei tão malfeita”, avalia.
*Com in formações do MPT e OIT.
Cai número de acordos e convenções coletivas no primeiro quadrimestre