Espanha dá 15 dias para família de Franco indicar destino para corpo
Foto: Pinterest
Enquanto no Brasil ainda dói nos ouvidos de democratas das mais variadas matizes ideológicas a homenagem feita há dois anos na Câmara dos Deputados ao coronel Brilhante Ustra em plena votação do impeachment da presidente Dilma Rousseff, a Espanha dá um passo para literalmente desenterrar uma de suas fases mais obscuras do século 20. No último dia 24, o gabinete do governo do socialista Pedro Sánchez (PSOE) emitiu decreto real que acrescenta um parágrafo ao artigo 16 da Lei da Memória Histórica para a exumação e translado do corpo do ditador fascista Francisco Franco do Valle de los Caídos – monumento idealizado pelo próprio Franco para comemorar sua vitória na guerra civil espanhola.
O governo da Espanha tem pressa em agilizar a saída de Franco do Valle de los Caídos. A polêmica da iniciativa, que envolveu a oposição da família e inicialmente de parte da igreja conservadora da Espanha, que tem fortes laços com o franquismo, atrasaram a data. Nesta sexta-feira, 31, no entanto o primeiro passo do processo foi dado com a notificação da família que tem até 15 dias para informar o destino que deverá ser dado ao corpo de Franco. “É urgente porque estamos atrasados. Um ditador não pode ter um túmulo estatal em uma democracia consolidada como a espanhola, é incompatível”, disse a vice-primeira-ministra da Espanha, Carmen Calvo.
A ofensiva contra os fascistas, que promovem fortemente o culto ao Generalíssimo, como Franco também se tornou conhecido, promete não parar por aí. Na esteira dos principais países europeus que dispõem de leis específicas condenando apologias ao nazismo e fascismo, a negação do holocausto ou condutas similares, o governo da Espanha também estuda uma forma de tornar ilegal a Fundação Nacional Francisco Franco (FNFF) que defende o legado do caudilho, negando a ditadura, a repressão que vitimou milhares de espanhóis e difunde ideias como “os partidos políticos são construções artificiais que só servem para dividir e enfrentar a sociedade”. A FNFF tem atuado ainda oferecendo suporte jurídico para combater as denúncias de descumprimento da lei de memória histórica, que estabeleceu a retirada de placas, escudos ou menções comemorativas e exaltação da Guerra Civil e da ditadura. Explicitamente, a fundação diz em sua página web que uma de suas principais atividades é “a luta contra a malfadada Lei da Memória Histórica”.
De acordo com a ministra da Justiça espanhola, Dolores Delgado, um dos mecanismos para encerrar os trabalhos da FNFF seria a introdução no código penal do país do delito de “apologia ao franquismo”. Um forte argumento internacional, o governo socialista tem em sua manga. Em 1998, a Alemanha deteve e fez regressar à Espanha um grupo de 70 membro da Ultra Sur, uma das torcidas organizadas do Real Madrid, que ao pisar no aeroporto para ir a uma partida da Liga dos Campeões se manifestaram com a saudação nazista. A Ultra Sur é conhecida por ter entre seus membros extremistas de direita que carregam bandeiras da era Franco, suásticas e cruzes celtas, adotadas por grupos radicais na Europa. Jose Luis Ochaíta, líder histórico da torcida costuma participar de eventos da FNFF.
COMISSÃO DA VERDADE – Outra frente é proposta pela principal base de sustentação do governo, a coligação de esquerda Unidos Podemos: a revisão da Lei de Anistia aprovada para a transição do governo de Franco para a atual monarquia parlamentarista que rege o país ibérico. Ivone Belarra, porta voz da frente declarou recentemente: “Não é possível que não se tenha julgado os crimes do franquismo e que a Lei de Anistia se tenha convertido em uma lei de ponto final”.
O primeiro-ministro Sánchez endossa a ideia de pôr em andamento uma Comissão da Verdade que seja “a mais plural possível”, assinalou em coletiva de imprensa realizada quarta-feira, 29, no início de sua visita oficial à Bolívia, em um roteiro na América Latina que excluiu o Brasil. O premiê espanhol ainda declarou que na revisão que pretende fazer deve coexistir “todas as perspectivas históricas sobre a guerra civil e a ditadura e a partir daí que de uma vez por todas se fechem as feridas”.
TRATAMENTO DIFERENCIADO – Vendido como um lugar de reconciliação, o monumento do Valle de los Caídos, uma cruz de 150 metros de altura e uma basílica encravada na montanha por cerca de 20 mil prisioneiros políticos de Franco entre os anos de 1940 e 1959, é, na opinião de seus opositores, um símbolo excludente.
Tendo em evidência de um lado o túmulo do fundador do partido fascista Falange Española, José Antonio Primo de Rivera, fuzilado pelos Republicanos em 1936, e de outro o de Franco, na montanha encontram-se ainda os restos mortais de cerca de 27 mil combatentes franquistas e cerca de dez mil republicanos. Segundo o historiador Julián Casanova, para os franquistas que lá foram sepultados existe um registro de saída do cemitério original e um “check-in do Vale dos Caídos”. Já os republicanos, apontou Casanova, foram retirados de valas comuns e cemitérios sem aviso prévio às famílias. “Esse é o problema “, frizou.
José Antonio Primo de Rivera, que está sepultado ao lado de Franco, inicialmente não será removido. Segundo Carmen Calvo “ele é uma vítima da Guerra Civil, então ele será enterrado com os outros, provavelmente na área dos ossários e não em um lugar proeminente como agora”, explica ao ressaltar que o processo será feito após a conclusão da exumação de Franco, que é a prioridade do governo.
Ao completar 43 anos, o Valle de los Caídos permanece um monumento que divide a Espanha. Durante a polêmica dos últimos meses cartazes foram afixados em algumas ruas de Madri com o slogan “O Vale não será tocado”. Iniciativas à parte, tudo indica que daqui há sete anos a celebração do cinquentenário da morte de Francisco Franco terá que ser feita muito provavelmente no cemitério de El Pardo, na região de Madri, no túmulo onde estão a esposa do caudilho, Carmen Polo e a filha Carmen.