POLÍTICA

Justiça Eleitoral aumenta repressão em universidades

Ao menos 30 instituições são alvo de ações policiais por promoverem manifestações antifascistas, enquanto TSE silencia sobre o escândalo das fake news
Por Gilson Camargo / Publicado em 26 de outubro de 2018

 

Juíza eleitoral de Niterói, na região metropolitana do Rio, determinou que o diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF) seria preso caso não retirasse faixa antifascismo

Foto: UFF/ Divulgação

Juíza eleitoral de Niterói, na região metropolitana do Rio, determinou que o diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF) seria preso caso não retirasse faixa antifascismo

Foto: UFF/ Divulgação

 

A três dias do segundo turno das eleições, a quinta-feira, 25 de outubro, foi marcada pela repressão policial autorizada pelos tribunais regionais eleitorais em cerca de 30 campi universitários e sindicatos de professores em todo o país em que houve manifestações em favor da democracia e contra o fascismo. A pretexto de reprimir campanha irregular, a Justiça Eleitoral autorizou batidas policias que caracterizam uma ação coordenada para apreender faixas, cartazes, publicações, computadores e panfletos intitulados “Manifesto em defesa da democracia e da universidade pública”, vistos como materiais de campanha de Fernando Haddad (PT).

A agilidade da Justiça Eleitoral nesses casos provocou reações de estudantes, professores e da OAB, em um cenário de indiferença do TSE às denúncias contra o outro candidato. No caso das bombas de fake news que revelam um esquema de caixa dois e outros crimes eleitorais envolvendo Jair Bolsonaro (PSL), em que milhões de ‘notícias’ falsas foram disparadas na vésperas do primeiro turno, conforme denúncia da Folha de São Paulo de 18 de outubro, não houve qualquer ação por parte do TSE para impedir que influenciasse o pleito.

O cientista político e professor aposentado da Ufrgs, Benedito Tadeu César, estranha o comportamento do judiciário. “Isso demonstra e comprova a leniência, senão a cumplicidade, do Justiça Eleitoral com as ilegalidades, tanto as praticadas pela campanha de Bolsonaro, quanto, e mais grave, a adesão, por parte de integrantes da próxima Justiça, tanto a Eleitoral quanto a Comum, aí arbítrio. Invadir e reprimir universidades são práticas só constatadas em regimes de arbítrio”, compara Benedito.

“A Justiça Eleitoral foi atropelada pelo mundo da whattszappcracia, acabou não conseguindo fazer nada. E ao mesmo tempo decidiu ser ágil com essas questões que falam a favor da democracia e contra o fascismo que é proibido. A história nos dá uma lição e nós não aproveitamos”, alerta o jurista e professor da pós-graduação em Direito da Unisinos, Lênio Streck. Para ele, a interdição do debate é contraditória. “É um retrocesso. Enquanto a União Europeia faz todo um movimento integrado para banir símbolos fascistas, em uma grande campanha antifascista e antiautoritária, o Brasil faz o contrário, proíbe manifestações contra o fascismo. Como alguém pode ser proibido de falar sobre aquilo que é proibido? O país caminha contra a história”, avalia Streck.

Em uma noite que muitos definem como um retrocesso aos tempos mais obscuros da repressão promovida pela ditadura militar e ao mesmo tempo uma amostra do que seria o Estado sob um governo antidemocrático, policiais invadiram sem mandados formais diversas faculdades e recolheram faixas e outros materiais sem qualquer alusão à campanha eleitoral e interromperam debates.

Ao longo da semana, aulas públicas em instituições de ensino foram proibidas pela Justiça Eleitoral em vários estados, a exemplo de um debate sobre fascismo e democracia promovido pelo PSol, com Tarso Genro e Guilherme Boulos, que foi vetado pelo TRE-RS na Ufrgs e acabou sendo realizado no Brooklyn, em Porto Alegre. O ato de censura foi deferido pelo juiz Rômulo Pizzolatti, do TRE-RS, que acatou pedido dos deputados federais Jerônimo Goergen (PP) e Marcel van Hattem. No dia 17, Hattem já havia acionado o MP eleitoral, na primeira tentativa registrada no estado para tentar impedir um encontro de estudantes na Unisinos. Assim como a aula pública transferida da Ufrgs para outro espaço público, o debate dos estudantes da Unisinos foi mantido pelos organizadores.

Foto: Reprodução Facebook

Ato reuniu milhares de pessoas em Porto Alegre

Foto: Reprodução Facebook

As decisões dos TREs para impedir o debate em universidades tem como justificativa o inciso I do artigo 73 da Lei das Eleições, argumento utilizado por parlamentares pró-bolsonaro, que veda a cessão ou uso “em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária”. O argumento que embasa as ações judicias de apoiadores de Jair Bolsonaro para impedir as manifestações, no entanto, não foi considerado quando de visitas do candidato do PSL a sedes das polícias, a exemplo do Batalhão de Operações Especiais da PM (Bope) no bairro Laranjeiras na zona Sul do Rio de Janeiro no dia 15, onde o ex-capitão não só palestrou como também gravou um vídeo pedindo votos para policiais, em uma ação direta de campanha eleitoral.

Batidas policiais em universidades

Após abordar o escândalo das fake news em uma aula da disciplina Mídias Digitais do curso de Ciências Sociais, o professor Mário Xavier foi interpelado por policiais no campus, após “denúncia” de uma estudante, filha de PM, que se sentiu ofendida

Foto: Nailana Thiely/ Divulgação

Após abordar o escândalo das fake news em uma aula da disciplina Mídias Digitais do curso de Ciências Sociais, o professor Mário Xavier foi interpelado por policiais no campus, após “denúncia” de uma estudante, filha de PM, que se sentiu ofendida

Foto: Nailana Thiely/ Divulgação

Um dos principais observadores da eleição brasileira, a agência de notícias Deutsche Welle (DW) Brasil inicalmente apurou que ao menos 27 instituições do Ensino Superior tiveram a presença de agentes dos TREs e da PF na noite de quinta-feira. As ações tiveram ampla repercussão em jornais de grande circulação. Os mandados de busca e apreensão emitidos pelos TREs da Paraíba e de Mato Grosso levantaram suspeitas de uma ação coordenada que teve como alvo panfletos intitulados “Manifesto em defesa da democracia e da universidade pública”, entendidos como materiais de campanha de Fernando Haddad (PT). Até agora tiveram atividades interrompidas, material apreendido, foram notificadas pelo MP ou receberam a visita da polícia 29 universidades públicas: UFRRJ, UFPB, Uerj, UFU, Ufam, UCP, UniRio, UEPB, UFMG, UFG, Uneb, UCP, UFMS, UFRJ, Ufersa, Unilab, UFF, Unifei, Ufba, UFCG, UFMT, Uenf, Uepa, UFGD, Unesp Bauru, UFSJ, Ufrgs, UFFS, IFB; e Unisinos, universidade privada.

Os relatos de retirada de cartazes sem qualquer relação com candidatos se multiplicaram durante o dia. Na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) foram removidas uma faixa em homenagem à vereadora Marielle Franco, assassinada em março e outra com a frase “Direito Uerj Antifascismo”. Uma juíza eleitoral de Niterói, na região metropolitana do Rio, determinou que o diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF) fosse preso caso não acatasse a ordem para retirar uma faixa colocada no campus com a frase “Direito UFF Antifascista”. Outra faixa antifascista exibida na UFF fora retirada no começo da semana por determinação do TRE, motivando uma manifestação de professores e estudantes que decidiram expor a nova faixa, maior e em local de maior circulação. O diretor da Faculdade ordenou a retirada do material e em seu lugar foram colocados panos pretos em sinal de luto com a inscrição “censurado”.

Na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) foram removidas uma faixa em homenagem à vereadora Marielle Franco, assassinada em março e outra com a frase “Direito Uerj Antifascismo”

Foto: Reprodução

Na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) foram removidas uma faixa em homenagem à vereadora Marielle Franco, assassinada em março e outra com a frase “Direito Uerj Antifascismo”

Foto: Reprodução

Em nota, a OAB-RJ manifestou repúdio “diante de recentes decisões da Justiça Eleitoral que tentam censurar a liberdade de expressão de estudantes e professores das faculdades de Direito, que, como todos os cidadãos, têm o direito constitucional de se manifestar politicamente”. A entidade alertou que a manifestação desvinculada de candidatos e partidos não pode ser confundida com propaganda eleitoral. “Quaisquer restrições nesse sentido, levadas a efeito, sobretudo por agentes da lei, sob o manto, como anunciado, de ‘mandados verbais’, constituem precedentes preocupantes e perigosos para a nossa democracia, além de indevida invasão na autonomia universitária garantida por nossa Constituição”, adevertiu. O professor Paulo Roberto dos Santos Corval, chefe do Departamento de Direito Público da UFF, relatou que os fiscais eleitorais afirmaram ter um mandado verbal expedido pela juíza Maria Aparecida da Costa para verificar ocorrência de propaganda política irregular. No entanto, segundo Corval, nenhuma documentação foi apresentada pelos fiscais.

ARBITRARIEDADES – Na Universidade do Estado do Pará (Uepa) quatro policiais militares entraram no campus em dois carros para questionar o professor Mário Jorge Brasil Xavier, coordenador do curso de Ciências Sociais, sobre sua ideologia, de acordo com um relato. Após abordar o tema das “fake News” em uma aula da disciplina “Mídias Digitais”, uma estudante teria se sentido ofendida, alegado “doutrinação marxista” e telefonado para seu pai, soldado da PM.

Sindicatos e associações de professores denunciaram que foram alvos de diligências da Justiça Eleitoral que apreenderam materiais e computadores. O Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação de Campos dos Goytacazes (RJ) fez um comunicado sobre uma diligência dos fiscais do TRE que apreendeu exemplares de informativos da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação “com o comparativo das propostas para a educação dos dois candidatos à presidência da República, sem orientação de voto”.

Aos gritos “aqui fascista não tem vez” e vaias, estudantes da Faculdade dos Meios de Comunicação (Famecos) da PUCRS, expulsaram Felipe Diehl, integrante do Movimento Brasil Livre, que vestia uma camiseta com a inscrição “Ustra vive” durante uma manifestação em defesa da democracia no campus.

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