GERAL

É possível fazer ciência no Brasil

ENTREVISTA COM IVAN ANTÔNIO IZQUIERDO
Por Valéria Ochôa / Publicado em 9 de junho de 1997

Foto: René Cabrales

Izquierdo: quase todas as dificuldades do cientista no Brasil é de índole econômica

Foto: René Cabrales

Apesar das dificuldades econômicas patrocinadas pelos humores oficiais na liberação de recursos frequentemente escassos, o doutor em Medicina Ivan Antônio Izquierdo, nascido argentino e naturalizado brasileiro, sustenta que é possível fazer pesquisa na terra do futebol. Mas ele reconhece que a atividade científica quase nunca é prioridade e admite que, em algumas áreas, o atraso tecnológico do Brasil chega a ser irrecuperável.

O cientista Ivan Antônio Izquierdo, 50 anos, professor e pesquisador na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, nasceu em Buenos Aires, Argentina, em 1937. Primogênito de dois filhos de uma família de origem espanhola, formou-se em Medicina e é doutor pela Universidade de Buenos Aires. Foi professor titular na Universidade de Córdoba por sete anos. Casado com a brasileira Ivone, veio para o Brasil em 1973, fugindo da ditadura argentina. O fato de sua esposa ser brasileira influenciou na escolha pelo Brasil. “O que me trouxe ao Brasil foi a violência na Argentina”, confessa. Tem dois filhos (31 e 33 anos de idade) e três netos (5, 5 e 2 anos de idade). Inicialmente morou em São Paulo. Em 1978, fixou residência definitiva no Rio Grande do Sul e, em 1981, naturalizou-se brasileiro. Desde então foi contratado pela UFRGS, onde desenvolve pesquisas sobre os mecanismos da memória – as estruturas cerebrais que fazem, conservam e evocam as memórias – e sobre os mecanismos bioquímicos destes processos. Na Argentina já trabalhava em pesquisas nesta área. Alguns dos resultados desta trajetória são a identificação de várias estruturas cerebrais, como o hipocampo, a região córtex entorrinal, que lhe renderam mais de 350 publicações em todo o mundo (quase todas em inglês). “Foram bem acolhidas pela comunidade científica internacional”, expressa com modéstia. Hoje é um dos cientista mais citados em todas as ciências no mundo. Mas, além da atividade científica, ele ainda escreve ensaios e contos, 15 deles já publicados. Para falar um pouco de tudo isso, Ivan Izquierdo recebeu a repórter Valéria Ochôa em sua sala de trabalho, no Departamento de Bioquímica da UFRGS.

Extra Classe – Quais são os resultados de tantos anos de pesquisa?
Ivan IzquierdoConseguimos identificar claramente várias das estruturas cerebrais que formam, evocam e armazenam memória.

EC – Quais são?
IzquierdoSão o hipocampo, que é uma estrutura localizada no lóbulo temporal, uma região do córtex temporal, chamada córtex entorrinal, e outras regiões do córtex parietal.

EC – Este trabalho resultou em muitas publicações?
Izquierdo – Gerou mais de 350 publicações em todo o mundo. Foram bem acolhidas pela comunidade científica internacional. E recebi vários prêmios. Os dois que considero mais importantes são o de Ciências Médicas Básicas da Academia de Ciências do 3? Mundo – Trieste, Itália, em 1995, e o Grã Cruz, da Ordem do Mérito Científico do Governo do Brasil, em 1996.

EC – É possível ser cientista no Brasil?
Izquierdo – É difícil, mas é possível.

EC – Quais são as dificuldades mais graves?
Izquierdo – Quase todas de índole econômica. Ou seja, o salário é ruim. Neste ano, não posso me queixar porque tenho uma boa verba para trabalhar. Mas no período de 1990 a 1996 houve uma falta de apoio gigantesca. Tínhamos de colocar dinheiro do bolso, conseguir dinheiro de onde pudesse, de amigos de outros países que quisessem fornecer drogas para trabalharmos. Foi muito penoso. Isso sem contar as dificuldades inerentes ao desenvolvimento do próprio trabalho. Nem sempre o que a gente planeja dá certo. Mas nem vale a pena comentar porque cada um tem as suas dificuldades na sua própria profissão.

EC – Quanto ganha em média um pesquisador hoje?
Izquierdo – Olha, eu ganho pessoalmente R$ 3.500,00 líquidos por mês. A média não sei. A carga salarial começa com a bolsa de mestrado que é de R$ 750,00. O meu salário é um dos mais altos. Talvez o mais alto.

EC – Quais são as satisfações do trabalho?
Izquierdo – São imensas. A gente descobrir alguma coisa é uma satisfação difícil de descrever. É especial, muito grande, de saber que a gente está tocando algo que não conhecia mas que é real. Então, a satisfação da descoberta é basicamente a nossa satisfação principal.

EC – Nessa sua trajetória, o que mais lhe emocionou?
Izquierdo – Bom, é difícil. Porque o cientista descobre fatos e é nosso hábito, nossa profissão, analisar os fatos friamente. Claro que a gente festeja cada fato novo como se fosse um campeonato de fórmula um, mas isso não implica tanta emoção senão a emoção do momento. Mas o que eu posso dizer é que a gente costuma não analisar o fato de forma emocional, mas sim de forma fria. Tem o fato. Depois de festejar o gol, é ver como este fato se concatena com outros anteriores ou com outros experimentos que possam vir a ser feitos, com a literatura universal sobre o tema. Esse é nosso serviço.

EC – O senhor falou que o atual presidente da República tem investido mais em pesquisa…
Izquierdo – Este governo lançou um pequeno programa neste ano – que é pequeno em termos de dinheiro – foi de R$ 37 milhões, ou seja mil vezes menos do que gastou financiando bancos. Mas esse pequeno programa de apoio aos núcleos de excelência (que uma banca internacional considerou de excelência), está sendo muito benéfico porque vários grupos de pesquisa do país conseguiram sair do pântano. Saimos do buraco. Até aí estávamos mal. Agora estamos conseguindo trabalhar bem, pela primeira vez nos últimos sete anos.

EC – Como vinha sendo sustentada a pesquisa até então?
Izquierdo – Com um orçamento total de R$ 1,5 bilhão, que basicamente se gastava em bolsas, e que estava relativamente mal distribuído. Por exemplo, havia áreas da ciência que não recebiam nada. E outras que recebiam talvez demais. Então, em 1997, apareceu este programa que contemplou todas as ciências. No total, hoje, acho que têm uns 200 grupos que foram agraciados com verba deste programa.

EC – Em termos de financiamentos oficiais, qual foi o momento mais difícil?
Izquierdo – Começou com o governo Collor. Ele liquidou áreas inteiras das ciências.

EC – E como foi antes, na época da ditadura militar, por exemplo?
Izquierdo – Foi variável. Apesar de terem defeitos terríveis, os militares tinham aquele conceito nacionalista, patriótico e promoveram as ciências no Brasil. Depois de uma fase inicial, na década de 60, de perseguição a alguns núcleos, porque achavam que eram de esquerda, na década de 70 reverteu a situação. Com o governo Geisel, realmente, começou a reverter. Foram criadas instituições muito boas de fomento à ciência – a Finepe, por exemplo, muito isenta à política. Enquanto tinha repressão política por um lado, para a ciência não tinha. Isso posso falar de cadeira, porque eu vim fugindo de um regime ditatorial na Argentina e vim parar aqui e aqui não fui perseguido. Pelo contrário, fui bem tratado. Então houve um bom apoio às ciências entre 74, 75 e 80. No governo Figueiredo a coisa declinou um pouco porque declinou a economia do país também. Houve uma maior liberalização política, mas houve um declínio da economia. No governo Sarney houve uma melhora que, lamentavelmente, estourou com a hiperinflação de 1989 e depois, com o governo Collor, foi o desastre. Um desastre, que insisto, só estamos começando a recuperar agora em 1997, desde janeiro e fevereiro deste ano.

EC – E qual a verba que o senhor dispõe para pesquisa?
Izquierdo – Repartida entre quatro grupos neste departamento, em colaboração com grupos de emergências de várias partes do país e até de fora, temos no total R$ 600 mil para este ano. No ano que vem acredito que vai ser um pouco menos.

EC – Qual o reflexo do sucateamento das universidades públicas para a pesquisa?
Izquierdo – Tremendo. Muito grande. Aqui estou falando desde uma universidade que anda bem, que é a UFRGS, que apesar dos pesares tem conseguido crescer muito em termos de pesquisa. Claramente, ainda que por muita distância da primeira, é a terceira universidade do Brasil, neste momento, em termos de pesquisa. A primeira é a USP, que é muito maior, a segunda é a UFRJ, e a terceira, muito perto da UFRJ, somos nós. Em termos de pesquisa e de qualidade de ensino. Porque a pesquisa se reflete numa melhora indubitável na qualidade do ensino. Ensina muito melhor aquele que faz do que aquele que só lê e repete.

EC – O que explica a distância entre USP e a UFRGS? Qual é o problema?
Izquierdo – É simplesmente uma questão de dimensão. A USP é várias vezes maior que a UFRGS. Seis sete vezes maior. A USP tem muitos campus. E depois tem a Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo. Em comparação, nossa fundação estadual é muito pobre. Então eles são, primeiro, muito maiores e, segundo, têm muito mais apoio.

EC – E o interesse político?
Izquierdo – Não, acho que não. Na época em que nós cientistas fomos perseguidos, digamos, por fazer ciência, maltratados, sem verbas, a USP sofreu tanto quanto nós. O governo estadual lá dispõe de uma verba fixa para a pesquisa, para financiar a fundação estadual e a usa para isso aí.

EC – E aqui, como tem trabalhado o governo estadual com a pesquisa?
Izquierdo – Nosso governo estadual não entrega a dotação orçamentária necessária. Não libera verbas.

EC – Mas a Constituição Estadual prevê 1,5% do orçamento para a pesquisa…
Izquierdo – Sim, mas na prática, o governo estadual não libera isso. O governo não cumpre a Constituição Estadual. Em São Paulo sim, cumpriu sempre. Então, por isso, lá tem uma continuidade, que aqui nós nunca tivemos.

EC – Como o senhor vê a participação da iniciativa privada no incentivo à pesquisa?
IzquierdoEu não sei se existe no Brasil. Se fala muito nisso, mas eu não tenho visto praticamente nada. A iniciativa privada, no Brasil, em comparação a outros países, só financia aquilo que lhe interessa em forma muito direta e aplicada.

EC – Na Conferência de Boston, a Secretaria de Ciência e Tecnologia, o CNPq e a Fiergs alinhavaram um convênio para atrair pesquisadores gaúchos que estão no exterior para desenvolverem pesquisas nas indústrias do estado. Estão negociando agora quanto cada uma arcará para financiar o convênio. Como o senhor vê isso?
Izquierdo Acordos eu acredito só quando são cumpridos. Quando vejo algum resultado disso, eu digo acredito ou não acredito. Acordo para mim tem um exemplo histórico que foi o pacto de não agressão entre Hitler e Stalin. Um ano e meio depois, Hitler invadiu a Rússia, não é? Os acordos aqui são a mesma coisa. A Constituição Estadual diz que tem de dar um percentual para a Fundação de Amparo à Pesquisa, o governo não dá; então, lei no papel para mim não vale. Vale só quando sai do papel para a prática. E o Brasil é um país que cansou a todos os seus habitantes em termos de acordos não cumpridos. A polícia tem de reprimir o crime de acordo com a lei, por exemplo, não faz isso; participa no crime, etc.

EC – Do ponto de vista científico, como o senhor vê este tipo de acordo? O que é possível produzir nestas condições?
Izquierdo – A indústria paga só o que lhe interessa. Exclusivamente o que interessa. Em acordo com a iniciativa privada, eu não vejo nada que eu possa produzir, por exemplo. Agora, eu sei o que acontece em outros países, por exemplo. A indústria farmacêutica em países da Europa Ocidental, nos Estados Unidos, no Canadá, dá dinheiro para a pesquisa básica e não necessariamente à pesquisa aplicada, para o interesse exclusivo dela, mas no sentido de que é bom desenvolver o conhecimento geral na área para ver se daí sai algo que depois possa beneficiá-la. Aqui não. Aqui vão muito para a coisa pontual e direta. Ou seja, a indústria diz: “vá, me faz uma análise de tal coisa e, se possível, paguem vocês, nós não botamos nada.” Eu tive contato com várias indústrias e isso foi dito. Por exemplo, uma indústria importante aqui do sul, perguntou se eu queria fazer uma análise de toxicidade de um produto. Disse que sim e quanto iria custar o trabalho. Aí eles disseram, bom, nós não temos como pagar, você tem de fazer. Então, estão interessados em usar verba pública para o financiamento de sua própria atividade. Assim não funciona. Uma indústria que precisa da tutela do Estado para sobreviver, mais cedo ou mais tarde vai sucumbir frente à indústria do exterior. Não há a menor dúvida. Aconteceu com muitas e vai acontecer sempre. E o Estado sucumbe junto. Veja o caso da União Soviética. O Estado e a indústria era um conglomerado único. As indústrias pertenciam ao Estado e, por sua vez, o Estado financiava as indústrias. Morreram abraçados. O que sobrou está na miséria braba. Era a outra superpotência do mundo, agora é um país com expectativa de vida muito inferior a do Brasil.

EC – Ou seja, a indústria é que tem de pagar seus pesquisadores?
Izquierdo – Claramente. É função da universidade formar estes ‘cérebros’. Agora, quem tem que empregá-los nas indústrias e pagá-los é a indústria, não a universidade, nem o setor público.

EC – É possível dimensionar o atraso brasileiro na pesquisa, em termos de anos e volumes em relação aos países do primeiro mundo?
Izquierdo – Em termos de anos é difícil de saber, mas em algumas áreas o atraso é de 10, 20 anos. Em outras áreas o atraso talvez seja irrecuperável. Agora, em certas áreas estamos no mesmo nível deles, ou seja, estamos na frente. Por exemplo, na minha área, aqui neste laboratório, estamos tão na frente como qualquer um da Europa e dos Estados Unidos. Então, estamos bem na ponta. Em outras áreas também. Em alguns aspectos da biologia também temos aqui alguns grupos que estão na frente em nível internacional. Também na matemática e em alguns aspectos da física.

EC – Nestes tempos de Globalização, como ficam as ciências?
Izquierdo As ciências sempre foram competitivas em nível internacional. A ciência sempre foi globalizada desde seus primórdios. Nós fazemos ciência não para uma quadra, para um bairro. Fazemos ciência para o mundo. A mim, por exemplo, interessa melhorar a memória e pro-longar a vida das pessoas de qualquer país do mundo, não só de meu bairro, de minha cidade.

EC – Como os cientistas se colocam diante de realidades como a fome, a miséria, as epidemias e os grandes problemas ambientais, como a poluição dos rios, do ar, as superpopulações das cidades?
Izquierdo – Bom, eu escrevi bastante sobre estes temas – superpopulações na cidade, por exemplo. Têm artigos meus na Folha de São Paulo e em outros órgãos. Nos colocamos, em primeiro lugar, com muita preocupação. Mas temos de distinguir duas coisas: uma, é a atividade específica que nós fazemos, cada um na sua área e, outra, nosso comportamento como cidadão, como habitante. Como cidadão podemos fazer muita coisa, através do voto, expressão de opinião, até do protesto; mas em nível de nossa especialidade somente em alguns casos. Os sociólogos, os nutricionistas podem tomar medidas diretas em relação à fome, etc. Mas um cientista da Matemática não. Trabalhamos em áreas que não dizem respeito à fome, à distribuição de renda. A minha área, dentro da enorme área da saúde, é um campo pequeno.

EC – Qual é o papel das ciências no desenvolvimento e soberania do país? E qual é a situação do Brasil?
Izquierdo – O tema de soberania é um tema do qual se abusa muito no Brasil, a partir de interesses que considero espúrios, de protecionistas… A palavra soberania está começando a ser palavrão em nível internacional. Hoje estamos falando em grandes blocos; na concessão, em termos de soberania, para poder formar agrupamento de países ou de pessoas, sem fronteiras tão marcadas. Creio que não há muitos lugares neste mundo para nacionalismo e soberania. Por outro lado, os governos militares que se dedicavam à prática discursiva ou efetiva desapareceram na América Latina. Foi um pouco uma ilusão do passado ou pertence ao passado. Hoje em dia não tem mais lugar para isso. Você vê a União Européia, o Mercosul e vê que o futuro está aí, não no regionalismo ou nacionalismo. Mas os países existem e têm de funcionar. Para poderem se integrar em blocos têm de ser países organizados, funcionando e prósperos. Nenhum bloco vai querer um país que não funciona. Então, para isso, as ciências e a tecnologia são fundamentais – sempre foram. Mas agora a economia é cada vez mais tecnificada, a vida é cada vez mais tecnificada. Sem isso, não há possibilidade de um desenvolvimento econômico normal. Eu sei de países inteiros que desprezaram as ciências, não conseguiram desenvolver tecnologia – a tecnologia deriva invariavelmente e absolutamente das ciências – e desapareceram como países. A União Soviética é um exemplo. A ex-Iuguslávia é outro exemplo. Os países da periferia da União Soviética não existem na vida real. Por outro lado, os países que apostaram fortemente na ciência e, por isso tiveram tecnologia, avançaram. Os sete grandes da economia mundial e em parte a China hoje em dia, a Índia, a Espanha, os países nórdicos da Europa, etc, por exemplo, estão melhor.

EC – Qual é a situação de Cuba neste processo?
Izquierdo – Cuba é um país que economicamente sofreu uma verdadeira implosão. Aí não se trata de desenvolver ou não as ciências. Até que desenvolveram bastante as ciências aplicadas. Por exemplo, nós importamos vacinas de Cuba, que são muito boas. Na área da genética eles têm estudos bons. Mas eles impludiram economicamente. É um pouco o exemplo de um país que foi ficando isolado em parte por vontade própria e em parte por ação externa… Algum dia se recuperará, não sei com que sistema político, mas um dia se recuperará.

EC – Qual a sua posição sobre a pesquisa nuclear e o programa brasileiro nesta área?
Izquierdo – Conheço pouco para opinar.

EC – E sobre a reforma agrária e a questão dos sem-terra?
Izquierdo – O que se comenta pouco é que o campo no mundo está se despovoando e não está reduzindo sua produção. Pelo contrário, está aumentando sua produção. Por exemplo, em 1950, a produção agropecuária dos Estados Unidos era feita por 30% da população. Ou seja, 30% dos norte-americanos moravam no campo naquela década. Hoje em dia, 4% da população habita e produz no campo. E produz seis ou sete vezes mais. É uma realidade que se impôs a todos. O campo cada vez mais tecnificado ocupa menos gente. Então, de nada adianta relocar ou colocar muita gente no campo porque não é assim. Agora isso é um aspecto. O outro aspecto é que no Brasil existe uma distribuição de terra terrivelmente ruim. Isso a gente vê viajando no interior de Pernambuco e Alagoas, por exemplo, onde andei recentemente. Enormes extensões de terras – ruins, com desníveis, onde não se pode usar máquinas, precisa de mão-de-obra manual – dedicadas ao cultivo de cana-de-açúcar, que é um cultivo que só funciona subsidiado pelo governo. Então se vê imensas populações ganhando muito pouco, realmente morando em cavernas, trabalhando nas plantações de cana-de-açúcar. Do lado disso, dividida apenas por um arame, tem terra repartida e a gente vê pequenas chácaras onde não se têm miseráveis, se vê gente pobre, mas que tem sua vaquinha, tem seu cultivo disso e daquilo e que vive mais ou menos bem. Então, no Brasil, realmente a terra tem de ser repartida – terras impro-dutivas ou dedicadas ao cultivo do açúcar – uma produção real, mas ineficiente.
As pessoas saem do campo. Foram para as cidades e aí superpovoaram as cidades. Mas, veja também uma coisa, se vive muito mal nas cidades mas se vive muito mais anos. Se você tem um ataque cardíaco no meio do sertão, vai morrer. Ou um problema de parto, vai morrer a mãe ou a criança. Morre-se menos de doenças curáveis na cidade do que no meio do mato.

EC – Como fica a questão dos pesquisadores com a formação de blocos?
Izquierdo – Muitíssimo melhor. Por exemplo, nosso trabalho aqui é feito em colaboração, em grande parte, com um grupo da Argentina. Mas também, dependendo do tema, do trabalho de pesquisa, com grupos de outros países, de outros estados. A ciência sempre foi aberta. Para nós, é uma vantagem tremenda, porque tem muitos aspectos tecnológicos de nossa pesquisa que nós aqui não temos e que, por exemplo, este grupo na Argentina tem, e vice-versa. Nós temos coisas que eles não têm. Então, a colaboração só trouxe ganhos para os dois, rendimento muito superior.

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