GERAL

A senadora do Rio Grande

Stella Máris Valenzuela / Publicado em 29 de outubro de 1998

A candidata a governadora pelo PDT nas últimas eleições revela a sua trajetória política e pessoal. Com mais de 6% dos votos válidos no primeiro turno, a professora Emília Fernandes, eleita senadora em 1994 pelo PTB, praticamente decidiu a eleição a favor de Olívio Dutra no segundo turno, transferindo os votos das bases do PDT para a Frente Popular. Agora ela retorna ao Senado Federal disposta a trabalhar pelo governo gaúcho, pela valorização da mulher e pela consolidação da aliança PT-PDT em âmbito nacional.

Dona de uma voz forte e gestos firmes, Emília Fernandes é uma mulher que se impõe naturalmente. A senadora aprendeu desde menina, em casa, a discutir política. Este traço da personalidade herdou da mãe. Dona Elça, professora aposentada é getulista e brizolista inabalável.

Nascida em Dom Pedrito, em 18 de junho de 49, ainda muito pequena foi morar com os pais e os irmãos em Santana do Livramento, onde fez toda sua vida pessoal, profissional e política. Mocinha, ouvia no rádio as informações sobre o histórico episódio da legalidade, secundadas pelos devidos comentários políticos da mãe.

Exerceu o magistério naquela cidade durante 23 anos, em escola pública, com experiência administrativa, alfabetização, supervisão escolar, docência. Foi diretora de escola durante seis anos e supervisora escolar durante quatro. É aí que surge a política partidária.

“Saí da direção da escola em 1982, demitida pelo governo Amaral de Souza por ter participado de uma greve do magistério; 100% dos meus professores aderiram à greve e eu entendi que uma diretora não é diretora de salas vazias. Então, apoiei o movimento e fui demitida, junto com mais três diretoras do RS”.

NO PLURAL – Até então, ela fazia um trabalho político, mas na área educacional. Não tinha nem filiação. Com a demissão, se filiou ao PDT e concorreu à vereança em Santana do Livramento. Elegeu-se vereadora em 82 e, em seguida, assumiu mais dois mandatos, os dez primeiros anos pelo PDT e os dois últimos pelo PTB.

Também teve uma luta intensa na área sindical. Foi fundadora do Cpers na fronteira. Emília aprendeu a dividir sua vida em quatro: magistério, militância sindical, participação política como vereadora e pessoal. Em 94, concorreu e se elegeu senadora. Pela primeira vez, uma mulher concorreu ao Senado no Estado.

“Isso significou, em primeiro lugar, uma responsabilidade redobrada, por ser a pioneira nessa atividade política de tão alto significado e uma oportunidade de mostrarmos a importância da participação das mulheres na política em todos os níveis. Quebramos alguns tabus”, diz. Quando Emília fala, o verbo é sempre na primeira pessoa do plural. “Normalmente, as pessoas entendem que para se chegar a um cargo máximo como é o Senado da República – o mais alto cargo legislativo – se precisa de uma trajetória extensa. Comprovamos que não. Tivemos um milhão e 165 mil votos. Foi uma surpresa. Havia nomes fortes, com trajetória política enraizada no RS, reconhecidos por vários anos de mandato. Concorremos com um quadro qualificado.”

Se ela imaginava que isso fosse acontecer? Num primei-ro momento, a pedetista tinha somente a idéia de que seria um grande desafio e que enfrentaria muitas dificuldades pela frente. Mas à medida em que a campanha avançava, começou a observar o retorno das pessoas, principalmente o forte engajamento das mulheres e dos professores.

DESAFIO – “Vimos que a nossa proposta de mudança, inclusive das pessoas que integram o Senado, estava sendo aceita”. Mas a parte mais difícil ainda estava por vir, ou seja, o desempenho do um cargo eletivo. “No Congresso Nacional, encontramos um ambiente profundamente conservador e elitista. Lá existem grandes figurões da política nacional, apenas cinco mulheres de um total de 81 senadores. É difícil fazer política no Senado”. Então, como marcar presença? A pedetista diz ter encontrado seu espaço através de um trabalho constante, dinâmico, responsável e uma presença efetiva. Ela tem trabalhado intensamente nas comissões e no plenário; acompanha as votações, os debates da matéria e contribuiu para implementar uma dinâmica de trabalho no Senado que até então não era muito comum, que são as chamadas audiências públicas.

Quer dizer: “quando surgem matérias importantes, nós, dentro das comissões, buscamos chamar as categorias envolvidas. Travamos muitos debates na elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, com o movimento sindical, a representação classista em termos de justiça do trabalho, as reformas dentro da Previdência e da Reforma administrativa. Sempre buscamos a participação efetiva das pessoas”.

A atividade tornou-a reconhecida nacionalmente. Tanto que, desde de 97, seu nome consta entre as 100 cabeças do Congresso Nacional que anualmente são escolhidos entre os 513 deputados e 81 senadores pelo Diap – Departamento Intersindical de Apoio Parlamentar. Uma novata mostrou como se faz para ocupar espaço no Senado. “Porque no Senado, ninguém dá espaço; é preciso conquistar”.

Para Emília, o reconhecimento de seu trabalho pelo DIAP não é motivo de vaidade, mas orgulho pelo que chama de respeito em relação aos votos que recebeu. Se sua vida política se dá nesse ambiente, paralelo a tudo isso há a vida pessoal e familiar. Os pais vivem em Livramento. Dona Elça, é professora aposentada e seu Antônio, protético-dentista aposentado. Entre os irmãos – três mulheres e quatro homens – as três mulheres fizeram magistério. Talvez por estímulo da mãe, mas só quem seguiu a profissão foi Emília.

Por que escolher o PDT quando se candidatou a vereadora? Por influência da mãe, naturalmente. “Nós nos criamos dentro da visão do trabalhismo”. Emília disse ter saído do PDT por algum tempo “por questões menores, localizadas, houve um problema no município” (ela não gosta de falar, mas se desentendeu com a ex-secretária da Educação, Neuza Canabarro, sua ex-colega e conterrânea).

Optou pelo PTB em 89, sendo fundadora da sigla em Livramento. “Tinha a idéia de prosseguir no trabalhismo, que é a minha bandeira”. Mas não demorou muito para ela constatar que não tinha identificação ideológica com a legenda escolhida. “Não tive nenhum atrito dentro do partido, foi uma divergência ideológica. Na prática, no trabalho no Senado, percebi isso. A orientação do PTB hoje não caminha na direção do trabalhismo de Getúlio. Tanto que apóia as reformas, apóia as privatizações, o desmonte da CRT. Entendi que para me manter leal ao que toda vida preguei e que apresentei como proposta quando me candidatei, não podia permanecer alinhada com este pensamento que contrariava o que pensava”.

Aí, voltou para o PDT. “Esta é a linha que defendo. Entendo que hoje o verdadeiro trabalhismo está dentro dessa sigla. Claro que se tem que construir alguma coisa, oxigenar o PDT ainda, mas entendo que é no PDT que podemos resgatar o verdadeiro trabalhismo”.

IDEOLOGIA – Os petebistas, quando falam da senadora, falam com ressentimento, porque viram Emília se eleger pelo PTB e depois mudar de sigla. Mas Emília não se sente incomodada com isso, porque entende que quem mudou foi o partido e não ela. “Continuo a mesma política, defendendo as teses desde o tempo em que era vereadora. Foi o PTB que mudou, sua ideologia não é mais aquela que nós inclusive nos comprometemos publicamente. Então, não pode haver rancor de nenhum lado, porque se não há fidelidade da parte deles com o programa, com a história que Getúlio nos deixou, não podem sentir que foram prejudicados. Optei pela lealdade à ideologia”.

“Estamos caminhando para uma reflexão, inclusive com possibilidade de mudança na vida político-partidária do país”, comenta, referindo-se ao processo eleitoral que aproximou o PDT e o PT. “Tem de se rediscutir partidos políticos, precisamos trabalhar a questão da fidelidade, identificada com ideologia”. Com os resultados eleitorais, principalmente no RS, há uma discussão nacional que começa a se fortalecer e vem crescendo, através da aliança PT-PDT.

“Vamos construir uma frente de oposições em todos os níveis, desde as câmaras de vereadores até o Congresso Nacional”. Para ela, a reestruturação partidária não se dará só no campo democrático-popular, mas também entre os partidos conservadores. Citou o exemplo do Rio Grande Vencedor, formado por 11 partidos, com diferenças ideológicas históricas. “Essa aliança confundiu e descaracterizou os partidos”.

Se há uma aproximação mais estreita dela com o PT? Emília diz ter pontos semelhantes com esta sigla, “mas somos partidos diferentes, o trabalhismo é diferente. Eu diria que o PT tem origem no trabalhismo; o partido de resistência, das lutas por liberdades democráticas é o PDT e é a partir daí que surge o Partido dos Trabalhadores, com propostas muito semelhantes às nossas”.

MULHER – O cuidado com a aparência, a vaidade é um traço marcante de Emília. Mas ela assinala que não gasta muito seu tempo nesta função. Até porque, diz ela, vaidade hoje não é só privilégio das mulheres, mas também dos homens. “Por estar na política, não abro mão da boa apresentação, mas o importante é não perder tempo, uso a praticidade”. Ela faz tudo com muita rapidez, usa roupas que se adaptam da manhã à noite. Defensora dos direitos da mulher, luta pela valorização e participação das mulheres e é esse um de seus temas de discussão no Congresso.

Integrante da executiva estadual e do diretório nacional do PDT, Lícia Peres diz ser testemunha da atuação de Emília Fernandes em defesa da mulher. “A questão de gênero se inseriu em todo o seu plano de governo. Não houve área em que a mulher não fosse contemplada”, relata Lícia, que ajudou a preparar o programa de governo da correligionária.

Para Lícia, que também é integrante do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, Emília sempre foi uma interlocutora da causa feminina. “Ela tem projetos importantes, como a aquisição da casa própria para a mulher, chefe de família e elaboração de políticas públicas nacionais”, explica. A pedetista lembra que a mulher ainda possui pequena inserção nas instâncias de poder, mas mesmo com todos os problemas, a senadora tem sabido ocupar bem seus espaços. “O resultado é um trabalho muito bom”, arremata.

Emília entende que sua participação no processo eleitoral foi decisiva para a transferência de votos para Olívio Dutra (PT). “Conseguimos mexer com muita gente e entrar em redutos onde a oposição não entrava, vide a região da fronteira”. Para ela, esse resultado hoje significa o aprofundamento de um trabalho integrado com o governo do estado nos próximos anos.

“Nos próximos quatro anos, pretendemos dar o respaldo a esse governo no Congresso Nacional. As prioridades no RS serão estabelecidas de uma forma diferente. Será um governo voltado para os interesses do RS. E a relação com o governo federal vai se dar de uma forma diferente. Essa linha neoliberal caminha para o esgotamento e o presidente vai chegar nos governadores de uma outra forma, o que vai ser positivo para os estados”.

Laura Xavier Fernandes, a filha de 24 anos, acompanhou a mãe em Brasília, os outros familiares ficaram em Livramento. Para ela, a mãe é uma batalhadora. “Em casa, aprendi a ver a batalhadora em ação, que lutava por direitos”. Laura aprendeu que o lugar da mulher não só em casa, mas no trabalho, “para nos tornar independentes e buscarmos nosso espaço”.

Ela também fez magistério, mas diz que não foi por inspiração da mãe. “Eu estava em dúvida e ela disse: tu és quem escolhe. Comecei com medo e depois adorei; optei por uma escola estadual, com alunos humildes; fiz um trabalho reconhecido por professores, diretora, os pais e alunos”.

Laura acha importante o espaço que a mãe lhe deu. “Hoje, sou estudante de jornalismo na Faculdade de Brasília. Ela nunca tentou me colocar nada na cabeça, me obrigar. A gente sempre teve direitos. Eu e Carlinhos sempre pudemos reclamar, optar, criticar. Sou super crítica, meus sobrinhos também”. Emília é colorada, Laura é gremista.

Para Sereno Chaise, presidente regional do PDT, o ingresso de Emília Fernandes no partido significou um grande avanço “pelas qualidades pessoais dela, pela luta que tem realizado”. “Emília é coerente, o que mudou foi o PTB. Basta dizer que o PTB usa o retrato do doutor Getúlio, mas compõe com um governo que declara que o objetivo é extinguir a era Vargas, riscar do mapa esse tempo. Um governo que tem tirado os direitos da classe trabalhadora”, comenta Chaise.

Para ele, Emília inovou como a primeira senadora gaúcha e também por ser a primeira candidata ao governo do Estado. “Claro que sabíamos ser uma eleição difícil, uma eleição polarizada; não foi fácil, dificultou uma terceira candidatura, mas o partido queria isso.

O líder pedetista acredita que a candidatura de Emília foi muito útil ao PDT. “Sua coerência, sua disposição para o trabalho, a capacidade de luta, foi fundamental. O partido ganhou muito com o retorno dela. Emília é hoje uma das pessoas mais importantes da sigla, não só em nível regional, mas nacional”, diz, lembrando que a senadora tem mais quatro anos de mandato.

MAGISTÉRIO, POLÍTICA E FAMÍLIA

Desde menina, os traços marcantes de pessoa muito ativa, dinâmica, que impunha sua personalidade e exercia liderança. Mais ou menos como a personagem Mônica de Maurício de Souza. “Sempre gostei de falar bastante, tanto que fui oradora da minha turma de ginásio, da turma de magistério e de faculdade”.

Com o tempo, vieram as reservas, junto com o amadurecimento. Era uma menina de camada média. “Naquela época, ainda se podia considerar o professor como classe média; hoje nós vemos que há um empobrecimento generalizado da categoria. Em 1968, casou em Livramento com o policial Carlos Alberto Fernandes, com quem teve dois filhos, Carlos Alberto, o Carlinhos de 29 anos e Laura, de 24 anos. Tem três netos, Carlos Fernando de nove anos, Marcus Vinicius com seis e Luís Felipe com três.

Em 72, começou a exercer o magistério na zona rural, de difícil acesso, tendo de passar a semana longe da família. As professoras eram bem-recebidas pelas comunidades que as acolhiam. Teve um período em que Emília morou um ano e dois meses com uma família próxima à escola onde dava aulas. Ia para casa de vez em quando.

Depois, foi para outra escola onde dava para ir e voltar diariamente, mas também zona rural. “A gente sempre conciliando a vida pessoal e profissional e fazendo com que a orientação dada aos filhos fosse na direção de chamar à responsabilidade. Os filhos amadurecem mais rápido na medida em que sentem que precisam participar da construção da vida enfrentando dificuldades”.

Na casa de Emília se discute muita política. O marido não é engajado, mas faz o que ela costuma chamar de trabalho de bastidores. Há divergências, e as opiniões são sempre manifestadas. Assim como há diferenças futebolística, com preferências pelo Inter e pelo Grêmio. “Sempre tivemos uma vida simples e modesta, não tínhamos condições maiores, mas é muito forte em nossa casa a orientação e divisão de responsabilidades.

O que mudou na pessoa, cidadã Emília que saiu de Livramento e deu um salto para Brasília? A senadora diz que a vida numa cidade do interior, mesmo com todas as atividades que tinha – trabalhava oito horas por dia, ainda era vereadora e militante sindical – era muito exigida. Apesar de tudo isso, por ser uma comunidade, as coisas pareciam mais fáceis de administrar.

“Agora, a responsabilidade redobra, o horizonte se amplia e exige de nós um pouco mais de afastamento da família. Por outro lado, a gente aprende muita coisa. Essa nova vida nos ensina muito. Não é fácil administrar, mas isso tem de ser feito. Onde todos os integrantes da família abram mão de alguma coisa e se complementem através do entendimento coletivo.

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