GERAL

Shalom, Rio Grande

Dóris Fialcoff / Publicado em 25 de agosto de 1999

Perseguidos na Europa, imigrantes judeus do estado amargaram no campo até rumar para as cidades e se adptar à vida dos trópicos

“Papai, emigrando, nunca mais viu meu avô. Em determinada noite, sonhou que ele lhe enviava um lindo presente. Passado algum tempo, uma carta trouxe a notícia de sua morte. Logo em seguida eu nasci”. Martha Pargendler era esse bebê que chegava, em 1923, a uma das famílias de imigrantes judeus vindos da Europa para o Rio Grande do Sul a partir do início deste século.

Na segunda metade do século 19, a maioria da população judaica mundial estava localizada no Império Russo que, por volta de 1890 e 1900, enfrentou a fome e a instabilidade. Nesta época, os “progroms” -investidas organizadas de grupos russos contra judeus – intensificaram- se e os ecos desses acontecimentos chegaram à Europa Ocidental. Em 1891, o barão judeu Maurice de Hirsch fundou a Jewish Colonization Association (ICA) com o objetivo de retirar os judeus da Europa Oriental e assentá-los onde pudessem ter uma vida melhor.

Em 1903, a ICA adquiriu uma área de 5.700 hectares no município gaúcho de Santa Maria para estabelecer a colônia agrícola de Philippson. No ano seguinte, chegaram as primeiras 38 famílias da Bessarábia. Cinco anos depois, a ICA comprou mais 93.850 hectares entre Erechim e Getúlio Vargas e, da colônia de Quatro Irmãos, surgiram quatro localidades: Barão Hirsch, Baronesa Clara, Pampa e Rio Padre.

Até 1928 chegaram cerca de 280 famílias judias no Rio Grande do Sul. Na década de 30, especificamente entre 1934 e 1937, o estado passou a receber um número significativo de judeus que fugiam das perseguições nazistas. Poucos chegaram apósa guerra, como sobreviventes do Holocausto. O fluxo ficou seriamente restrito a partir de 1937, quando uma legislação criada pelo Estado Novo estabeleceu um sistema de cotas para a entrada de estrangeiros.

Na leva de 1912, oriunda de Rachkow (Bessarábia), estava a menina de dez anos Mariam Faermann que, 11 anos depois, casada com Abram Pargendler (vindo de Dombrevez, na Rússia), viria a conceber Martha. Hoje, aos 76 anos, Martha faz questão de dividir a experiência de ser filha de imigrantes, contando a infância em Quatro Irmãos e depois em Erebango, as dificuldades, as rotinas, comemorações e, acima de tudo, a capacidade de se adaptar culturalmente.

Muitas dessas histórias estão no livro A Promessa Cumprida, lançado em 1990 e já com edições em inglês e espanhol. Fundadora do Movimento Gaúcho pelo Menor e Cidadã Honorífica de Porto Alegre, Martha declara que “na colônia ou nas cidades, os judeus depositaram suas contribuições, construíram famílias e riquezas. Encontraram paz e liberdade na diáspora brasileira e retribuíram com o dinamismo do trabalho e com grande diversidade de realizações”.

Anita Brumer, pesquisadora da presença judaica no Rio Grande do Sul, enfatiza que, diferentemente de imigrantes de outras origens que vieram para o Brasil movidos por motivos econômicos, entre os judeus da Rússia czarista – ashkenazi -não predominava o sonho de “fazer a América”, isto é, fazer fortuna e depois voltar. “Além dos problemas econômicos, comuns aos emigrantes de outros países, os judeus sofriam perseguições religiosas e sociais em alguns países europeus onde se concentravam em maior número”, diz. Ela relata, por exemplo, a expulsão de Moscou (em 1891), no último ano do governo do czar Nicholau II, como parte do plano de “russificação” que incluía a prática compulsória da religião russa ortodoxa. Os imigrantes trazidos pela ICA – além de alguns que vieram por conta própria – dedicavam- se à agropecuária, embora a maioria fosse proveniente das cidades, sem nenhuma prática nessa atividade. Para Anita, “este foi um importante fator, embora não o único, a explicar o insucesso das colônias agrícolas judaicas.

Judeus Ashkenazim e Sefaradim

A colonização judaica do Rio Grande do Sul foi composta majoritariamente por ashkenazi, que deriva de Aschkenaz, Alemanha, e designa judeus da Europa Central e Oriental, principalmente da Polônia, Rússia, Lituânia, Romênia (onde se inclui a Bessarábia) e Alemanha. Falavam idish, língua composta de elementos hebraicos, germanos e eslavos. Em pequeno número também vieram os de origem sefaradim, de Sefarad, Espanha, cuja primeira geração de imigrantes veio de países como o Egito, Turquia, Grécia e Marrocos. O idioma era o ladino, um espanhol arcaico.

A ICA oferecia a cada família de 25 a 30 hectares de campo e mato, instrumentos agrícolas, duas juntas de bois, vacas, um cavalo com carroça, pelos quais deveriam pagar 5 contos de réis em um prazo de dez a vinte anos. Inicialmente, foram alojados em precárias casas de madeira de 35 metros quadrados, com teto de zinco, sem vidraças e com frestas entre as tábuas.

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