A privatização da vez não é de nenhuma mineradora ou de algum serviço extremamente rentável que envergonhe o governo pelo seu desempenho positivo. O ano 2000 deve concentrar um debate mais profundo, porque referente a um tema mais do que importante: a saúde dos brasileiros. Já se mobilizam os setores empresariais que querem botar a mão no bolo de R$ 10 bilhões que representa o serviço de concessão e distribuição de água e saneamento básico no país, controlado pelas prefeituras e administrado pelos estados. Um dos projetos que tramita no Congresso estadualizando a concessão, e com isso facilitando a privatização, é do ministro José Serra, da Saúde. Não deveria, porque qualquer médico sabe (só que o ministro é economista) que a água e o esgoto são os maiores transmissores de doenças da humanidade. Água boa economiza internações pelo SUS. A lógica é simples: é mais fácil – e mais barato – convencer um governador do que milhares de prefeitos a privatizar a concessão de água e esgoto de uma região. Em Pernambuco e na Bahia a estratégia já está dando resultado: os dois estados colocaram no prego suas concessões. No caso de Pernambuco, a Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa) sairá por R$ 150 milhões. Uma bagatela. Na Bahia o felizardo arrematador terá de desembolsar cerca de R$ 450 milhões pela Empresa Baiana de Saneamento (Embasa). Nada também que preocupe, já que há dinheiro do BNDES na parada. Os dois estados já andaram recebendo até adiantamentos por conta da venda, em dinheiro vivo. Outra lógica da privatização proposta pelo governo: não financiar mais um tostão de projetos que tenham como gestor prefeituras ou companhias estaduais. Assim o setor fica sucateado, a população reclama do serviço prestado, os jornais dão cobertura e a privatização aparece como salvação nacional. No ano passado, segundo cálculos do deputado Sérgio Novais (PSB-CE), foram liberados apenas 13% dos recursos orçamentários destinados a obras de saneamento e água no país. A privatização, no entanto, só é solução para quem quer ganhar dinheiro fácil. Nas grandes cidades, os sistemas se pagam com tarifas relativamente baixas. Em Porto Alegre, mil litros de água tratada custam R$ 0,75, já incluindo aí cerca de 25% para investimentos. Não é nenhuma catástrofe aumentar essa tarifa para R$ 1. Os lucros são astronômicos. Só que o país é feito de milhares de economias deficitárias, de grotões onde reinam doenças do século passado (do século 19 mesmo). Nesse lugares ninguém quer saber do serviço, nem as prefeituras. O presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária (Abes), Antônio Marsiglia Neto, é taxativo: “Água é fundamental para a sobrevivência. Tem que ser um bem de acesso universal, independente da capacidade de pagamento. E com a seguinte lógica: quem pode paga para quem não pode”.
O pai da educação
Os nove países mais populosos do mundo – entre eles o Brasil – decidiram não trabalhar mais com números para medir resultados e estabelecer metas para seus sistemas educacionais. Foi na EFA-9 (Education for All), realizada em Recife entre 31 de janeiro e 2 de fevereiro. O grupo não quer mais trabalhar com números porque acha que as diversidades entre os membros é tão grande que se torna impossível estabelecer qualquer meta plausível para os próximos anos. É justo. Em 1990 os nove países estabeleceram como principal meta reduzir o analfabetismo pela metade. Não cumpriram. A Declaração de Recife, por isso, é um primor de generalidades. Houve muitos avanços na última década, mas ainda há muito por fazer. Persiste um grande número de analfabetos, há que se expandir o acesso à educação fundamental, o uso de novas tecnologias é pouco difundido nas escolas públicas, há que se melhorar substancialmente a qualidade do ensino. Há abundância de adjetivos e falta de informação. O quadro é tão genérico que Brasil e México querem abandonar o grupo porque acreditam não terem mais identidade com China, Egito, Índia, Indonésia, Paquistão, Nigéria e Bangladesh. Vai ver o Brasil pretende se alinhar à França e à Inglaterra, por exemplo, onde 80 de cada cem adolescentes entre 15 e 17 anos freqüentam a escola. Aqui, esse índice não chega à metade dos europeus (mais precisamente, 32%). Os dados são do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). Some-se a isso o desemprego na mesma faixa etária registrado em 1999, superior a 25% nas principais regiões metropolitanas, e tem-se um bonito quadro do que aflige a juventude – pobre, diga-se de passagem – do país. Sem escola e sem trabalho, resta a marginalidade. E o presidente Fernando Henrique ainda pretende ser lembrado pelo que fez à educação do país.
Comprovado: o mundo não acabou
Como antecipamos na nossa última edição, o mundo não acabou mesmo no ano 2000 conforme faziam supor algumas previsões catastróficas. Para não deixar dúvidas acerca do fato, o Extra Classe listou algumas provas concretas – e irrefutáveis – de que continuamos vivos.
• Logo que virou o ano, os pedágios subiram de novo no Rio Grande do Sul. A Justiça mandou o preço baixar, o governo reagiu, as concessionárias recuaram. E quem pagou os 30% a mais guardou os recibos para receber a diferença de volta…
• O topless continuou mobilizando esforços policiais e da imprensa, que há pelo menos 20 anos toca no assunto regularmente. Sem chegar a nenhuma conclusão sobre sua naturalidade ou não…
• Argentinos endiabrados invadiram as estradas brasileiras mal 1999 tinha acabado. Mais uma vez, para provar que o mundo não acabou mesmo, as Polícias Rodoviárias nada puderam fazer para coibir o abuso da velocidade… por parte dos estrangeiros. Brasileiros continuaram pagando 540 Ufirs (pouco mais de R$ 550) de multa.
Um caso ainda a elucidar
Três anos depois do assassinato do fotógrafo argentino José Luiz Cabezas, oito acusados pelo crime receberam penas pesadas do júri da cidade de Dolores. Três deles foram condenados à prisão perpétua. Apesar da dureza das condenações, cresce a suspeita de que o júri deixou muitas perguntas sem resposta e acabou culpando os de sempre. Muitos oficiais de alta patente da Polícia argentina são suspeitos de colaboração no crime encomendado pelo empresário Alfredo Yabrán, que se suicidou há um ano e meio. Tudo para encobrir ligações mafiosas dentro da Bonaerense, a poderosa Polícia de Buenos Aires Cabezas investigava a ligação de Yabrán – que era muito, mas muito próximo do ex-presidente Carlos Meném – com máfias e corrupção. Foi morto com dois tiros na nuca e depois queimado.
Quick drop
Enquete da Zaz sobre a frase de Brizola – de que “passaria fogo” no presidente FHC num hipotético tribunal revolucionário – teve resultado surpreendente: 58,4% dos internautas disseram que fariam o mesmo, nada menos que 3.513 votos. Só 15% acharam um crime ou uma irresponsabilidade a sugestão, pouco mais de mil votantes. E 1.552 internautas consideraram a proposta de Brizola “um sintoma de senilidade”.